De acordo com o pesquisador da Universidade Federal do Ceará, epidemias geradas pelo Aedes aegypti mais a pandemia de Covid-19 poderão levar ao estrangulamento do sistema de saúde
Há anos o Brasil convive com epidemias transmitidas pelo Aedes aegypti, como dengue e chikungunya, que são minimizadas, de um lado, pelos gestores públicos e, de outro, pela própria população. Essas duas epidemias, além da pandemia de Covid-19, preocupam o sistema de saúde neste momento, diz Luciano Pamplona, professor do Departamento de Saúde Comunitária da Universidade Federal do Ceará - UFC, à IHU On-Line. “Sem dúvida nenhuma a grande preocupação neste momento é com a epidemia de doenças transmitidas pelo Aedes aegypti. Há um abandono das ações de controle do Aedes nos municípios brasileiros. Isso poderá levar a um aumento importante do número de óbitos por dengue e chikungunya. O Ceará tem um exemplo importante desse fato, quando durante a epidemia de cólera ocorrida no ano de 1993 desmobilizou os agentes de controle da dengue e no ano seguinte (1994) o Ceará viveu a maior epidemia de dengue à época”, relata.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, ele diz que a ocorrência das pandemias de dengue, chikungunya e H1N1 e também de sarampo, somadas à pandemia de Covid-19, poderão acabar “estrangulando o número de leitos hospitalares, ocupando os profissionais de saúde e confundindo os profissionais já que todas são de diagnóstico diferencial (são clinicamente muito semelhantes)”. Segundo ele, “infelizmente as pessoas e governos ainda não se deram conta do tanto que chikungunya mata. Há dezenas de artigos publicados recentemente evidenciando um excesso de óbitos nos locais onde houve epidemia de chikungunya. Sarampo há pontos focais ainda em que as ações de bloqueio não foram efetivas, mas encontram-se em algumas cidades. Por outro lado, é lamentável que ainda estejamos sofrendo surtos de sarampo, sendo essa uma doença imunoprevenível (tem vacina). Influenza é um cenário à parte neste momento, já que deverá confundir ainda mais os médicos com sintomas semelhantes. Essas epidemias todas têm um padrão temporal muito semelhante e isso poderá complicar o gerenciamento da epidemia de coronavírus”, alerta.
Quando a pandemia de Covid-19 passar, sugere, “não poderemos voltar a ser o que éramos antes. Teremos que ser pessoas melhores, com hábitos de prevenção incorporados à nossa rotina diária. As pessoas têm que aprender, por exemplo, a lavar as mãos e entender que isso é importante”.
Luciano Pamplona (Foto: Funcap)
Luciano Pamplona é biólogo formado pela Universidade Estadual do Ceará - UECE, com especialização em Vigilância Epidemiológica pela Escola de Saúde Pública do Ceará e Epidemiologia para Gestores de Saúde pela Johns Hopkins University, EUA, mestre em Saúde Pública e doutor em Ciências Médicas pela Universidade Federal do Ceará - UFC. Entre 2000 e 2013 atuou no Núcleo de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Saúde do Estado do Ceará e atualmente é membro assessor do Programa Nacional de Controle da Dengue e do Comitê de Saúde Pública do Conselho Federal de Biologia. Leciona nos Programas de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da UFC.
IHU On-Line - Como avalia as ações do sistema de saúde até agora para conter a pandemia de Covid-19?
Luciano Pamplona - Razoáveis. Passa a impressão de que o que pode ser feito está sendo feito. Buscando ampliação do número de leitos, aquisição de kits de diagnóstico etc. Entretanto, essa luta não é apenas da saúde.
IHU On-Line - Quando foram notificados os primeiros casos de Covid-19 no Brasil, pessoas que quiseram minimizar o impacto da pandemia chamaram a atenção para o número de mortes por conta de outras doenças, como dengue, por exemplo. Como o senhor avalia esse tipo de reação e o que ela revela sobre como uma parcela da população brasileira está lidando com o enfrentamento de Covid-19?
Luciano Pamplona - A história das outras epidemias mostra uma repetição desse comportamento. É comum, principalmente com pessoas envolvidas na gestão, tentar minimizar os riscos diante de algo novo. Por outro lado, isso acaba fazendo com que as pessoas não se protejam da forma correta.
IHU On-Line - Quais os desafios para se enfrentar uma pandemia como essa sem desconsiderar as outras doenças que são recorrentes no país? Além da Covid-19, quais doenças têm causado maior preocupação das autoridades de saúde e vigilância sanitária no momento?
Luciano Pamplona - Sem dúvida nenhuma a grande preocupação neste momento é com a epidemia de doenças transmitidas pelo Aedes aegypti. Há um abandono das ações de controle do Aedes nos municípios brasileiros. Isso poderá levar a um aumento importante do número de óbitos por dengue e chikungunya. O Ceará tem um exemplo importante desse fato, quando durante a epidemia de cólera ocorrida no ano de 1993 desmobilizou os agentes de controle da dengue e no ano seguinte (1994) o Ceará viveu a maior epidemia de dengue à época.
IHU On-Line – Quais são as causas do abandono das ações de controle do Aedes nos municípios brasileiros? O abandono vem ocorrendo há mais tempo ou é consequência da concentração dos esforços para enfrentar a pandemia de Covid-19?
Luciano Pamplona – Infelizmente é uma condição atual em virtude da epidemia de Covid-19. Há muita preocupação com a saúde dos agentes e do seu potencial como dispersor de doença na comunidade. Neste momento, parece ser mais prioritário o isolamento social, devendo cada gestor discutir sua situação local.
IHU On-Line - Qual é o atual quadro das epidemias de dengue, sarampo e influenza no Brasil? Qual é o balanço sobre infectados e mortos por conta dessas doenças?
Luciano Pamplona - Dengue, junto com chikungunya permanecem como importantes problemas neste momento. Infelizmente as pessoas e governos ainda não se deram conta do tanto que chikungunya mata. Há dezenas de artigos publicados recentemente evidenciando um excesso de óbitos nos locais onde houve epidemia de chikungunya. Sarampo há pontos focais ainda em que as ações de bloqueio não foram efetivas, mas encontram-se em algumas cidades. Por outro lado, é lamentável que ainda estejamos sofrendo surtos de sarampo, sendo essa uma doença imunoprevenível (tem vacina). Influenza é um cenário à parte neste momento, já que deverá confundir ainda mais os médicos com sintomas semelhantes. Essas epidemias todas têm um padrão temporal muito semelhante e isso poderá complicar o gerenciamento da epidemia de coronavírus.
IHU On-Line - Como essas três pandemias agravam o sistema de saúde brasileiro neste momento em que o país enfrenta a pandemia de Covid-19?
Luciano Pamplona - Certamente estrangulando o número de leitos hospitalares, ocupando os profissionais de saúde e confundindo os profissionais já que todas são de diagnóstico diferencial (são clinicamente muito semelhantes).
IHU On-Line - Autoridades de saúde têm alertado para o provável pico simultâneo de H1N1 e dengue junto com o novo coronavírus. Como avalia essas previsões? Se isso acontecer, que quadro podemos esperar no SUS?
Luciano Pamplona - Por várias vezes o Ministério da Saúde tem chamado atenção para isso nas coletivas. Entretanto, tenho impressão de que isso está passando batido tanto pelas pessoas, como pela imprensa.
IHU On-Line - Como o Brasil tem enfrentado as demais epidemias, como dengue, H1N1 e sarampo? Quais têm sido as dificuldades nesse sentido?
Luciano Pamplona - Uma das grandes dificuldades sempre é conseguir mobilizar a população. Para as doenças que tem vacina, precisamos convencer as pessoas a se vacinar. Mas isso não é fácil. Mobilizar as pessoas a cuidarem do seu imóvel e proteger de mosquitos tem sido uma luta inglória, considerando que temos epidemias desde a década de 1980.
IHU On-Line - Qual é o papel da população em geral no combate a essas doenças? Como esse papel vem sendo desempenhado?
Luciano Pamplona - A população tem um papel primordial nesse processo. Infelizmente essa mobilização não é suficiente para controle dessas doenças. As pessoas ainda continuam esperando por ações governamentais. Há uma percepção de que as ações de controle dependem do governo.
IHU On-Line - Como o seu estado, o Ceará, está enfrentando a pandemia de Covid-19? Quais são as maiores dificuldades do estado no momento?
Luciano Pamplona - Está enfrentando de forma muito séria. O governo do Estado tem tomado as medidas necessárias para manter as pessoas em isolamento e tem aumentado o número de leitos. O mesmo está sendo feito pela prefeitura da capital (Fortaleza). O desafio continua sendo manter as pessoas em casa (em isolamento social) e aquisição de equipamentos e EPI.
IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?
Luciano Pamplona - Acho que depois dessa epidemia não poderemos voltar a ser o que éramos antes. Teremos que ser pessoas melhores, com hábitos de prevenção incorporados à nossa rotina diária. As pessoas têm que aprender, por exemplo, a lavar as mãos e entender que isso é importante.