14 Mai 2020
“A síndrome do desemprego em massa se mostra hoje com toda a dramaticidade, uma verdade comprovada que se arrastava antes do início da pandemia: a simples lei do mercado econômico neoliberal (maximização do lucro) foi incapaz de garantir a redistribuição social e com isso o aumento sustentado da demanda”, escreve Eduardo Camín, jornalista uruguaio credenciado na ONU-Genebra, analista associado do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica, em artigo publicado por Rebelión, 12-05-2020. A tradução é do Cepat.
Quando, em 1848, Karl Marx e Friedrich Engels publicaram em Londres seu universalmente conhecido Manifesto Comunista, que começa com a histórica frase inspirada no Fausto de Goethe: “Um fantasma percorre a Europa: o fantasma do comunismo”, não podiam imaginar que 170 anos depois um novo fantasma atingiria a face da Terra, terrível e destrutivo: o do desemprego em massa.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) destaca na terceira edição de “A Covid-19 e o mundo do trabalho” que a queda nas horas de trabalho no atual trimestre (segundo) de 2020 poderá exceder em muito a estimativa e atingem 10,5% dos empregos de período integral (em uma semana de trabalho de 48 horas), equivalente a 305 milhões de pessoas, em comparação com os níveis pré-crise (quarto trimestre de 2019).
De acordo com a previsão anterior, a redução seria de 6,7%, o equivalente a 195 milhões de empregados em tempo integral. A advertência da OIT é que a perda de empregos está subindo rapidamente e quase metade da população ativa mundial poderia perder os meios de subsistência.
Os dados mais recentes da OIT sobre o impacto da pandemia da Covid-19 no mercado de trabalho revelam seu efeito devastador sobre os trabalhadores da economia informal e sobre centenas de milhões de empresas em todo o mundo. As vítimas desse espectro padecem de um abandono quase absoluto.
Em primeiro lugar, do ponto de vista material da mera subsistência física. Em segundo lugar, pela falta de sentido de vida que atingirá milhões de seres humanos, educados na ideia de que o trabalho é a condição indispensável das relações sociais e a base que sustenta a constituição de uma sociedade.
E, finalmente, devido ao grau de degradação política e moral que o aumento das taxas de desemprego implica para a sociedade como um todo, mesmo naqueles não afetados pela ruína.
A OIT adverte que a queda constante nas horas de trabalho devido à pandemia, , em nível mundial, significa que 1,6 bilhão de trabalhadores na economia informal, quase metade da população ativa do mundo, correm risco iminente de ver desaparecerem suas fontes de subsistência. Sem uma fonte alternativa de renda, esses trabalhadores e suas famílias simplesmente não terão meios de sobrevivência.
A crise econômica provocada pela pandemia deu um forte golpe na capacidade de ganhar o sustento de quase 1,6 bilhão de trabalhadores na economia informal (o grupo mais vulnerável do mercado de trabalho), de um total de 2 bilhões em todo o mundo, e de uma força de trabalho global de 3,3 bilhões de pessoas.
São dois os gatilhos: medidas de confinamento e/ou o fato de essas pessoas trabalharem em algum dos setores mais atingidos.
Globalmente, o primeiro mês da crise havia cobrado 60% da renda dos trabalhadores informais. Isso equivale a uma queda de 81%, na África e nas Américas, 21,6%, na Ásia e no Pacífico, e 70% na Europa e Ásia Central.
A atualização dos números demostra que a situação piorou para todos os principais grupos regionais. As estimativas indicam uma perda de horas de trabalho equivalente a 12,4%, no segundo trimestre, nas Américas (comparado aos níveis pré-crise), e 11,8%, na Europa e Ásia Central. As estimativas para o restante dos grupos regionais excedem 9,5%.
Nas últimas duas semanas, a proporção de trabalhadores que vivem em países sujeitos à obrigação ou a recomendação de paralisar as atividades passou de 81% para 68%. A redução em relação à estimativa anterior de 81%, observada na segunda edição do Observatório (publicada em 7 de abril), deve-se principalmente às mudanças na China. Nos outros países, as medidas de paralisação aumentaram.
O relatório destaca que, em todo o mundo, mais de 436 milhões de empresas enfrentam o sério risco de interrupção da atividade. Essas empresas pertencem aos setores mais afetados da economia, incluindo 232 milhões do comércio atacadista e varejista, 111 milhões das manufaturas, 51 milhões dos serviços de hospedagem e alimentação e 42 milhões da área imobiliária e outras atividades comerciais.
A OIT pede que sejam adotadas medidas urgentes, específicas e flexíveis para ajudar trabalhadores e empresas, em particular, as pequenas empresas, os trabalhadores e as trabalhadoras da economia informal e outras pessoas em situação de vulnerabilidade.
“Para milhões de trabalhadores, a ausência de renda equivale à ausência de alimentos, de seguridade e de futuro. […] Na medida em que a pandemia e a crise do emprego evoluem, torna-se mais urgente a necessidade de proteger a população mais vulnerável”, ressalta Guy Ryder, diretor-geral da OIT.
As medidas de reativação da economia devem se basear em um alto nível de criação de empregos e devem ser apoiadas por políticas e instituições trabalhistas mais fortes e por sistemas de proteção social mais amplos e dotadas de mais recursos.
Para que a recuperação seja efetiva e sustentável, também será decisiva a coordenação internacional de pacotes de estímulo e medidas de alívio da dívida, defende.
Presos a uma lógica de sobrevivência, o confinamento nos mostra mais uma vez que os direitos econômicos, sociais e culturais, como o direito à alimentação, o direito à saúde, o direito à moradia, o direito ao trabalho e o direito à educação são tão cruciais como os direitos civis e políticos.
As autoridades nos lembram constantemente que o objetivo das ações de confinamento e as ações de barreira sanitária (distanciamento físico, lavagem das mãos, uso de máscaras etc.) é proteger o direito à vida de todos e cada um de nós e expressa assim o valor que se dá à vida humana em nossas sociedades.
No entanto, devemos nos perguntar o que acontece hoje com pessoas que pertencem a grupos socialmente excluídos, que estão particularmente em risco de contágio, por exemplo, as pessoas aglomeradas em bairros de situação de emergência, sem água corrente? O que acontece com a proteção efetiva do direito à vida dessas pessoas quando medidas sanitárias são materialmente impossíveis de serem aplicadas para elas devido à violação anterior de seus direitos sociais?
É aceitável que nos países ricos dezenas de milhões de pessoas estejam necessitadas? É tolerável que hoje quase metade da humanidade seja privada, em maior ou menor grau, da satisfação de suas necessidades básicas (alimentação, água, moradia adequada, trabalho decente, educação...)?
Esses exemplos nos lembram que a violação de um direito humano pode comprometer o gozo de todos os outros. Assim, a negação de fato do direito à moradia tem dramáticas consequências em cascata e leva a múltiplas violações dos direitos humanos nas esferas do emprego, da educação, da saúde, dos laços sociais, da participação na tomada de decisões (privação de direitos civis, entre outras).
Como chegamos a essa situação? Na sua raiz, estão as decisões econômicas e políticas tomadas, voluntária ou involuntariamente, nas últimas décadas. Essas decisões excluíram o Estado da esfera econômica e reduziram os recursos orçamentários alocados ao setor público, particularmente no campo da saúde.
O papel dos Estados tem sido limitado às questões de segurança e à repressão de sua própria população, que muitas vezes exige justiça social e protesta contra a destruição de seu ambiente de vida.
Para alguns Estados, a economia deve funcionar a todo custo (independentemente do setor e de sua utilidade social em uma situação de emergência), ignorando os perigos da pandemia para os trabalhadores afetados e a saúde pública, enquanto, ao mesmo tempo, esses Estados não têm capacidade para oferecer à sua população produtos médicos e/ou alimentares, privados de uma rede de assistência médica digna desse nome, mesmo nos países que se consideram desenvolvidos.
A síndrome do desemprego em massa se mostra hoje com toda a dramaticidade, uma verdade comprovada que se arrastava antes do início da pandemia: a simples lei do mercado econômico neoliberal (maximização do lucro) foi incapaz de garantir a redistribuição social e com isso o aumento sustentado da demanda.
Há anos, os trabalhadores de baixa qualificação sustentam o sistema que definitivamente os marginaliza, permitindo, com seus baixos salários, o desenvolvimento de um mundo em que os lucros das empresas continuavam crescendo paralelamente aos níveis de desemprego.
Os teóricos neoliberais, com seus desvios intelectuais, tentam sustentar a racionalidade da imensa acumulação de fortunas no topo da escada social, na inevitabilidade que uma parte dessa riqueza ‘drene’ ou seja derramada para baixo através das barreiras sociais, pois mais uma vez se enganam, o presente reino das desigualdades univocamente governado pelo sistema econômico demostra a evidência, transformada no fantasma do desemprego em massa.
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O fantasma do desemprego em massa percorre o mundo. Artigo de Eduardo Camín - Instituto Humanitas Unisinos - IHU