02 Dezembro 2019
Esta reflexão sobre o Advento, de Arthur Jones, ex-editor do National Catholic Reporter (NCR), foi originalmente publicada por sua paróquia, a Comunidade Paroquial St. Vincent de Paul, em Baltimore, no estado americano de Maryland. A carreira de trinta anos de Jones com o NCR também inclui períodos em que atuou como chefe de departamento em Washington, correspondente diplomático, correspondente para a costa oeste e correspondente para temas relacionados à saúde. É autor de 15 livros. Nesta série sobre o Advento, Jones busca reconhecer a inspiração das invocações celtas da obra Carmina Gadelica, de Alexander Carmichael.
A reflexão foi publicada por National Catholic Reporter, 01-12-2019. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Temos que começar esta caminhada do Advento visitando a encíclica do Papa Francisco “Laudato Si’ – Sobre o cuidado da casa comum”, na medida em que ele começa por citar o seu homônimo, São Francisco de Assis. O papa tira o título desta encíclica a partir do “Cântico das Criaturas”, de São Francisco: Laudato si’, mi’ Signore (“Louvado sejas, meu Senhor”). Como observa o pontífice, estas são as palavras com as quais o santo nos lembra de que a nossa casa comum, a Mãe Terra, “se pode comparar ora a uma irmã, com quem partilhamos a existência, ora a uma boa mãe, que nos acolhe nos seus braços”.
Simultaneamente – e isso não fora feito nestes mais de 2 mil anos de Advento – nunca esteve tão fácil aos cristãos visualizar, de fato, o que acontecia, na Judeia, a Maria e a José antes, durante e depois da jornada feita a Belém. A Sagrada Família está aí, no visual trazido pela televisão, pelos computadores, iPads e smartphones. Ela aparece diante dos nossos olhos.
Maria e José partiram de Nazaré para uma viagem difícil – para Maria, certamente – de quatro dias a Belém. Há imagens de Maria montando um burro, situação não particularmente boa no estágio de sua gravidez. Geralmente se pensa que o animal não estava lá como um meio de transporte, mas servindo para carregar os pertences, alimentos e lenhas durante o trajeto. Talvez ela tenha se arriscado a pegar carona no animal, para descansar as pernas, mas o animal não era o seu principal meio de locomoção. Como os refugiados de hoje, ela viajou a pé.
Já vimos, e continuamos a ver, os elementos trágicos e traumáticos que decorrem do desenraizamento. E, neste momento, o Papa Francisco vem aproximando, em parte, este desenraizamento à espoliação da Terra, ligando-o também à ordem natural de todos os seres vivos.
Sim, somos fundados em uma fé que, até certo ponto, começou no desenraizamento. Mas, sim! Há mais no Advento do que este cenário de tristeza. Há uma chegada antecipada, de tirar o fôlego... a chegada da alegria do mundo.
Em seguida, vem o banho de água fria. O que Francisco tem nos dito, advertindo-nos, com Laudato Si’ é que a alegria do mundo não é fácil de encontrar para os bilhões sobre a Terra – e, neste momento, pode ser impossível para muitos de nós encontrarmo-nos em uma Terra ameaçada ao ponto da extinção, a menos que as pessoas, em especial os poderosos, mudem os seus modos, mudem eles drasticamente e os mudem logo.
Francisco tem dito que aqueles que representam um perigo para o planeta – aqueles que comandam os governos, as corporações, as grandes redes de comércio e grandes sistemas sem fins lucrativos com uma missão autocentrada – continuarão a levar o planeta sempre mais próximo a um desastre, a menos que mudem drasticamente os seus modos. E, portanto, iremos pôr o planeta em risco, a menos que mudemos os nossos modos.
Para nos guiar com uma maior profundidade para dentro das complexidades da crise ecológica atual, Francisco primeiramente cria um conceito chamado “ecologia integral” – já que tudo está estreitamente inter-relacionado e que os problemas de hoje pedem uma visão capaz de considerar todos os aspectos da crise global.
Uma vez mais, o papa lembra que os desafios ecológicos que temos são duplos, contidos sempre naquela “ecologia integral”.
Um preá levanta-se em uma encosta no Parque Estadual Histórico, em Palmer, Alaska, em 26 de junho. (Foto: Sam Lucero | CNS | The Compass)
Ele escreve que “para nada serviria descrever os sintomas, se não reconhecêssemos a raiz humana da crise ecológica. Há um modo desordenado de conceber a vida e a ação do ser humano, que contradiz a realidade até ao ponto de a arruinar. Não poderemos deter-nos a pensar nisto mesmo?”
O papa faz uso de muitos milhares de palavras para considerar estas raízes humanas da crise ecológica. Alguns elementos desta crise deverão ser motivos de nossa meditação mais adiante.
Então, Francisco nos chama a atenção: “Por que motivo incluir, neste documento dirigido a todas as pessoas de boa vontade, um capítulo referido às convicções de fé?” Ele responde:
“Não ignoro que alguns, no campo da política e do pensamento, rejeitam decididamente a ideia de um Criador ou consideram-na irrelevante, chegando ao ponto de relegar para o reino do irracional a riqueza que as religiões possam oferecer para uma ecologia integral e o pleno desenvolvimento do gênero humano; outras vezes, supõe-se que elas constituam uma subcultura, que se deve simplesmente tolerar. Todavia a ciência e a religião, que fornecem diferentes abordagens da realidade, podem entrar num diálogo intenso e frutuoso para ambas”.
Mais tarde no texto, acrescenta: “Neste universo, composto por sistemas abertos que entram em comunicação uns com os outros, podemos descobrir inumeráveis formas de relação e participação”.
A seguir, para ajudar em nosso foco, o papa põe diante de nós a noção do Patriarca Ecumênico Bartolomeu da necessidade particular de cada um de nós de se arrepender do próprio modo de maltratar o planeta, porque “‘todos, na medida em que causamos pequenos danos ecológicos’, somos chamados a reconhecer ‘a nossa contribuição – pequena ou grande – para a desfiguração e destruição do ambiente’”.
“São Francisco em Oração”,
pintura a óleo do século XVII de Bernardo Strozzi
(Foto: Cortesia de National Gallery of Art | CNS)
Ao mesmo tempo, diz o Papa Francisco, São Francisco “mostra-nos também que uma ecologia integral requer abertura para categorias que transcendem a linguagem das ciências exatas ou da biologia e nos põem em contato com a essência do ser humano”.
Por fim, até onde vão estas nossas meditações, encontramos um importante guia na citação que o papa faz dos bispos brasileiros. Explica que este episcopado dize que “Em cada criatura, habita o seu Espírito vivificante, que nos chama a um relacionamento com Ele. A descoberta desta presença estimula em nós o desenvolvimento das ‘virtudes ecológicas’”.
Uma frase que esta meditação assume como um pedido de oração para a conclusão de cada reflexão é:
Ó Deus, permita-me cultivar virtudes ecológicas.
De certo modo, estas reflexões nos dão quatro modos diferentes de meditar, todos mais ou menos sobre os mesmos temas – através de ângulos diferentes.
Francisco escreveu uma encíclica de 35 mil palavras. Uma meditação não é um curso a ser feito. Não precisamos memorizar nada, nem aprender nada. Pelo contrário, o que lemos deve nos levar na direção que o nosso coração, a nossa alma e a nossa mente querem ir e, como consequência, desenvolver o Espírito para nos guiar.
Com efeito, a pergunta sempre é: “O que Deus está pedindo de mim?” Acredite, em um tema dessa magnitude, essa pergunta não é respondida com tanta facilidade. Três das nossas quatro semanas de reflexão, introspecção e pedidos de ajuda a Deus, para chegar ao ponto em que claramente vemo-nos no esquema papal de como as coisas são, é um tipo de advento.
Na quarta semana, Francisco muda o tom. Aqui, poderemos talvez encontrar mais alegria no mundo, pois teremos percebido o nosso papel renovado de contribuição à alegria em tentar evitar o desastre.
Em sua amplitude e complexidade, tudo isso pode soar incompreensível, exceto que temos de considerar estas informações como uma espécie de bálsamo. Bálsamo é um óleo que passamos sobre nós, mas que parte dele permanece depois de nos lavar. Então, as informações da encíclica e os comentários do papa servem para isto: nos lavam e parte dele permanece.
O que não precisamos fazer é tentar nos apegar a tudo. As informações residuais, se tivermos sorte, serão o começo para a nossa meditação de hoje. É por isso que meditamos, para ter todas estas ideias de volta sob controle.
Visto que não precisamos memorizar para meditar, a seleção de cada semana começará com uma escolha a partir dos títulos das seções e capítulos do texto de Francisco, lembrando-nos também da amplitude e complexidade que vemos em Laudato Si’. De início, vejamos apenas alguns destes títulos, que juntos somam umas três dúzias aproximadamente:
• A Sabedoria das Narrações Bíblicas
• O que Está a Acontecer à Nossa Casa
• Poluição e Mudanças Climáticas
• A Questão da Água
• Perda de Biodiversidade
• Deterioração da Qualidade de Vida Humana e Degradação Social
• Desigualdade Planetária
• A Fraqueza das Reações
• Diversidade de Opiniões
• O Evangelho da Criação
Qualquer um destes tópicos é suficiente para a reflexão de uma semana, mas temos um desafio que nos leva desde o menor organismo vivo às maiores organizações e influências humanas.
As primeiras duas semanas podem ser cansativas se acaso quisermos reter tudo o que for apresentado. Deixemos que o próprio momento tome a decisão sobre quando um dia em particular com o papa terá um significado especial para nós individualmente.
Ao fim da terceira semana, no entanto, o tom muda em níveis significativos. Teremos captado a amplitude e a intenção do papa, como se tivéssemos estado a ouvi-lo em uma peregrinação e, agora, estaríamos sentados junto dele à mesa. De companheiro de caminhada, em diálogo (um diálogo bastante profundo), a amigos.
Quer esteja discutindo prioridades veladas, efeitos adversos da tecnologia ou a fraqueza das respostas à crise ambiental até o momento, o papa é direto e franco, porém sem nunca ser desagradável. Em um ou dois exemplos, no entanto, mostra-se inflexível, e também o somos com ele nestes casos.
Nesse exato instante, juntemo-nos ao papa na consideração da Criação, o último item da lista acima. Como sempre, metaforicamente ele nos pega pela mão e nos conduz à situação difícil pela qual passa a Terra, o seu povo e todos os seres vivos – e, às vezes, nos leva a lugares que preferiríamos não ir.
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Passe o Advento com Laudato Si’ e uma pergunta: O que Deus está pedindo de mim? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU