13 Dezembro 2019
A nomeação do cardeal filipino para a Propaganda Fide pode ser a mudança de pessoal mais significativa do pontificado de Francisco.
O comentário é de Robert Mickens, publicado por La Croix International, 12-12-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Se você é um apoiador entusiasmado do Papa Francisco e dos seus esforços para reformar a Igreja Católica Romana, coloque o cardeal Luis Antonio Tagle no topo da sua lista de orações.
O arcebispo de Manila, 62 anos, logo assumirá um dos escritórios mais importantes e poderosos do Vaticano. E naquela que, sem dúvida, será o seu cargo mais difícil de todos os tempos, o cardeal precisará de todas as orações que conseguir.
No dia 8 de dezembro, o papa nomeou o jovem Tagle como prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos, o escritório fundado em 1622 como “Propaganda Fide”. Ele assumirá o cargo em meados de janeiro, sucedendo o cardeal italiano Fernando Filoni, 73 anos, um diplomata de carreira da Santa Sé que está no cargo desde 2011.
O prefeito da Propaganda Fide é frequentemente chamado de “Papa Rosso” (papa vermelho) porque supervisiona cerca de 1.100 jurisdições eclesiásticas (cerca de um quarto de todas as dioceses do mundo) e controla vastos recursos financeiros e imóveis.
Como esperado, a nomeação do cardeal Tagle para esse poderoso cargo provocou muita conversa e especulação entre os observadores vaticanos. Alguns chegaram a dizer que Francisco está levando o filipino para Roma para lhe dar o “tempero” e a resistência de que ele precisa para se tornar o próximo papa.
Deixando esse tipo de especulação de lado, olhemos para aquilo que realmente está por trás dessa mudança importante de pessoal e o que isso significa para o Vaticano e a Igreja em todo o mundo.
Esse foi mais um daqueles anúncios que ninguém viu chegando. Embora houvesse rumores de que o cardeal Tagle estava concorrendo a um cargo de destaque em Roma, ninguém esperava que ele fosse anunciado em um domingo.
As nomeações papais quase nunca são anunciadas no Dia do Senhor.
Mas o domingo passado também foi a solenidade da Imaculada Conceição. E, todos os anos, na tarde da festa do dia 8 de dezembro, o papa vai para o centro de Roma para prestar homenagem a uma estátua de Nossa Senhora.
A estátua está situada em uma grande coluna perto da Escadaria Espanhola, diretamente em frente ao Palazzo di Propaganda Fide. Esse enorme edifício, que foi projetado por Gian Lorenzo Bernini, é a sede da Congregação para a Evangelização dos Povos.
E, quando o papa faz a sua visita no dia 8 de dezembro, o prefeito da Congregação sai para cumprimentá-lo cerimoniosamente. Neste ano, apenas quatro horas antes da chegada do papa, a Sala de Imprensa da Santa Sé anunciou que Francisco havia escolhido o cardeal Tagle para substituir o cardeal Filoni.
No entanto, o italiano de 73 anos exibiu um rosto corajoso e recebeu o papa jesuíta na praça. Mas, por trás do sorriso de Filoni, certamente havia alguma angústia e, provavelmente, alguma amargura.
Estando a dois anos da idade normal de aposentadoria, ele acabara de descobrir que estava sendo removido de um grande escritório da Cúria e relegado para pouco mais do que um cargo cerimonial: Grão-Mestre da Ordem Equestre do Santo Sepulcro de Jerusalém.
O cardeal Edwin O’Brien, ex-arcebispo de Baltimore, 80 anos, detém esse título desde 2011. E não é exatamente aquilo que Filoni esperava ou queria. A pessoa que realmente esperava tomar o lugar de O’Brien era um cardeal que atualmente chefia a maior diocese do leste dos Estados Unidos.
A troca de guarda foi surpreendente por pelo menos outro motivo. Ninguém esperava que o Papa Francisco substituísse os chefes de quaisquer escritórios vaticanos importantes enquanto a reforma da Cúria Romana não fosse finalizada. Espera-se que seja uma grande reforma, mas ela não ocorrerá até a publicação da Praedicate Evangelium.
O pensamento mais recente é de que isso não irá acontecer até o próximo dia 29 de junho, embora algumas pessoas estejam dizendo agora que poderia ocorrer já na festa da Cátedra de Pedro, no dia 22 de fevereiro. E, até então, acreditava-se que todos os chefes vaticanos – incluindo um número de prefeitos com 75 anos ou mais – permaneceriam em seus cargos.
Então, por que remover Filoni agora? Uma razão pode estar nas relações do prefeito cessante com os bispos no Japão. É bem sabido que ele repreendeu os prelados pela sua recusa a permitir que o Caminho Neocatecumenal, um grupo que ele favorece muito, estabelecesse seminários nas dioceses japonesas.
Apenas um bispo da Terra do Sol Nascente cedeu aos desejos de Filoni. E esse homem, para desgosto de muitos, foi criado cardeal em 2018. Trata-se de Thomas Manyo Maeda, de Osaka.
Algumas pessoas realmente acreditam que Francisco entregou o barrete vermelho ao bispo japonês errado. E talvez até sem querer.
No dia em que anunciou o consistório, o papa se referiu a Maeda como “Thomas Aquinas Manyo”. Ele esqueceu ou nem sabia que Manyo, na verdade, é o nome próprio do bispo. Maeda é o sobrenome. Isso poderia ter sido descoberto com bastante facilidade no Anuário Pontifício e confirmado simplesmente perguntando ao núncio papal.
O cardeal Maeda não fala espanhol nem italiano. Portanto, quando o papa teve sua única reunião com ele vários meses antes do consistório, outro bispo traduziu a conversa para os dois. Alguns acreditam que o tradutor pode ter dado a Francisco uma imagem de Maeda que não correspondia exatamente à verdadeira personalidade e ao pensamento teológico-pastoral do cardeal. Certamente, foi Filoni quem instou o papa a entregar a Maeda o primeiro barrete vermelho do Japão desde 2007, ano em que o cardeal Stephen Hamao morreu.
E Francisco pode ter ficado sabendo mais sobre tudo isso durante sua visita pastoral ao Japão, em novembro passado. De todos os modos, algo aconteceu para fazê-lo decidir rebaixar Fernando Filoni agora e não esperar pela conclusão da reforma da Cúria.
O cardeal italiano não é apenas um diplomata consumado, mas também um conhecedor consumado do Vaticano. O cardeal Tagle não é nenhuma das coisas.
Filoni subiu lenta e progressivamente os “degraus” do corpo diplomático da Santa Sé. Ele permaneceu corajosamente como núncio papal no Iraque, mesmo quando a invasão liderada pelos EUA e Reino Unido devastou o país. Posteriormente, tornou-se secretário de Estado adjunto para Assuntos Internos (sostituto) com Bento XVI, antes de ser nomeado para a Propaganda Fide.
O cardeal italiano conhece o sistema romano como ninguém mais. E ele tem interesse em protegê-lo e proteger os privilégios de que as altas autoridades do Vaticano desfrutam. Embora ele sempre tenha mostrado sinais exteriores de lealdade ao Papa Francisco, sua visão da Igreja é mais conservadora institucionalmente.
Tagle, por outro lado, é um teólogo e pastor. Ele subiu rapidamente as fileiras da academia e da hierarquia. Ele fez seu doutorado na Universidade Católica dos EUA, sob a orientação de Joseph Komonchak, ilustre teólogo e editor da edição em inglês da “História do Vaticano II”.
Foi através de Komonchak que Tagle foi convidado a enviar um capítulo para a série de cinco volumes, produzida originalmente em italiano pela chamada “Escola de Bolonha”, dirigida pelo falecido Giuseppe Alberigo.
Esse círculo teológico frequentemente tem sido criticado, de maneira imprudente e imprecisa, por defender que o Vaticano II marcou uma ruptura com o ensino e a tradição anteriores da Igreja. Ser colaborador do trabalho do grupo certamente não prejudicou a reputação de Tagle entre as pessoas que importam. O cardeal Joseph Ratzinger fez dele um membro da Comissão Teológica Internacional promovida pelo Vaticano (1997-2002), depois de João Paulo II tê-lo nomeado bispo da sua diocese natal nas Filipinas.
Depois, foi Ratzinger quem, como papa, nomeou Tagle para chefiar a Arquidiocese de Manila, a maior Igreja local da Ásia. E também foi Ratzinger-Bento XVI, no último consistório do seu pontificado, que fez do filipino um cardeal.
Mas Luis Antonio Gokim Tagle (Gokim é o sobrenome chinês da sua mãe) não apenas encontrou o favor do papa agora emérito. Ele sempre foi percebido, pelo menos pelo público, como o favorito do papa atual também. E a sua nomeação para a Propaganda Fide parece sustentar isso.
Tagle é apenas o segundo asiático a liderar esse poderoso escritório. Ivan Dias, da Índia (2006-2011), foi o primeiro. Ele também é apenas o segundo filipino a ser prefeito de uma Congregação vaticana. Ele segue o cardeal José Sanchez, que chefiou a Congregação para o Clero de 1991 a 1996.
Sanchez faleceu em março de 2012, antes de Tagle receber o seu barrete vermelho. Curiosamente, antes de chefiar o clero, ele também atuou na Propaganda Fide. Ele foi arcebispo-secretário, a autoridade número dois, de 1985 a 1991.
O cardeal Chito, como Tagle gosta de ser chamado, é o segundo forasteiro em menos de um mês a ser introduzido na governança vaticana.
No dia 14 de novembro, o papa nomeou o padre jesuíta Juan Antonio Guerrero Alves, 60 anos, como prefeito da Secretaria para a Economia. Esse cargo vago foi inicialmente detido pelo australiano George Pell, posteriormente condenado por abuso sexual de menores.
Existe uma conexão entre a nomeação de Guerrero e de Tagle. O primeiro é responsável por supervisionar todas as entidades financeiras da Santa Sé. O segundo é o chefe de uma das mais lucrativas dessas entidades. Ambos enfrentarão uma oposição feroz se tentarem – como é de se esperar – promover uma maior transparência e prestação de contas ao modo como as finanças estão sendo geridas.
Alguns comentaristas supuseram que Francisco nomeou Tagle para o seu novo posto no Vaticano por causa do desejo ardente do papa de estreitar os laços com a China e de visitar Pequim.
Isso porque Tagle não só tem ascendência chinesa por parte do seu avô materno, mas também é visto em pleno acordo com a estratégia do Vaticano de se envolver com a China. Filoni, embora tenha se abstido de criticar publicamente essa estratégia, é conhecido por ser muito menos favorável a ela.
Mas, na verdade, pode ser no setor financeiro que Tagle se mostrará a melhor nomeação do papa. A Propaganda Fide é um vasto império e, até agora, operou suas finanças e propriedades com quase total independência.
Os dois forasteiros – o cardeal Tagle e o padre Guerrero – poderiam mudar isso. Mas isso significará que o principal forasteiro, o Papa Francisco, precisará lhes dar cobertura. E isso provavelmente exigirá que se traga outras forças externas para se juntar a eles.
A segunda fase do pontificado, que começou no início de outubro passado com a assembleia do Sínodo dos Bispos sobre a região pan-amazônica, provavelmente trará surpresas cada vez maiores. Para usar uma expressão coloquial conhecida: “Você ainda não viu nada!”.
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Cardeal Luis Antonio Tagle: a melhor nomeação do papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU