Diante do atual cenário, o teólogo Leonardo Boff não hesita em afirmar que “a alma da humanidade e particularmente a alma dos brasileiros está doente”. Para ele, tal doença se dá porque “perdemos o sentido profundo das coisas”. Essa perda de sentido está diretamente associada ao “excesso de materialismo, de vontade desenfreada de acumular mais e mais e, em consequência de consumir mais e mais, ao lado de milhões e milhões de famintos e sedentos, embotaram nosso espírito e tornaram anêmica nossa alma”. Alia-se a isso uma onda fundamentalista que entorpece pessoas que são incapazes de ver o outro e chegam a usar o nome de Deus para suprimir direitos básicos. “O fundamentalismo não é uma doutrina, mas uma forma de interpretar e viver a doutrina. É a atitude daquele que confere caráter absoluto ao seu ponto de vista”, define Boff.
É em meio a esse mar revolto que vivemos mais um tempo pascal. Mas como viver a Páscoa diante de tempos tão sombrios? Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, o teólogo demonstra que essa é justamente uma época propícia para pensar sobre o que temos vivido e projetar um novo horizonte. “A Páscoa é festa da alegria, do triunfo da mensagem de Jesus sobre o destino humano, chamado à plenitude de vida que chamamos de Ressurreição”, resume. Para ele, é preciso encarar a vida com a alegria do Ressuscitado e não com a dor da morte. “Devemos pensar a morte de Cristo não como a exigência de um Deus justiceiro e no fundo cruel, por exigir a morte do próprio Filho bem-amado”, observa. E completa: “Deus não quis a morte de Jesus. Deus quis a fidelidade de Jesus, mesmo que implicasse a morte”.
Boff ainda recorda que “quem ressuscitou não foi um sumo sacerdote em sua santidade, um imperador em sua glória, ou um sábio em sua profundidade, mas um crucificado e rejeitado, tido como rebelde e blasfemo”. Para ele, é sempre importante ter em vista que “o Ressuscitado está do lado dos últimos, dos sofredores, dos humilhados, dos imigrantes discriminados”.
Assim, mesmo nesse tempo de consumo desenfreado e egoísmo que impede o diálogo, sugere que não nos deixemos vencer pela dor. “A cruz e o sofrimento têm o seu lugar, mas em função da Ressurreição. Faríamos bem aos seres humanos se proclamássemos mais e mais a alegria da Ressurreição, pois há tantos que são errantes, perdidos e sem esperança, imaginando que terminarão no pó cósmico. Não. Viemos do pó cósmico, estávamos dentro das grandes estrelas vermelhas, das galáxias e de outros astros siderais e, por fim, no planeta Terra. Nosso destino final é irradiar como estrelas, participando da irradiação que nos vem do Cristo ressuscitado e cósmico”.
Leonardo Boff é doutor em Teologia pela Universidade de Munique. Foi professor de teologia sistemática e ecumênica com os Franciscanos em Petrópolis e, depois, professor de ética, filosofia da religião e de ecologia filosófica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. É assessor de movimentos populares, reconhecido pelo seu trabalho com a Teologia da Libertação e nas áreas de filosofia, ética, espiritualidade e ecologia. Publicou diversos livros acerca desses temas, dos quais destacamos Nossa ressurreição na morte (Petrópolis: Vozes, 2012), Jesus Cristo libertador (Petrópolis: Vozes, 2011), Cristianismo: o mínimo do mínimo (Petrópolis: Vozes, 2011), Imitação de Cristo de Tomás de Kempis e Seguimento de Jesus (Livro V) (Petrópolis: Vozes, 2016) e Ecologia - Grito da terra, grito dos pobres. Dignidade e direitos da mãe terra (Petrópolis: Vozes, 2015).
Leonardo Boff (Foto: Reprodução do Facebook)
A entrevista foi publicada originalmente pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, 11-04-2020.
IHU On-Line – O que significa viver a Quaresma e celebrar a Páscoa nos dias de hoje?
Leonardo Boff – A Quaresma, a morte e a ressurreição de Jesus formam uma espécie de metáfora da condição humana: vivemos, nos alegramos, sofremos e morremos. Mas a vida não termina na morte. Ela se transfigura através da morte. Essa transfiguração alquímica chamamos de Ressurreição, a plenificação da vida.
IHU On-Line – O Cristo imolado é aquele que deve ser compreendido com o último sacrifício, que liberta toda criação. Mas como compreender isso nas lógicas do mundo de hoje em que se pedem sacrifícios pela economia, pelo progresso e desenvolvimento, pelo crescimento de nações e em algumas sociedades e até mesmo para que alguns seres sejam sacrificados em prol de outros? Quais os desafios para reconstituir e ter mais presente essa perspectiva do sacrifício do filho de Deus como libertação de todos e todas?
Leonardo Boff – Devemos compreender bem o sacrifício de Cristo. Há uma linha que vem do Antigo Testamento, ligada aos sacrifícios do templo. Ela influenciou alguns relatos da morte de Cristo nos escritos evangélicos. A outra linha, proeminente, vem de Santo Anselmo e afirma que: a morte de Cristo é o preço a ser pago para redimir a humanidade pecadora que ofendeu a Deus. Como Deus é infinito, a ofensa também é infinita. Por isso o Filho de Deus, infinito, se encarnou para fazer uma obra de efeito redentor infinito.
Pergunta-se: como um ser finito, como é o ser humano, pode produzir uma ofensa infinita? Essa resposta nunca foi dada porque parece contraditória. Como pode um ser finito produzir um efeito infinito? Por sua natureza finita não pode. Subjacente à teoria sacrificial de Santo Anselmo está a hierarquia feudal: quanto mais alta for a posição da pessoa, rei, rainha, conde, visconde e outros que foram ofendidos, correspondentemente alto deve ser o sacrifício reparatório.
Hoje, a Teologia está abandonando este tipo de compreensão por razões teológicas. Devemos pensar a morte de Cristo não como a exigência de um Deus justiceiro e no fundo cruel, por exigir a morte do próprio Filho bem-amado. Esta visão contraria a imagem que Jesus nos legou de Deus, como um Pai de infinita bondade que possui características de mãe, de misericórdia e de perdão. Deus não quis a morte de Jesus. Deus quis a fidelidade de Jesus, mesmo que implicasse a morte.
Jesus foi fiel ao projeto do Pai, de um Reino de justiça, amor e paz, conferindo centralidade aos pobres. Por causa de sua prática libertadora e em razão de sua liberdade face a tradições religiosas que oprimiam o povo, anunciava a boa nova do perdão e da misericórdia. Condenaram-no por isso. Ele não fez um pacto de leniência com seus opositores. Manteve o projeto do Reino do Pai mesmo sendo perseguido, caluniado e, por fim, “justiciado” na cruz.
Essa foi a fidelidade de Jesus que o levou à morte. Portanto, o Pai bondoso não quis a morte de seu Filho, mas quis sua fidelidade e coragem de levar o seu projeto até o fim, mesmo tendo que morrer, vale dizer, ser sacrificado por causa deste projeto. Este é o sentido teológico coerente da morte de Cristo na cruz: sua fidelidade ao Pai até o fim.
IHU On-Line – Como a mística da Ressurreição do Cristo pode inspirar esse mundo secularizado de hoje que, muitas vezes, não compreende a necessidade de acolher o imigrante, atender o pobre e prestar assistência ao doente de forma gratuita?
Leonardo Boff – A ressurreição não significa a reanimação de um cadáver à semelhança de Lázaro, que no fim acabou também morrendo. A ressurreição é vista, especialmente por São Paulo, como a irrupção do homem novo – o “novissimus Adam” como o chama (1 Cor 15,45). Vale dizer, a ressurreição é a realização plena de todas as virtualidades e potencialidades escondidas dentro do ser humano Jesus. É como se Jesus tivesse chegado ao termo dos bilhões de anos de evolução, subindo todos os degraus da perfeição até, na linguagem de Teilhard de Chardin, explodir e implodir totalmente realizado para dentro de Deus.
Esse evento bem-aventurado vem mostrar que nós não vivemos para morrer. Morremos para ressuscitar. Essa é a nossa destinação final. Como diz São Paulo: ele é o primeiro entre muitos irmãos e irmãs. Nós seguiremos a ele, isto é, também ressuscitaremos, cada um segundo o seu modo próprio.
Vale ressaltar: quem ressuscitou não foi um sumo sacerdote em sua santidade, um imperador em sua glória, ou um sábio em sua profundidade, mas um crucificado e rejeitado, tido como rebelde e blasfemo. Em outras palavras, o Ressuscitado está do lado dos últimos, dos sofredores, dos humilhados, dos imigrantes discriminados. Eles são os primeiros a herdar o que Cristo herdou: a plenitude da vida.
IHU On-Line – O Brasil vive, em meio a tantas crises, uma explosão de violência urbana. De que forma podemos compreender esse fenômeno e como a mística pascal, do Cristo Ressuscitado, pode inspirar a reversão desse quadro?
Leonardo Boff – O que está ocorrendo no Brasil nos faz entender por que Jesus foi condenado: até em nome de Deus, difundem-se ódio, ofensas de toda ordem, acusações e mentiras. Assim fizeram com Jesus. Esse quadro negativo serviu de pretexto para condená-lo. O cristão deve entender que na história se dá o embate entre o Reino e o Anti-Reino, entre a falsidade, a hipocrisia, o ódio (Anti-Reino) e o amor, a solidariedade e a compaixão por quem sofre.
A nossa crença nos garante que a vitória está do lado do Reino. A ressurreição também quer mostrar que Jesus estava certo e os que o condenaram: os líderes religiosos e os representantes do império romano estavam profundamente equivocados e errados. Orígenes, do século terceiro, um dos teólogos mais argutos do cristianismo, afirmou que a ressurreição é a realização do Reino de Deus com tudo o que significa de positivo na pessoa de Jesus. Esta fé na ressurreição dá origem a uma mística de confiança na vitória final da vida, do compromisso radical com aqueles que menos vida têm.
Mesmo que morramos em razão desta causa, como a Irmã Dorothy Stang na Amazônia ou o arcebispo salvadorenho e santo Oscar Arnulfo Romero, denunciando as torturas e assassinatos por parte do sistema ditatorial, essa morte é digna e herda a ressurreição na morte. Esta afirmação, a ressurreição na morte, é frequente na teologia contemporânea: a ressurreição não se dá somente no final dos tempos que nunca saberemos quando será, mas se dá quando para a pessoa que morreu ou foi assassinada o final dos tempos já se realizou. O que vem após não é uma espera, mas a ressurreição para estar junto com o Ressuscitado na glória do Reino da Trindade.
IHU On-Line – Outro fenômeno do Brasil de hoje, e que também ocorre em outros lugares do mundo, é o dilaceramento em decorrência de um ódio visceral que joga uns contra os outros. O que está por trás desse sentimento tão pesado de nosso tempo e quais os desafios para superá-lo?
Leonardo Boff – A alma da humanidade e particularmente a alma dos brasileiros está doente. Está doente porque perdemos o sentido profundo das coisas, perdemos nosso Centro vital que nos confere equilíbrio e harmonia, ofuscamos o Sol interior, de que falam os místicos, que irradia e não permite que as trevas tomem conta de nossas vidas. O excesso de materialismo, de vontade desenfreada de acumular mais e mais e em consequência de consumir mais e mais, ao lado de milhões e milhões de famintos e sedentos, embotaram nosso espírito e tornaram anêmica nossa alma. Já não sentimos a dor do outro, sequer a dor da natureza ultraexplorada pela ganância do lucro à custa da depredação dos ecossistemas. Perdemos a inteligência cordial, a sensibilidade pelo padecimento dos outros.
Nem mais sabemos chorar face aos milhões que vemos na televisão sendo mortos pela violência de grupos fanáticos ou vitimados pela fome e sendo obrigados a emigrar para poder sobreviver. O mundo como um todo e as sociedades humanas, assim como estão organizadas, não podem continuar. Caso contrário, vão engrossar o cortejo daqueles que vão rumo a um precipício. A Mãe Terra dá mostras de que não suporta mais tanta perversidade contra seus filhos e filhas condenados à miséria. Revela-o também pelas inundações que assistimos, pelos tufões, pelo excessivo calor e pela demasiada injustiça ecológico-social. Parece que a grande maioria sofreu uma espécie de lobotomia: não sente, não se compadece, fica indiferente face ao grito do pobre e ao grito da Terra, das águas contaminadas, dos solos envenenados, do ar poluído e dos alimentos quimicalizados.
Se não mudarmos o modo como habitamos a Casa Comum, dizem-no os que seguem o curso do mundo e o repete insistentemente o Papa Francisco, não teremos futuro. Não é impossível que venhamos a conhecer o mesmo destino dos dinossauros. Depois de viveram por 130 milhões de anos por sobre toda a Terra, desapareceram rapidamente em consequência funesta de um meteoro imenso, caído no Caribe, há 65 milhões de anos. Criamos, hoje, as condições que podem tornar possível esta tragédia ecológico-social. Mas a fé nos assegura que “Deus é o apaixonado amante da vida” (Sab 11,24) e que por isso não permitirá que nossa vida e nossa civilização se autodestruam de forma tão miserável.
Isso é fé e não advertência científica sobre a gravidade de nossa situação. Temos que decidir se queremos continuar a viver nesse pequeno e ridente planeta ou se arriscamos a nossa própria destruição por não querer fazer as mudanças inadiáveis e necessárias no modo de relacionarmo-nos com a natureza, nas formas de produção menos devastadoras, no consumo desenfreado e sem solidariedade e no cuidado para com tudo o que existe e vive.
IHU On-Line – Como compreender os movimentos políticos que têm se utilizado da religião, e de uma ideia de Deus, para afirmar suas perspectivas, como tem ocorrido no Brasil? Que Deus é esse, apresentado por esses movimentos, que parece justificar sacrifícios e que, pelos discursos, deve impor sua vontade acima de todas as ações terrenas?
Leonardo Boff – A religião não foi feita para ser negócio nem se constituir fonte de lucro de seus pastores. Ela nasceu e continua nascendo para atender a fome de transcendência, de uma realidade maior do que aquela na qual vivemos, para responder à nossa esperança de uma vida para além da vida. Ela se propõe saciar nossa saudade de Deus que significa a plenitude de sentido, de valor e de felicidade para o coração humano. Esta é a parte sadia da religião.
Entretanto, tudo o que é sadio pode ficar doente. Estas igrejas que usam o nome de Deus para usufruir dos anseios por Deus existentes no povo, adoeceram a religião. Muitas igrejas neopentecostais se transformaram em fábricas para fazer dinheiro para seus pastores. Eles são lobos em pele de ovelhas. São ladrões da esperança. Devem ser denunciados por fazerem política com aquilo que é sagrado e não pode ser usado para os interesses particulares e partidários.
As igrejas ou religiões não podem entrar na lógica do mercado que é ganhar e acumular bens materiais às expensas da fé do povo. Não é sem razão que, por vezes, junto das igrejas e anexo a elas se construa um supermercado. Procura-se ganhar dinheiro dentro da igreja e também fora dela. Mas, não é o dinheiro, nem a prometida prosperidade material, que irão saciar a fome infinita do ser humano por Deus, o único e verdadeiro Infinito adequado ao desejo infinito do ser humano. Seria deturpar a natureza do sagrado e ludibriar a população que quer expressar encontrar-se com Deus e não ser vítima da exploração de falsos e milionários pastores.
IHU On-Line – Podemos afirmar que as leituras fundamentalistas das escrituras inebriam o sentido pleno da mística da Páscoa? Por quê? E quais os desafios para superar esses fundamentalismos?
Leonardo Boff – O fundamentalismo não é uma doutrina, mas uma forma de interpretar e viver a doutrina. É a atitude daquele que confere caráter absoluto ao seu ponto de vista. Quem se sente portador de uma verdade absoluta não pode tolerar outra verdade e seu destino é a intolerância. Precisa combater a outra visão porque o erro não tem direito, segundo pensam, e deve ser extirpado.
Esta leitura produziu guerras religiosas com inumeráveis vítimas. Na Igreja Católica há também atitudes fundamentalistas, como aquela que pensa que fora da Igreja não há salvação, ideia medieval e ainda reintroduzida pelo cardeal Joseph Ratzinger no ano 2000 no seu discutido documento “Dominus Iesus”. Aqui vale lembrar a frase do grande poeta espanhol António Machado: “Não a tua verdade. A verdade. Vem comigo buscá-la. A tua, guarde-a contigo”. Juntos, encontraremos uma verdade mais fecunda e autêntica.
A Páscoa é festa da alegria, do triunfo da mensagem de Jesus sobre o destino humano, chamado à plenitude de vida que chamamos de Ressurreição. O fundamentalista geralmente é triste, frio e refém de sua pretensa verdade. É difícil dialogar com um fundamentalista, pois ele, pensando deter a verdade, não precisa de outras luzes que vêm pela troca e pelo diálogo. Se não há compreensão, podemos, pelo menos, ter compaixão.
IHU On-Line – De que forma as perspectivas de amor e justiça como forma de aproximação com Deus, do jesuíta francês Henri De Lubac, podem nos inspirar diante dos desafios de nosso tempo?
Leonardo Boff – Há muitos cristãos que estão longe da justiça e do amor. Sua fé é vazia ou meramente cultural. Por isso mesmo estão longe de Deus, embora o tenham com frequência em seus lábios. O Papa Francisco escandalizou a muitos quando disse que prefere um ateu ético e de boa vontade que um cristão hipócrita que fala de Deus mas não vive segundo Deus.
Deus é chamado por muitos nomes, Olorum do candomblé, Javé dos hebreus, Alá dos muçulmanos, Shiva dos Hindus e o Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo dos cristãos. Os nomes variam, a Realidade-Deus é sempre a mesma, aquela Plenitude de Vida e de Amor no modo de infinito. Quem tem o amor tem tudo, pois ele constitui a natureza íntima de Deus que para a fé cristã é uma comunhão de Três Divinas Pessoas (Pai, Filho e Espírito Santo) tão entrelaçados pelo amor que se unificam, quer dizer, ficam um só Deus-amor-comunhão.
IHU On-Line – O senhor já nos concedeu inúmeras entrevistas sobre os significados da Ressurreição, da vitória da vida sobre a morte. Mas gostaria que recuperasse essa sua definição de Ressurreição e destacasse o que imagina ser fundamental para as reflexões no fim desse tempo de Quaresma e tempo de renovação.
Leonardo Boff – A Ressurreição e não a Cruz é o centro do Cristianismo, embora não se possa pensar no Ressuscitado sem antes pensar no Crucificado. Isso não é sem significação. Quem ressuscita é um derrotado, um despojado e até abandonado por Deus na cruz. Mas suportou a grande tentação da desesperança e pode concluir dizendo: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46). É uma promessa para todos os que morrem anônimos e desprezados. Jesus foi um deles. Por isso estes serão os primeiros a herdar a Ressurreição.
A Ressurreição é mais que a superação da morte ou um fato que mostra aos inimigos de Jesus que ele tinha razão e que Deus estava do lado dele. Isso seria um espírito menor e vingativo. A Ressurreição é muito mais: é a plenificação do ser humano. Somos, como humanos, um projeto infinito. Nada que encontramos neste mundo é adequado ao nosso impulso infinito. A Ressurreição comparece como aquele momento em que a nossa ânsia de infinito se realiza.
Viramos infinitos em comunhão com o Infinito da Trindade. Só então acabamos de nascer no pleno esplendor, ao ver realizadas todas as nossas buscas e o nosso afã de plenitude. O “cor inquietum” do qual Santo Agostinho tão bem testemunhou, finalmente descansará em Deus, nosso Fim sem fim e que não conhecerá mais fim. É o descanso dinâmico do sábado eterno. Essa é a mensagem central do Cristianismo. A cruz e o sofrimento têm o seu lugar, mas em função da Ressurreição. Faríamos bem aos seres humanos se proclamássemos mais e mais a alegria da Ressurreição, pois há tantos que são errantes, perdidos e sem esperança, imaginando que terminarão no pó cósmico. Não. Viemos do pó cósmico, estávamos dentro das grandes estrelas vermelhas, das galáxias e de outros astros siderais e, por fim, no planeta Terra. Nosso destino final é irradiar como estrelas, participando da irradiação que nos vem do Cristo ressuscitado e cósmico.