Não há silêncio que não diga algo. As silenciosas celebrações do último Domingo de Ramos não omitiram o grito de Hosana, nem o socorro e o desespero de um mundo que precisa se confinar para sobreviver. Os últimos meses, justamente no tempo quaresmal, exigiram uma experiência forçada de deserto e encontro da humanidade com a sua história e futuro. A pandemia de coronavírus expôs todos à incerteza, assustando e carregando consigo o temor da miséria, da guerra, da solidão e da morte. Por que Deus permitiria tamanho sofrimento ao seu povo? Deus abandonou a humanidade, tal qual gritava o Jesus crucificado? O material de Páscoa do Instituto Humanitas Unisinos – IHU propicia essa reflexão para tempos tempestuosos.
Silêncio, eu quero ouvir o que me diz a imensidão
Quero saber se a minha alma tem razão
Quando acredita que estas coisas vão mudar
"Por que aconteceu conosco? Por que Deus não intervém para nos salvar?", indaga o teólogo italiano Francesco Cosentino visualizando a dramática marcha de caminhões militares que carregavam os corpos das vítimas da covid-19 na cidade de Bérgamo. A pergunta que se assume nos dias de hoje é frequente na história da humanidade. Em 2016, o também padre e italiano Enzo Fortunato questionava "Onde está Deus?" em meio aos gritos dos homens que procuravam por sobreviventes entre os escombros causados pelo terremoto de 23 de agosto.
Caminhões militares transportaram corpos das vítimas da covid-19, em Bérgamo, no norte da Itália. Foto: Reprodução
Mas não apenas os desastres inesperados despertam o horror e a incerteza se Deus de fato se manifesta para salvar sua criação. Afinal, sequer é possível dizer que o novo coronavírus é uma surpresa, ou que era inimaginável que uma pandemia infectaria, em poucos meses, mais de 1,5 milhão de pessoas e mataria mais de 87 mil pessoas no mundo. O exagero da ação humana em vista de uns interesses, tal qual a inação diante dos problemas, compõe o drama da sobrevivência em um cenário que se tornou, agora sim, incontrolável. Esse é um paradoxo do qual a teodiceia debruça-se, a coexistência de Deus e do mal.
Bento XVI, ao visitar o campo de Auschwitz, em 2006, também questionou: "Onde estava Deus naqueles dias? Por que Ele silenciou? Como pôde tolerar este excesso de destruição, este triunfo do mal?". Para o Papa, não há que se desistir do clamor a Deus, pois dele vem a própria conversão da humanidade, "devemos elevar um grito humilde, mas insistente a Deus: Desperta! Não te esqueças da tua criatura, o homem! E o nosso grito a Deus deve ao mesmo tempo ser um grito que penetra o nosso próprio coração, para que desperte em nós a presença escondida de Deus para que aquele seu poder que Ele depositou nos nossos corações não seja coberto e sufocado em nós pela lama do egoísmo, do medo dos homens, da indiferença e do oportunismo".
Papa Francisco esteve em Auschwitz, em 29-07-2016, dez anos após a visita de Bento XVI. Fotos: Vatican Media
O papa Francisco na sua benção eucarística Urbi et Orbi, na Praça São Pedro - que embora estivesse molhada por uma fina chuva naquela tarde, vive sob uma "amedrontadora tempestade - a tempestade do coronavírus" - nos faz refletir que, antes do silêncio de Deus, há o silêncio dos homens diante dos seus insistentes apelos: "Neste nosso mundo, que Tu amas mais do que nós, avançamos a toda velocidade, sentindo-nos em tudo fortes e capazes. Na nossa avidez de lucro, deixamo-nos absorver pelas coisas e transtornar pela pressa. Não nos detivemos perante os teus apelos, não despertamos face a guerras e injustiças planetárias, não ouvimos o grito dos pobres e do nosso planeta gravemente enfermo. Avançamos, destemidos, pensando que continuaríamos sempre saudáveis num mundo doente. Agora nós, sentindo-nos em mar agitado, imploramos-Te: 'Acorda, Senhor!'", proferiu na sua homilia.
Foto: Vatican News
A guerra do Iraque, em 2003, voltou a despertar questões sobre o silêncio de Deus diante dos massacres perpetrados pela ação humana. A Revista IHU On-Line Nº 54, publicada na Semana Santa daquele ano, reuniu entrevistas com o rabino Henry Sobel, o teólogo Manfred Zeuch e o jesuíta João Batista Libânio e artigos de Leonardo Boff e Jürgen Moltmann para debater a evocação que se fazia a Deus em meio ao conflito armado. Na entrevista, Libânio afirmava que: "no momento atual, o silêncio de Deus diante do fato de os países esmagarem o Iraque, revela a mesma dor e o mesmo respeito pelo agir humano, mesmo em sua insânia". Manfred Zeuch fazia o paralelo com o tempo litúrgico: "na Semana Santa celebramos o mistério do Deus que silencia diante da violência estatal e religiosa, que se abate sobre seu próprio caminho de amor. O silêncio do cordeiro nas mãos do carrasco são o mistério da salvação que fora 'guardado, silenciado' anteriormente, mas agora é manifesto".
A Paixão de Cristo, para o biblista Bruno Maggioni, também está centrada no silêncio. Por todo o caminho do sacrifício de Jesus há o silêncio; e quando ele grita, a resposta é o silêncio: "O momento mais significativo do silêncio de Jesus é a Paixão. Aqui o silêncio é muito mais denso do que as palavras. Na Paixão, Jesus fala poucas vezes, nunca para se defender, mas apenas para explicar a sua identidade. O silêncio é uma palavra importante para explicar quem ele é [...] Todos falam de Jesus e contra Jesus, mas Ele se cala. Dirige uma pergunta para o seu Deus ("Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?") que cai no silêncio. Morreu com um grito sem palavras", afirmou em artigo publicado pela IHU On-Line em 2014.
A passagem do grito de Jesus na Cruz, clamando pelo Pai que se silencia (Mc 15, 33-39), é tema das entrevistas com os teólogos Alexander Nava, Francine Bigaouette e Carlos Dreher, publicadas no Cadernos Teologia Pública Nº 89 e no sítio da IHU On-Line. Para Nava, o grito de Jesus é o grito do povo de Deus, tradicional desde o Antigo Testamento. "É impossível compreender a profundidade e o significado do grito de Jesus na cruz sem conhecer o Antigo Testamento. O grito de Jesus na cruz captura uma longa tradição de gritos de lamento e de protesto judeus", afirma.
Foto: Pexels
Para Bigouette, o grito na cruz reafirma a presença de Deus, independentemente do seu silêncio "A escuta do grito de Jesus crucificado nos permite vivenciar a perturbadora descoberta de que, quando experimentamos de diversas maneiras o poder do mal e da morte, temos o direito de pensar que somos abandonados por Deus, de nos sentir entregues por Ele e de lhe perguntar por que, sem que isso viole a qualidade de nossa confiança e de nossa esperança Nele. Ao mesmo tempo, porém, descobrimos que as situações existenciais de abandono que vivenciamos não podem mais ser interpretadas como a expressão da ausência de Deus, de sua indiferença, de seu recuo, de seu castigo. Aqui, sem negar a ambiguidade trágica da existência humana em certos momentos, Jesus nos chama para uma conversão radical do nosso juízo sobre Deus e nós mesmos", explica a teóloga canadense. Dreher segue nesta linha, ao afirmar que Deus não abandona o sofrimento, porque, "em Jesus, Deus mesmo se entrega à morte, por nós. Jesus é verdadeiro Deus. Então isso significa que Deus mesmo está ali pregado, sofrendo. Neste sentido, ele grita junto com Jesus. Não silencia, mas sofre com aquele ser humano arrebentado".
O jesuíta James Martin traz um argumento semelhante para encorajar diante do mistério da dor em um mundo atemorizado pela doença: Jesus assim como foi divino, foi plenamente humano em um mundo adoecido. No artigo publicado no sítio da IHU On-Line em 24-03-2020, ele afirma que "neste momento que nos assusta, os cristãos podem encontrar conforto em saber que quando rezam a Jesus estão rezando a alguém que os entende não apenas porque é divino e sabe tudo, mas porque é humano e experimentou todas aquelas coisas".
Na missa de Domingo de Ramos, 05-04-2020, o papa Francisco recordou que o silêncio de Deus ao grito de Jesus na cruz não é abandono, mas um sinal solidário, de que está conosco. "Porque quando nos sentimos encurralados, quando nos encontramos num beco sem saída, sem luz nem via de saída, quando parece que nem Deus responde, lembremo-nos que não estamos sozinhos. Jesus experimentou o abandono total, a situação mais estranha para Ele, a fim de ser em tudo solidário conosco. Fê-lo por mim, por ti, por todos nós; fê-lo para nos dizer: 'Não temas! Não estás sozinho. Experimentei toda a tua desolação para estar sempre ao teu lado'. Eis o ponto até onde nos serviu Jesus, descendo ao abismo dos nossos sofrimentos mais atrozes, até à traição e ao abandono. Hoje, no drama da pandemia, perante tantas certezas que se desmoronam, diante de tantas expetativas traídas, no sentido de abandono que nos aperta o coração, Jesus diz a cada um: 'Coragem! Abre o coração ao meu amor. Sentirás a consolação de Deus, que te sustenta'."
Nos links abaixo disponibilizamos um vasto material para a reflexão sobre o silêncio de Deus, revistas e entrevistas sobre a Páscoa e comentários sobre a Paixão de Cristo contada através da música clássica e do cinema.
O Ruído de Guerra e o Silêncio de Deus. Artigo de Manfred Zeuch. Cadernos IHU Ideias, Nº 5
O professor Manfred Zeuch, doutor em Teologia pela Université Marc Bloch Strasbourg II, UMB, da França, escreve sobre o despertar da Guerra do Iraque, a instrumentalização das religiões no conflito e o silêncio de Deus, contextualizando ao tempo da Semana Santa.
O grito de Jesus na cruz e a eloquência do silêncio de Deus: Reflexões teológicas sobre Marcos 15,33-39. Cadernos Teologia Pública, Nº 89
A reflexão sobre o significado e as ressonâncias teológicas do grito de Jesus na cruz – “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mc 15,34-39) – é um desafio sempre atual para a fé e a teologia cristã em função das muitas manifestações do mal, do sofrimento, da injustiça e da violência no mundo. A presente edição reúne três entrevistas inéditas realizadas pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU. A partir de diferentes contextos socioculturais, a teóloga Francine Bigaouette (Curso de Teologia do Seminário da Diocese de Chosica/Peru) e os teólogos Alexander Nava (Universidade do Arizona/EUA) e Carlos Dreher (Escola Superior de Teologia, São Leopoldo/Brasil) refletem teologicamente sobre o significado do grito de Jesus na cruz em perspectivas distintas, porém complementares, na apresentação de uma resposta da teologia cristã à realidade do mal e do sofrimento.
Imagem: Fala Chico
Silêncio do deserto, silêncio de Deus. Artigo de Alexander Nava. Cadernos Teologia Pública, Nº 67.
O deserto é uma alegoria do silêncio. Para os místicos, o deserto é tão ardentemente desejado porque é um lugar de silêncio, um refúgio do barulho e agitação da vida urbana. Os místicos vão para o deserto em busca de serenidade e silêncio, de si mesmos, de Deus. Mas os místicos veem algo mais na vasta e incomensurável imagem do deserto: um símbolo da incompreensibilidade divina. Neste caso, o deserto sugere infinidade, a radical e total alteridade de Deus. Neste caso, falar de silêncio implica uma estratégia desconstrutiva em que todos os ídolos do pensamento e da crença são silenciados e esmagados. Nenhuma imagem, experiência ou conceito pode reivindicar adequação em representar o outro divino (inclusive estas palavras, “divino” ou “Deus”). Logo, nas mãos dos místicos, o deserto é um símbolo de apófase, de uma linguagem de não dizer; por isso de silêncio.
Onde está Deus agora? Entrevista com Heiner Wilmer
"Não podemos derrotar o sofrimento. Talvez o coronavírus, sim, esperamos, mas não o sofrimento em si. Esta também é a crença dramática de Dorothee Sölle. Em vez disso, trata-se de como enfrentamos o sofrimento. Como afirma Sölle, é uma forma de mudança, de transformação. Mas sem uma falsa consolação, sem esperar no depois fantástico que só existe na minha projeção. Levantar novamente esse problema pode ser uma tarefa das Igrejas. E falar do fato de que Deus está presente em quem sofre: nos doentes de coronavírus, nos enfermos que, como em Bérgamo, não se infectaram sozinhos e não podem ser tratados pela escassez de recursos e morrem sem analgésicos. Estou convencido de que Deus também está presente naqueles que ajudam todas essas pessoas, de todas as formas possíveis", afirma dom Heiner Wimer, bispo de Hildesheim (Alemanha), que até 2018 foi superior geral dos dehonianos. Atualmente, é também presidente da Comissão Justiça e Paz da Conferência dos Bispos da Alemanha.
‘Por que Deus permite uma pandemia e se cala? É um castigo? Onde está Deus?’. Artigo de Víctor Codina
"Onde está Deus? Está nas vítimas dessa pandemia, está nos médicos e agentes sanitaristas que os atendem, está nos cientistas que buscam vacinas antivírus, está em todos os que nesses dias colaboram e ajudam para solucionar o problema, está nos que rezam pelos demais, nos que difundem esperança", escreve Víctor Codina, jesuíta boliviano.
Foto: Pixabay
Solidão do ser humano, solidão de Deus. Artigo de Timothy Radcliffe
"Na noite anterior à minha partida, fui ao Santo Sepulcro em Jerusalém e visitei o túmulo onde se acredita que Jesus foi deposto por três dias. No coração da fé cristã, há um homem que morreu em total isolamento. Foi elevado sobre a cruz acima da multidão, sem mais qualquer contato, transformado em um objeto nu. Parecia até que ele se sentia separado do Pai, e as suas últimas palavras, de acordo com os Evangelhos de Marcos e Mateus, foram: 'Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?'. Naquele momento, ele não apenas abraçou as nossas mortes. Ele assumiu totalmente a solidão que todos nós, às vezes, suportamos e que milhões de pessoas estão vivendo hoje", escreve o frade Timothy Radcliffe, ex mestre geral dos Dominicanos.
O vírus, a dor e o silêncio de Deus: quando a oração se torna um grito. Artigo de Francesco Cosentino
"A esperança cristã está em se saber acompanhado por um Deus compassivo, próximo das nossas feridas, que não faz vacilar o nosso pé, observa a miséria do seu povo", escreve o teólogo e padre italiano Francesco Cosentino.
“Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”. Comentário do Evangelho por Ana Maria Casarotti
Como disse o papa Francisco, “desde algumas semanas parece que tudo se escureceu. Densas nuvens cobriram nossas praças, ruas e cidades; foram se adonando de nossas vidas fazendo de tudo um silêncio que ensurdece. Hoje contemplamos Jesus Crucificado e nele somos chamados e chamadas a colocar nossa confiança, nossa vida e a vida de todas as pessoas que queremos, de tantas pessoas que dia a dia entregam sua vida como Jesus para salvar os que se aproximam para serem atendidos. Em Jesus Crucificado está nossa verdadeira liberdade".
Comentário de Ana Maria Casarotti, missionária de Cristo Ressuscitado.
O grito humano desorientado pelo silêncio de Deus. Artigo de Enzo Fortunato
"Há silêncios que não podemos compreender nem explicar senão olhando para a Cruz. Hoje, muitas lágrimas banharão rostos e caixões, expressarão o abandono de Deus e o Seu silêncio. Mas, inesperadamente, chegará a Ressurreição", escreve o padre italiano Enzo Fortunato, em carta ao joranl Corriere della Sera.
Arte: Jesus Mafa
O silêncio de Jesus no centro da história. Artigo de Bruno Maggioni.
"O momento mais significativo do silêncio de Jesus é a Paixão. Aqui o silêncio é muito mais denso do que as palavras. Na Paixão, Jesus fala poucas vezes, nunca para se defender, mas apenas para explicar a sua identidade. O silêncio é uma palavra importante para explicar quem ele é", diz o biblista e sacerdote italiano Bruno Maggioni.
Todos os sons do silêncio de Deus. Artigo de Roberto Esposito
“Somente o homem pode decidir aquilo que, em uma determinada circunstância, é certo ou errado fazer. Nesse sentido, Deus se retirou ao silêncio, evitando indicar-lhe o caminho, não para se afastar do homem, mas para encontrá-lo. Para lhe entregar toda a sua liberdade. Até mesmo a de ‘traí-Lo’.”, afirma o filósofo italiano Roberto Esposito, ao comentar a obra "Silêncio", de Shusaku Endo. Em 2017, sob direção de Martin Scorsese foi lançado um filme de mesmo nome.
O desconcertante silêncio de Deus. Artigo de João Cezar de Castro Rocha
A força do romance depende exatamente da relação entre as três acepções. No Antigo Testamento, Deus é, por assim dizer, bastante eloquente e não se furta a recriminar ou mesmo a condenar a humanidade em frases lapidares. Contudo, após as palavras do último profeta, Deus "calou-se". Como se sabe, o silêncio é rompido no Novo Testamento. Após o batismo de Cristo, ouve-se o anúncio: "Tu és o meu Filho amado em quem me comprazo". Depois, o silêncio retorna. Como entendê-lo? Nenhuma questão atormenta mais o jesuíta. Em última instância, ele renega a religião católica menos por medo das torturas do que pelo efeito prolongado "do terror em face do silêncio de Deus".
João Cezar de Castro Rocha, professor de literatura comparada da UERJ, escreve sua resenha do livro Silêncio, de Shusake Endo.
Água, Fogo, Noite e Luz. A Páscoa, hoje. Revista IHU On-Line nº 288
Água, Fogo, Noite e Luz são os grandes símbolos pascais. Eles apontam para o “sacramento primordial” que é o cosmos. Cosmos que vibra com a vitória do Cristo, que se levanta da morte, na manhã da Ressurreição. A vitória da vida sobre a morte é a grande mensagem pascal.
Páscoa, uma festa de migrantes. Artigo de Gianfranco Ravasi
“A história da religião judaico-cristã está intimamente entrelaçada com a da mobilidade humana, e a Páscoa é um atestado solene disso.” O artigo é do cardeal italiano Gianfranco Ravasi.
Páscoa, ressurreição, tempo de novos caminhos de Vida
"Acreditar na vida é elemento essencial para continuar a apostar nela, para não ficarmos amarrados à morte, no desespero que nos paralisa e não nos permite abrir novos caminhos que nos levam a continuar avançando. As ameaças de morte, e a própria morte, são uma realidade cada vez mais presente na Amazônia, que se manifesta na perseguição e assassinato de seu povo e do meio ambiente", comenta Luis Miguel Modino.
Páscoa: festa da alegria, do triunfo da mensagem de Jesus sobre o destino humano. Entrevista especial com Leonardo Boff
Diante do atual cenário, o teólogo Leonardo Boff não hesita em afirmar que “a alma da humanidade e particularmente a alma dos brasileiros está doente”. Para ele, tal doença se dá porque “perdemos o sentido profundo das coisas”. Essa perda de sentido está diretamente associada ao “excesso de materialismo, de vontade desenfreada de acumular mais e mais e, em consequência de consumir mais e mais, ao lado de milhões e milhões de famintos e sedentos, embotaram nosso espírito e tornaram anêmica nossa alma”. Alia-se a isso uma onda fundamentalista que entorpece pessoas que são incapazes de ver o outro e chegam a usar o nome de Deus para suprimir direitos básicos. “O fundamentalismo não é uma doutrina, mas uma forma de interpretar e viver a doutrina. É a atitude daquele que confere caráter absoluto ao seu ponto de vista”, define Boff.
Paixão Segundo São João de Bach: fraqueza humana e consolação divina. Audição comentada por Yara Caznok
Do encontro entre música e espiritualidade se abrem possibilidades de vivência do Mistério Pascal. Pela maestria de Johann Sebastian Bach (1685-1750), com sua obra Paixão Segundo São João – BWV 245, composta em meados de 1724, um grupo de pessoas atentas e dispostas vai se deixando conduzir pela beleza, profundidade e dinamismo desta obra-prima do barroco, comentada pela professora de música Yara Caznok (UNESP-SP). A partir dos capítulos 18 e 19 do Evangelho de São João, Bach consegue oferecer uma obra musical capaz de integrar os sentimentos e vivências da Paixão de Jesus Cristo, conduzindo os ouvintes a uma intensa meditação a respeito do genuíno sentido da entrega do Filho de Deus em favor de toda a humanidade.
A intensa espiritualidade de Beethoven e a mística da crença na vivência humana. Audição comentada por Yara Caznok
Encontrar Deus é uma experiência mística para uns, religiosa para outros, científica para tantos mais. Porém há um tipo de teologia que transborda crenças e ciências, nos penetra pela audição e faz até os mais insensíveis corpos reagirem: a música. Assim foi a audição do Te Deum in C major, de Anton Bruckner, comentada por Yara Caznok, graduada em música e doutora em Psicologia Social, e pelo compositor Pe. Ney Brasil Pereira.
A transcendência da voz e a beleza de Deus
A transcendência da música é capaz de traduzir a fé em beleza artística. Sustentada pelo mais belo dos instrumentos, a voz, a Missa Papae Marcelli de Giovanni Pierluigi, da Palestrina, é uma composição da segunda metade do século XVI e uma das mais belas composições de todos os tempos construída especialmente para ser executada por um coral. “Palestrina, como é conhecido Giovanni Pierluigi, é considerado o príncipe da música, até hoje ele é estudado. Quem pretende escrever para música precisa estudá-lo”, destaca Yara Caznok, professora da Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho - Unesp.
A poesia do Jesus de Pasolini. Entrevista especial com Faustino Teixeira
Ao conceder a entrevista a seguir para a IHU On-Line, por e-mail, o teólogo Faustino Teixeira defende que, enquanto “arte total”, o cinema atravessa as grandes questões do humano e da criação, envolvendo todos os sentidos. “Ele trata do vazio e da incomunicabilidade; da finitude, da dor e impermanência; das histórias de vida e das alegrias; dos sonhos e melancolias, das jornadas pessoais e autoconhecimento, da beleza e delicadezas da vida”. Ao comentar sobre o filme O Evangelho segundo São Mateus, de Pier Paolo Pasolini, Faustino argumenta que “o fato de ser um ateu não retira de Pasolini o dom e a capacidade de retratar Jesus com profundidade e beleza. O resultado está aí, ao acesso de todos. Assim como a espiritualidade não é uma propriedade de quem é religioso, a capacidade de adentrar-se no coração de uma figura humana como Jesus não se reserva apenas aos que se declaram cristãos ou religiosos. Em alguns casos isso pode ser até um impedimento...”.
Pasolini e a nostalgia do sagrado. Entrevista especial com Massimo Pampaloni
A obra de Pasolini é capaz de gerar inúmeras sensações, como diz o doutor em Ciências Eclesiásticas Orientais, o padre Massimo Pampaloni: “quando eu leio e releio Pasolini, alterno entre admiração e decepção, raiva e ternura, mas nunca, nunca, uma página sua me deixa indiferente”. Talvez esses sentimentos só não sejam mais contraditórios do que explicar o fato de o artista produzir um filme sobre Jesus Cristo com tamanha densidade como o Evangelho segundo São Mateus (1964) sem saber ao certo se crê no messias. Para o professor Pampaloni, a explicação para isso está na percepção do artista. “O Cristo de Pasolini, para Pasolini, não é Jesus Cristo, Filho de Deus, encarnado para nos salvar”, mas o ser humano que vem para revolucionar. “O Jesus do Evangelho de Mateus é deliberadamente privado de quaisquer características divinas. É uma obra, no entanto, para questionar, assim como se pode questionar a qualquer sábio do passado”, completa o professor.
A Paixão de Cristo, sacrifício e violência no cinema
Perseguido, traído, torturado e morto. Sequências da vida e morte de um homem que sobrepôs os extremos: amor e violência. A Paixão de Cristo é retratada de diversas formas. O cinema desde o final do século XIX busca sensibilizar a fé com a arte.
A expressão do sacrifício e sofrimento de Jesus tem diferentes representações. O cinema, segundo, Luiz Antônio Vadico precisou dar novidade a uma história que já se conhecia o fim. Assim, no século XIX, as produções sobre a Paixão de Cristo “preocuparam-se mais com a estética”. Vadico esteve no IHU em 2009, como conferencista do evento Páscoa IHU, e proferiu as palestras "Imaginando o Divino. Representações de Jesus no Cinema" e "A paixão de Cristo no Primeiro Cinema. Influências artísticas, estética e narrativa". De acordo com o professor “o Primeiro Cinema pode ser caracterizado pela forte presença de uma imagem de Jesus como o Servo Sofredor ou Cordeiro de Deus, valorizando o sofrimento e a vida de Jesus como salvação para a humanidade. Ao longo da história, de acordo com cada obra nova, esses aspectos foram mudando”.
La Passion (A Paixão), de Louis Lumière e George Hatot (1898)
La vie et la passion de Jesus (A vida e a paixão de Jesus), direção de Ferdinand Zecca, por Pathé (1903)
La vie du Christ (A vida de Cristo), de Alice Guy-Blaché, por Gaumont (1906)
From the Manger to the Cross (Da Manjedoura à Cruz), de Sidney Olcott, por Frank Marion (1912)