28 Janeiro 2020
“Os déficits em matéria de trabalho decente são especialmente acentuados na economia informal, que registra as mais altas taxas de pobreza entre os trabalhadores e uma alta porcentagem de pessoas que trabalham por conta própria ou de trabalhadores familiares auxiliares que carecem da proteção adequada”, escreve Eduardo Camín, jornalista uruguaio credenciado na ONU-Genebra, analista associado do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica, em artigo publicado por CLAE, 24-01-2020. A tradução é do Cepat.
O relatório anual Perspectivas sociais e de emprego no mundo - Tendências 2020, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), indica que a falta de empregos remunerados afeta hoje 500 milhões de pessoas e estima que o desemprego aumentará este ano para 190,5 milhões de pessoas no mundo.
O relatório analisa os principais desafios do mercado de trabalho, como desemprego, subutilização da força de trabalho, pobreza dos trabalhadores, desigualdade de renda, parte da renda destinada à força de trabalho e fatores que excluem as pessoas do trabalho decente.
A falta de trabalho decente associada ao aumento do desemprego e à persistência das desigualdades tornam cada vez mais difícil para as pessoas construir uma vida melhor graças ao seu trabalho, de acordo com a edição mais recente do relatório mundial da OIT sobre tendências sociais e de emprego.
Quase 500 milhões de pessoas trabalham menos horas remuneradas do que gostariam ou não têm acesso suficiente ao trabalho assalariado, de acordo com o novo relatório da OIT, que destaca, também, que o número de desempregados deve aumentar em cerca de 2,5 milhões durante este ano.
O desemprego mundial permaneceu relativamente estável nos últimos nove anos, mas a desaceleração do crescimento econômico significa que, embora a força de trabalho global aumente, não estão sendo criados novos empregos suficientes para absorver os que entram no mercado de trabalho.
“Para milhões de pessoas comuns é cada vez mais difícil construir vidas melhores baseadas em seus trabalhos”, disse o diretor geral da OIT, Guy Ryder. “A persistência e a amplitude da exclusão e das desigualdades relacionadas ao trabalho impedem que encontrem trabalho decente e construam um futuro melhor. Esta é uma conclusão extremamente preocupante que tem sérias e alarmantes repercussões na coesão social”, acrescentou.
O relatório mostra que a incompatibilidade entre oferta e demanda de mão de obra se estende para além do desemprego até uma ampla subutilização da mão de obra. Além do número mundial de desempregados (188 milhões), 165 milhões de pessoas não têm trabalho remunerado suficiente e 120 milhões abandonaram a busca ativa de trabalho e não têm acesso ao mercado de trabalho.
No total, mais de 470 milhões de pessoas no mundo são afetadas. O relatório também analisa as desigualdades no mercado de trabalho. Com base em novos dados e estimativas, mostra que as desigualdades de renda em todo o mundo são maiores do que se pensava anteriormente, especialmente nos países em desenvolvimento.
Globalmente, a parcela da renda nacional destinada à mão de obra (ao invés de outros fatores de produção) diminuiu substancialmente entre 2004 e 2017, de 54% para 51%. Esse declínio significativo do ponto de vista econômico é mais acentuado na Europa, Ásia Central e nas Américas. Isso é mais do sugeriam as estimativas anteriores, como mostra o relatório.
A pobreza dos trabalhadores, moderada ou extrema, deve aumentar em 2020-21 nos países em desenvolvimento, dificultando ainda mais a realização do Objetivo do Desenvolvimento Sustentável (1) relativo à erradicação da pobreza no mundo até 2030 Atualmente, a pobreza dos trabalhadores (definida como ganhar menos de 3,20 dólares por dia em termos de paridade do poder aquisitivo) afeta mais de 630 milhões de trabalhadores, uma em cada cinco pessoas na população ativa do mundo.
Outras desigualdades significativas - definidas por sexo, idade e localização geográfica - continuam sendo fatores pertinentes nos atuais mercados de trabalho, constata o relatório, limitando tanto as oportunidades individuais de carreira quanto o crescimento econômico geral. Em particular, um número impressionante de jovens, 267 milhões (entre 15 e 24 anos) não trabalha, estuda ou recebe formação, e muitos outros precisam suportar más condições de trabalho.
“Só encontraremos a via para o desenvolvimento sustentável e inclusivo se combatermos esse tipo de desigualdade no mercado de trabalho e facilitarmos o acesso ao trabalho decente”, apontou Stefan Kühn, principal autor do relatório, que alerta que o fortalecimento das restrições comerciais pode ter repercussões graves, diretas e indiretas, sobre o emprego.
No que diz respeito ao crescimento econômico, o relatório observa que o ritmo e a forma atual de crescimento estão dificultando os esforços para reduzir a pobreza e melhorar as condições de trabalho nos países de baixa renda. O relatório recomenda que é necessário alterar o tipo de crescimento para estimular atividades de maior valor agregado por meio de transformação estrutural, modernização tecnológica e diversificação da produção.
“A subutilização de mão de obra e os empregos de baixa qualidade significam que nossas economias estão perdendo os benefícios potenciais que o enorme fluxo de talentos humanos representa”, acrescentou Stefan Kühn.
Diante dos enormes desafios que surgem no mundo do trabalho, incluindo desigualdades e exclusões persistentes, nunca foi tão vital como agora configurar um panorama claro das tendências sociais e do emprego em escala mundial. Para enfrentar os problemas e as dificuldades em que as políticas tropeçam, é necessário realizar uma reflexão crítica sobre a idoneidade dos métodos e conceitos, e introduzir inovações quando estas forem necessárias.
Seria necessário perguntar, por exemplo, se a taxa de desemprego é a medida mais confiável do mau funcionamento do mercado de trabalho. Temos que entender se as pessoas em idade de trabalhar podem ou não desenvolver todo o seu potencial no trabalho. A medição também se torna crucial para avaliar a crescente percepção de que os mercados de trabalho não estão distribuindo adequadamente os frutos do crescimento econômico.
Embora as evidências mostrem que os países não estão experimentando uma convergência crescente de oportunidades de emprego e aumento de renda, será necessário entender com mais precisão quais grupos de trabalhadores estão ganhando e quais estão perdendo. As respostas convincentes a essas perguntas podem contribuir diretamente para o desenho de políticas econômicas e sociais que possibilitem um desenvolvimento sustentável e inclusivo.
Este relatório visa enfrentar esse desafio, oferecendo evidências e perspectivas inovadoras que melhorem nossa compreensão do funcionamento do mercado de trabalho em todo o mundo, além de apresentar os dados mais recentes que caracterizam as dificuldades pelas quais o mercado de trabalho está passando persistentemente. Apresenta quatro mensagens fundamentais:
Em primeiro lugar, é muito provável que a diminuição do crescimento econômico projetado e a falta de inclusão prejudiquem a capacidade dos países de baixa renda de reduzir a pobreza e melhorar as condições de trabalho.
Em segundo lugar, uma medição mais completa da subutilização de pessoas em idade ativa revela importantes lacunas no acesso ao trabalho, a taxa de “subutilização total da força de trabalho” tende a aumentar e excede em muito a taxa de desemprego. Em terceiro lugar, mesmo quando as pessoas têm um emprego, ainda existem deficiências significativas na qualidade do trabalho.
O trabalho decente tem a ver com a adequação dos salários e da renda do trabalho por conta própria, com o direito à segurança no emprego e a um local de trabalho seguro e saudável, o acesso à proteção social, a oportunidade de expressar as opiniões e preocupações por meio de um sindicato, uma organização de empregadores ou outro órgão de representação, bem como com outros direitos fundamentais, como a não discriminação.
Os déficits em matéria de trabalho decente são especialmente acentuados na economia informal, que registra as mais altas taxas de pobreza entre os trabalhadores e uma alta porcentagem de pessoas que trabalham por conta própria ou de trabalhadores familiares auxiliares que carecem da proteção adequada.
Em quarto lugar, prevalecem importantes desigualdades no acesso e na qualidade do trabalho. Entre elas estão as principais linhas de segmentação entre trabalhadores, de acordo com sua localização geográfica (entre países e entre trabalhadores nas áreas urbanas e rurais), sexo e idade. Além disso, os novos dados da OIT sobre a renda do trabalho (para todos os trabalhadores, incluindo trabalhadores autônomos) demonstram que a desigualdade de renda é muito maior do que se pensava.
A dúvida: como os antigos maias, os organismos internacionais esperam que depois do ritual comece a chuva. Caberia perguntar se esse futuro que muitos querem construir pode continuar se desenvolvendo em um mundo capitalista, porque nem o planeta permite, nem uma sociedade desenvolvida e formada pode tolerá-lo.
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A falta de empregos remunerados afeta quase 500 milhões de pessoas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU