24 Fevereiro 2013
Poderíamos fazer uma argumentação muito forte de que as chances de qualquer pessoa se tornar o próximo papa não se beneficiam mais da renúncia de Bento XVI do que as do cardeal Luis Antonio Tagle, de Manila, nas Filipinas.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 23-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em circunstâncias normais, a juventude de Tagle seria vista como uma barreira quase insuperável à eleição. Aos 55 anos, ele é três anos mais novo do que João Paulo II era quando foi eleito em 1978. Por isso, um voto para Tagle equivaleria a um voto para outro longo papado, talvez de até 30 anos.
Tagle, de fato, parece ainda mais jovem. Diz-se que, em meados da década dos anos 1990, quando o então cardeal Joseph Ratzinger apresentou Tagle ao Papa João Paulo II como um novo membro da Comissão Teológica Internacional do Vaticano, Ratzinger, brincando, assegurou ao papa que o filipino de aparência jovem tinha, de fato, recebido a sua primeira comunhão.
Especialmente com uma figura que muitos cardeais consideram como um desconhecido, tal escolha por um papa jovem iria atingi-los como um risco muito grande.
Agora que o precedente de que um papa pode renunciar foi aberto, no entanto, o cálculo é diferente. Tagle poderia dar à Igreja 10 ou 15 anos e depois sair de cena – um pensamento que pode induzir muito bem alguns cardeais a olhar para o passado dele em busca de outras qualidades.
Quando o fizerem, é provável que encontrem muitas coisas agradáveis no homem apontado como a "grande esperança asiática" a assumir o trono de Pedro. Um comentarista filipino disse que Tagle tem "a mente de um teólogo, a alma de um músico e o coração de um pastor".
No início deste ano, antes da eclosão da notícia da renúncia de Bento XVI, uma revista empresarial filipino chamou Tagle de o "Homem do Ano", descrevendo-o como "jovem, despretensioso e modesto", um bispo "que mais do que compreende as ideias contemporâneas".
Nascido em Manila, Tagle foi para o seminário de Quezon City e, depois, fez seu doutorado na Universidade Católica dos Estados Unidos, em Washington. Ele também estudou em Roma, antes de voltar para as Filipinas para atuar como pároco e professor. Ele era visto como uma estrela em ascensão da Igreja da Ásia, o que explica a sua nomeação, em 1997, ao principal órgão consultivo doutrinário do Vaticano. Ele foi nomeado bispo de Imus em 2001.
Teológica e politicamente, Tagle é considerado equilibrado. Ele assumiu uma forte posição contra as o projeto de lei de saúde reprodutiva das Filipinas, que inclui a promoção do controle de natalidade. No entanto, a sua principal preocupação social é a defesa dos pobres, e ele também tem um forte veio ambientalista.
A tese de doutorado de Tagle na Universidade Católica, escrita sob a orientação do padre Joseph Komonchak, foi um tratamento favorável ao desenvolvimento da colegialidade episcopal no Concílio Vaticano II. Além disso, Tagle atuou durante 15 anos no conselho editorial do projeto "História do Concílio Vaticano II", fundado por Giuseppe Alberigo, com sede em Bolonha, na Itália, criticado por alguns conservadores por causa de uma leitura excessivamente progressista do Concílio.
Na diocese de Imus, Tagle ficou famoso por não possuir um carro e pegar o ônibus para trabalhar todos os dias, descrevendo isso como uma forma de combater o isolamento que às vezes vem junto com um alto ofício. Ele também era conhecido por convidar mendigos do lado de fora da catedral para entrar e comer com ele. Uma mulher contou uma vez que estava procurando pelo seu esposo alcoólatra cego e desempregado, suspeitando que poderia encontrá-lo em um bar local, mas descobriu que ele estava almoçando com o bispo.
Aqui segue outra história típica. Não muito tempo depois que Tagle chegou em Imus, uma pequena capela localizada em um bairro decadente estava à espera de um padre para rezar a missa em torno das 16 horas para um grupo maioritariamente constituído por trabalhadores diaristas. No fim, um clérigo bastante jovem apareceu em uma bicicleta barata, vestindo roupas simples e pronto para começar a missa. Um espantado membro da congregação percebeu que esse era o novo bispo e pediu desculpas que eles não haviam preparado uma acolhida melhor. Tagle disse que não havia problema. Ele ficara sabendo tarde da noite que o padre estava doente e decidiu ele mesmo rezar a missa.
Tagle é um comunicador talentoso, tornando-o um orador procurado e uma personalidade midiática. Ele recebeu críticas elogiosas pelo seu desempenho no Congresso Eucarístico Internacional em Quebec, em 2008, em que os observadores disseram que ele levou um estádio inteiro às lágrimas. Ele é um prelado do século XXI – ele apresenta um programa no YouTube e tem a sua própria página no Facebook.
Tagle também tem sido um líder ao impulsionar a Igreja na Ásia a tomar uma postura agressiva com relação ao abuso clerical. Ele estava entre os principais oradores de uma cúpula internacional sobre a crise dos abusos realizada no ano passado na Universidade Gregoriana, em Roma, copromovida por vários dicastérios do Vaticano.
"Nossa missão é proteger a dignidade humana, especialmente a dos mais vulneráveis, as crianças", disse ele.
Os prós de Tagle se assentam sobre três pilares.
Primeiro, ele é um comunicador e missionário eficaz em um momento em que mais alta prioridade interna do catolicismo é a nova evangelização. Há uma espécie de qualidade E. F. Hutton em Tagle: quando ele fala, as pessoas ouvem.
Durante o último Sínodo dos Bispos sobre a nova evangelização, por exemplo, Tagle fez um discurso de destaque, citado por muitos participantes como uma das coisas mais impressionantes que ouviram durante todo o mês. Tagle argumentou que, no contexto asiático, evangelização eficaz significa uma Igreja mais humilde, mais simples e com maior capacidade de silêncio.
Segundo, Tagle encarna o dramático crescimento do catolicismo fora do Ocidente, dando um rosto a uma forma dinâmica e relativamente livre de angústia do catolicismo que permeia o hemisfério Sul. Ele certamente seria um símbolo da Igreja no mundo emergente e, dadas as suas qualidades intelectuais e pessoais, dificilmente seria um símbolo oco.
Terceiro, Tagle agora tem experiência pastoral de dentro das trincheiras ao administrar uma arquidiocese grande e complexa como Manila. Embora ele esteja no trabalho apenas desde 2011, Tagle geralmente recebe boas críticas em termos da sua capacidade de manter a pontualidade dos trens.
Os contras para a candidatura de Tagle podem ser expressados em quatro pontos principais.
Primeiro, a sua idade ainda é um problema. Ao menos alguns cardeais não gostam da ideia de os papas renunciarem, vendo isso como algo que tira um pouco do brilho fora do ofício papal (como uma ex-autoridade do Vaticano me disse: "Agora, ele poderia muito bem ser o arcebispo de Canterbury!") ou como um reconhecimento indireto de fracasso. Em todo caso, a lei da Igreja afirma que ninguém pode obrigar um papa a renunciar. Por isso, caberá inteiramente ao próximo pontífice decidir isso. Sob essa luz, a hipótese da renúncia pode não ser suficiente para que muitos cardeais superem a juventude de Tagle.
Segundo, Tagle tem zero experiência vaticana, mais do que participar do Sínodo ocasional, e o seu comportamento de fala mansa e humilde pode chamar a atenção de alguns cardeais como algo não adequado para a faxina que muitos acreditam que o próximo papa deverá fazer dentro do Vaticano.
Mesmo que não estejamos preparados para abraçar teorias conspiratórias, como um relatório sensacional publicado no jornal La Repubblica na última quinta-feira, segundo o qual um sombrio lobby gay pode ter estado envolvido no caso Vatileaks e ter ajudado a moldar a decisão de Bento XVI de renunciar, a maioria dos cardeais, no entanto, sente que as pessoas certas nem sempre foram chamadas para os trabalhos certos por Bento XVI e que houve pouca responsabilização por um mau desempenho.
Como um veterano observador do do Vaticano me disse após o caso de um bispo negacionista em 2009, em vez de uma angustiada carta papal de desculpas, "deveria ter havido uma fileira de cabeças empaladas por todo o caminho até o Castel Sant'Angelo. Isso eles teriam entendido".
Alguns podem se perguntar se Tagle realmente é o homem certo para ter uma atitude mais dura.
Tagle, talvez, pudesse mitigar algumas dessas preocupações dando dicas de quem ele poderia estar inclinado a escolher como seu secretário de Estado, mas isso chegaria muito perto de fazer campanha para o cargo.
Terceiro, alguns cardeais podem perceber Tagle como um pouco demais à esquerda do centro (da forma como o "centro" é definido no Colégio dos Cardeais, naturalmente), especialmente por causa da sua conexão com a história do Vaticano II de Alberigo.
Quarto e mais basicamente, alguns cardeais podem olhar para Tagle e ver um homem da Igreja jovem e promissor, mas alguém que não está completamente pronto para o "horário nobre". Pode-se imaginar uma série deles dizendo silenciosamente uns aos outros: "Ele seria um grande papa... algum dia".
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Luis Antonio Tagle, a grande esperança asiática - Instituto Humanitas Unisinos - IHU