20 Dezembro 2019
"Portanto, é fácil prever que - como foi para o Brexit ou Trump - os grandes atores internacionais estarão ativos: mas, além disso, eles podem manipular a eleição do bispo de Roma, excluindo um ou mais candidatos com poucas acusações: de pedofilia. A única maneira de evitar esse risco é ter certeza de que o colégio cardinalício seja completamente imune a suspeitas: e que, portanto, quem deve cair já tenha caído".
A opinião é de Alberto Melloni, historiador italiano, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII de Bolonha, em artigo publicado por La Repubblica, 18-12-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
A virada é histórica. No direito canônico, existe o equivalente ao segredo de Estado: é chamado de segredo pontifício e cobre alguns procedimentos delicados, como a redação dos atos pontifícios ou os processos por heresia. Até ontem, entre esses procedimentos, havia os referentes às denúncias e processos relativos à pedofilia. O Papa Francisco interveio com um ato do Secretário de Estado reescrito em audiência (por esse motivo, é chamado rescriptum ex audientia SS.mi) e removeu o segredo pontifício para os processos e denúncias de crimes ou encobrimento de crimes pedófilos. Não caem os deveres de confidencialidade, mas a ideia de que em casos assim tão graves exista um "interesse" da autoridade suprema que deva ser tutelado por algo diferente da verdade. Essa nova disciplina, que inova normas de Paulo VI de 1974, poderia parecer em si até pleonástica: dado que são mais fracos que o machismo e o clericalismo, que impediam o julgamento desses crimes devastadores, as vítimas falam primeiro com os jornais e com a polícia do que com um juiz eclesiástico. No entanto, ter tirado o segredo pontifício dos crimes, denúncias e processos de suspeitos pedófilos e seus cúmplices têm pelo menos dois significados: um mais evidente e de grande importância para esses procedimentos; outro menos visível, mas de importância ainda maior para o conclave. De fato, está claro que o Papa Francisco e Parolin confirmam que não querem dar nenhum álibi àqueles que ainda ousassem ter esperança de encobrir culpas que - embora absolvidas no confessionário ou distantes no tempo - não podem ser silenciadas e subestimadas, por quem as cometeu ou por quem as conhece. O reescrito, portanto, fala aos católicos, clérigos e não clérigos, que praticaram abusos contra menores ou os encobriram - muitas vezes sentindo ao seu redor a solidariedade de uma cultura dominada por homens que os ajudou a minimizar episódios ou mesmo hábitos de violência. O reescrito deveria agora induzi-los a libertar-se e libertar a Igreja de uma vez por todas das sombras de um crime que aprendeu a levar a sério como e mais do que os Estados - que se comportam como se esse vasto e transversal crime fosse peculiar de padres ou celibatários. Esse ato é também o primeiro ato "de conclave" do papa Francisco. Quase todos os papas da era moderna republicaram a constituição que governa o conclave: para esclarecer detalhes, revisar o quórum, definir tempos, regular a clausura e garantir a liberdade do sagrado colégio. Francisco ainda não o fez. Mas ele sabe, da mesma forma que todos, que o próximo conclave, seja qual for a hora ou o modo em que se abrirá, mais do que no passado será um conclave mais vulnerável do que aqueles que vivenciou em 2005 e 2013. Esse pontificado abriu frentes políticas inéditas - por exemplo, declarando imoral o posse de armas atômicas - por enquanto desprovidas de eco público, mas não por isso de pouco peso militar. A teologia bergogliana dos pobres focalizou em um ponto irrenunciável a distância com os movimentos evangélicos próximos à extrema direita. A firmeza do Papa diante de pulsões nacionalistas e antissemitas ganhou para a Igreja a hostilidade clerical-fascista.
Portanto, é fácil prever que - como foi para o Brexit ou Trump - os grandes atores internacionais estarão ativos: mas, além disso, eles podem manipular a eleição do bispo de Roma, excluindo um ou mais candidatos com poucas acusações: de pedofilia. A única maneira de evitar esse risco é ter certeza de que o colégio cardinalício seja completamente imune a suspeitas: e que, portanto, quem deve cair já tenha caído.
Mesmo à custa de manter em xeque por algum tempo um inocente. Mas não um papável. Ou um Papa.
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X Colóquio Internacional IHU. Abuso sexual: Vítimas, Contextos, Interfaces, Enfrentamentos
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