03 Setembro 2019
A introdução do robô, ao transformar a realidade do trabalho, oferece o contexto ideal para o capitalista justificar a destruição do emprego. E assim, refugiando-se na eliminação de uma tarefa, o capitalista elimina um emprego. O resultado é: o trabalhador que fica deve cuidar do que já resolvia, além do cargo de seu parceiro demitido e das tarefas anexas que surgem como resultado da introdução do robô.
Para os trabalhadores da indústria, a introdução de máquinas em seus espaços de trabalho não resultou em uma simplificação do emprego, mas o oposto: maior exaustão, ritmos mais exigentes, disciplina quase militar. O fenômeno que ocorre com a automação não é uma robotização do trabalho, mas uma robotização do trabalhador.
Hoje apenas 20% da população mundial possui cobertura adequada de seguridade social e mais da metade não possui cobertura. Surgem, então, perguntas tão absurdas, em tempos de incerteza: como manter a dimensão humana em um mundo de trabalho onde os robôs estão cada vez mais no comando?
O artigo é de Eduardo Camín, analista uruguaio e membro da Associação de Correspondentes de Imprensa da ONU, publicado por Centro Latinoamericano de Análisis Estratégico - CLAE, 27-08-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Tempos de incerteza são esses que vivemos, nos quais a reflexão humana se vê afetada em uma chuva de palavras usadas recorrendo velhas feridas. Hoje, a introdução da robótica, ao transformar a realidade do trabalho, oferece o contexto idôneo ao capitalista para justificar a destruição do emprego e a incerteza do trabalhador.
A incerteza está relacionada com essa necessidade que temos de saber o que vai acontecer na continuação, de forma que possamos antecipar, ou controlar e não nos pegue desprevenidos. A incerteza é entendida como aquela que nos incita, por exemplo, a confirmar que o que pensamos ou o que nos ditam nossos sentidos é certo. Porém, sob o fundo da injustiça social, esta aparece como um elemento emocional que produz níveis de stress e angústias de outra dimensão.
As injustiças que vivemos dia-a-dia e que vemos como outras pessoas sofrem, podem nos gerar graus importantes de incerteza, se não somos capazes de resolvê-la. A falta de controle sobre essas injustiças faz com que duvidemos de nossa capacidade para nos projetar ao futuro. No desafio de novas tecnologias se cobiça a incerteza no mundo do trabalho, sem esquecer que o homem canta e sonha, apesar do medo.
A práxis nos indica que a transformação na indústria já é inegável, patente e profundo: as antigas tarefas mais mecânicas, mais repetitivas e mais pesadas já foram assumidas pelas máquinas. Nessa transformação, novas tarefas foram aparecendo: tarefas que podem ser igualmente esgotadoras e repetitivas, e que se enquadram em uma dinâmica geral de trabalho “a toque de caixa” alentada pelos diretores das empresas.
Isso leva muitos a pensar que essa automatização não somente não facilitou a vida dos trabalhadores, mas na realidade em muitos casos inclusive dificultou.
Não obstante, a ansiedade a respeito de que as máquinas poderiam eliminar milhões de postos em nossos trabalhos globalizados é verdadeira, e chega em um momento em que a economia mundial capitalista navega em um “mar de dificuldades” enfrentando uma importante crise de emprego.
A tecnologia reduziu o trabalho requerido para a produção massiva e está esvaziando o mercado de trabalho ainda mais, ao automatizar inclusive tarefas administrativas e de contabilidade rotineiras. Esses temos acerca do impacto da tecnologia no mercado laboral não são nada novos.
A história nos lembra que muito antes da Organização Internacional do Trabalho – OIT nascesse em 1919, existiram um grupo de trabalhadores ingleses do início do século XIX denominados os “luditas” (1), que destruíram máquinas têxteis que reduziam a mão-de-obra e estavam substituindo seus postos de trabalho.
Por isso então, a classe trabalhadora sofria uma forte crise econômica e os donos da potente indústria têxtil do norte da Inglaterra buscaram reduzir custos mediante a baixa dos salários de seus trabalhadores e a introdução de novo maquinário que supõe prescindir parte da mão de obra para obter um produto mais barato, ainda que de pior qualidade.
Hoje em dia ainda se sustenta a legenda negra dessa ação dos artesãos ingleses da época. Ao menos assim o manifesta a Fundação para a Tecnologia da Informação e inovação dos Estados Unidos (ITIF), um “lobby” financiada por grandes companhias tecnológicas como Google, Dell e Microsoft.
A ITIF considera a inovação tecnológica “a fonte do progresso econômico e social”. Sob as condições atuais do capitalismo, se te opões a implementação de algum tipo de tecnologia pelos motivos que seja, és um ludita que questiona o progresso.
O discurso oficial ou politicamente correto nos mostra, como nas nações desenvolvidas ou aquelas em desenvolvimento, a globalização adquire uma velocidade de cruzeiro adicionando mais cadeias de fornecimento que operam em entornos normativos mais complexos com desfocadas fronteiras geográficas e que nenhum país pode ignorar o mundo digital “sem ficar fora da economia mundial”.
Um discurso-pretexto algo maquiavelista repetido como um karma sobre as populações, cada vez que um investimento estrangeiro ou um Tratado de Livre Comércio com suas prerrogativas, assoma as portas de um país.
Alguns especialistas da OIT questionam como adaptar o mercado de trabalho da melhor maneira e criar um trabalho decente. E a agência reconhece que, de uma maneira essencial e crucial, “devemos antecipar as mudanças tecnológicas que virão e resolverão a incompatibilidade entre educação e habilidades nos mercados de trabalho”.
A OIT acrescenta que “educação e habilidades adequadas para países de todos os níveis de desenvolvimento aumentam sua capacidade de inovar e adotar novas tecnologias. Isso determina a diferença entre crescimento inclusivo e o crescimento que deixa de fora grandes segmentos da sociedade. Uma força de trabalho treinada adequadamente e pode continuar aprendendo aumenta a confiança dos investidores e, portanto, o crescimento do emprego”.
Há algum tempo, há uma série de transformações no setor manufatureiro, cujos resultados são exaustivos para os trabalhadores. Uma das consequências mais óbvias dessas transformações é a destruição de empregos. Embora as fábricas mantenham espaços nos quais um grande número de trabalhadores esteja concentrado, isso está sendo reduzido ano após ano.
Vários fatores entram nessa conta. Um deles é a terceirização de serviços. A organização da estrutura legal da produção mudou, de modo que a cadeia de valor, que antes era concentrada quase inteiramente em uma única empresa, agora é distribuída entre várias empresas (matriz-auxiliares) e frequentemente entre vários centros de trabalho.
É o caso evidente do setor automobilístico: praticamente tudo chega pronto à fábrica para que você só precise montar e entregar ao veículo.
Logicamente, isso afeta uma redução no número de trabalhadores concentrados em cada planta, enquanto aumenta o número de plantas em uma estrutura de negócios globalizada: é o fenômeno da automação, ou seja, a introdução de máquinas de todos os tipos que assumem cada vez mais e mais tarefas resultaram em uma redução no número de empregos.
Ou melhor, facilitou a ocorrência dessa redução: ou seja, embora as máquinas simplifiquem o trabalho, elas não destroem o emprego em si. A destruição do emprego é o efeito colateral da automação, quando é realizada com base nos interesses da maximização dos lucros de grandes empreendedores, acionistas e gerentes.
A introdução do robô, ao transformar a realidade do trabalho, oferece o contexto ideal para o capitalista justificar a destruição do emprego. E assim, refugiando-se na eliminação de uma tarefa, o capitalista elimina um emprego. O resultado é: o trabalhador que fica deve cuidar do que já resolvia, além do cargo de seu parceiro demitido e das tarefas anexas que surgem como resultado da introdução do robô.
Para os trabalhadores da indústria, a introdução de máquinas em seus espaços de trabalho não resultou em uma simplificação do emprego, mas o oposto: maior exaustão, ritmos mais exigentes, disciplina quase militar. O fenômeno que ocorre com a automação não é uma robotização do trabalho, mas uma robotização do trabalhador.
Cada vez mais trabalhadores estão entrando no mercado de trabalho precário, cujo denominador comum são contratos de curto prazo ou temporários, e são frequentemente forçados a aceitar empregos informais. Isso está exacerbando as tendências em direção às desigualdades de renda.
Os valores estabelecidos do “mundo pré-digital”, que são codificados nas normas trabalhistas da OIT, ainda são válidos na era pós-digital. De fato, eles se tornam mais relevantes, de fato, se o relacionamento tradicional empregado-empregador (trabalhador-capitalista) se deteriorar cada vez mais no futuro. Essas complexidades na evolução do mundo do trabalho exigirão soluções complexas.
Nosso mundo mudou bastante durante o século passado e não apenas devido à tecnologia. Em 2050, a população mundial excederá nove bilhões de habitantes. O número de pessoas com 60 anos ou mais terá triplicado. Três quartos dos idosos estarão vivendo nos países em desenvolvimento e a maioria será de mulheres.
Além de treinar funcionários para a era digital, as economias sustentáveis exigem proteção para os trabalhadores, tanto nos bons quanto nos maus momentos. Juntamente com sistemas adequados de benefícios de desemprego ou proteções sociais, como assistência médica e pensões, eles formam a base de uma segurança geral para o trabalhador.
No entanto, hoje apenas 20% da população mundial possui cobertura adequada de seguridade social e mais da metade não possui cobertura. Surgem, então, perguntas tão absurdas, em tempos de incerteza: como manter a dimensão humana em um mundo de trabalho onde os robôs estão cada vez mais no comando?
1 – O ludismo foi um movimento encabeçado por artesãos ingleses no século XIX, que protestaram entre os anos 1811 e 1816 contra as novas máquinas que destruíam o emprego. Os teares industriais e a máquina de fiar industrial introduzidos durante a Revolução Industrial ameaçam de substituir os artesãos com trabalhadoras menos qualificadas e que cobravam salários menores, deixando-os sem trabalho.
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Tempos de incerteza: um robô poderia substituir meu trabalho? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU