Diálogo com Fulvio Ferrario, teólogo valdense, sobre a ordenação de homens casados: uma pequena pergunta e uma pequena resposta

Casamento. | Foto: Pixabay

Mais Lidos

  • "A ideologia da vergonha e o clero do Brasil": uma conversa com William Castilho Pereira

    LER MAIS
  • O “non expedit” de Francisco: a prisão do “mito” e a vingança da história. Artigo de Thiago Gama

    LER MAIS
  • A luta por território, principal bandeira dos povos indígenas na COP30, é a estratégia mais eficaz para a mitigação da crise ambiental, afirma o entrevistado

    COP30. Dois projetos em disputa: o da floresta que sustenta ou do capital que devora. Entrevista especial com Milton Felipe Pinheiro

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

29 Outubro 2019

Com um estilo leve, mas cheio de paixão, Fulvio Ferrario, teólogo evangélico valdense, levanta uma questão em torno do "presbiterado uxorado" que merece ser considerada.

Reapresento a sua pergunta e acrescento a minha breve resposta.

O texto é de Andrea Grillo, teólogo italiano e professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmom, em Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, em Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Justina, em Pádua, em artigo publicado por Come Se Non, 28-10-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o texto.

"Padres casados"? Uma pequena pergunta (de Fulvio Ferrario)

Não adianta o esforço dos expoentes oficiais da Igreja Católica em dizer que a questão da ordenação de homens casados não esgota o documento do Sínodo da Amazônia: as razões pelas quais a atenção está voltada para esse aspecto nem exigem ser mencionadas. É verdade que a linguagem é mais rica de formulações hipotéticas do que a de Renzi quando fala da luta contra a sonegação de impostos, mas, em suma, a "coisa" é mencionada.

Sei que esse elemento deixa alguns amigos e amigas católicos felizes e, por solidariedade elementar, me alegro com eles. Há também uma aceno ao diaconato feminino (um degrau abaixo, era o que faltava ...) que "Avvenire" se apressa em catalogar como "uma hipótese, mesmo assim excepcional", mas que me lembra batalhas apaixonadas conduzidas por pessoas que me são caras.

A questão da ordenação de homens casados já inseridos no diaconato permanente (aquele masculino, como sabemos, não é "excepcional") já havia sido mencionada por Francisco e associada a países remotos e situações extremas. Agora, é explicitamente motivada pelo número reduzido de sacerdotes em um território imenso. O primeiro ponto, no entanto, não é um problema apenas amazônico, muito pelo contrário.

Como observador interessado, me permito uma pergunta crítica. Se for lícito: porque vejo em circulação expoentes de uma espécie de santo ofício cato-progressista e "francisquista", que rotulam como "inútil", "superado" e, em definitivo, antiecumênico qualquer "questionamento desse tipo, especialmente se vindo do lado protestante. Segundo eles, ser ecumênicos significa apenas abanar o rabo e pronto. Mas vamos à pergunta, que não é teológica, mas simplesmente lógica.

Em relação à proclamação do evangelho em sua autenticidade, que é a função de todas as igrejas, a ordenação de homens (no que me diz respeito, também de mulheres, é claro, mas vamos os ater ao ponto) casados pode ser: a) negativa, isto é, contrária à autenticidade da mensagem; b) positiva, isto é, conforme tal mensagem, assim como hoje o entendemos. Em teoria, também poderia ser "indiferente", por estar ligada a simples considerações de oportunidade, mas, em tal caso, não se entenderia a insistência na discussão.

Na hipótese a), a escolha deveria obviamente ser recusada; se, ao contrário, vale b), evidentemente aceita. Sem restrições, na Amazônia como na Noruega, como uma oportunidade e não como uma espécie de terapia de choque para doenças graves. Assim fez a Reforma Protestante, oferecendo motivações claras: nem todas exatamente teológicas (por exemplo: o celibato eclesiástico, de qualquer modo, é amplamente desconsiderado), mas precisas. A pergunta é: estava certa ou errada?

P.S. Obviamente, tudo isso não tem nada a ver com o significado carismático do celibato "para o reino de Deus", como Jesus expressa. A questão diz respeito apenas ao caráter obrigatório do celibato em relação ao ministério da palavra e dos sacramentos.

Uma pequena resposta: a tradição sabe caminhar (de Andrea Grillo)

A pergunta do prof. Fulvio Ferrario é, como ele mesmo diz, mais lógica que teológica. Diz respeito à correlação entre a proclamação do Evangelho e a ordenação de homens casados. E concentra-se em um juízo que o catolicismo, avaliando sua própria tradição em relação à dos irmãos da Reforma Protestante, poderia considerar para si com razões boas ou más. Mas, como sabemos, a lógica, que por si só tem autoridade diferente, também possui sua bela teologia.

De fato, não há dúvida de que a questão levantada e colocada dessa maneira não é facilmente contornável. Tampouco deveria necessariamente levar a uma negação da posição católica clássica.

Pode ser útil concentrar a atenção na mudança que a condição dos batizados "uxorados" conheceu nos últimos dois séculos. E que o catolicismo gradualmente recebeu, até chegar hoje a colocar em questão, ainda que de maneira limitada, o caráter absoluto "latino" do vínculo entre ordenação presbiteral e a vida celibatária. Um vínculo que, aliás, já havia conhecido, dentro do próprio catolicismo, claras formas de "exceção" não apenas para a modalidade de compreensão e de experiência "oriental" da vida ministerial, mas também pela recente novidade de admissão ao diaconato permanente de homens, precisamente, casados.

Mais interessante, porém, na pergunta levantada por Fulvio, parece-me a diferença, substancial, entre a compreensão da nova práxis católica como "caso de necessidade" e não como "oportunidade". Aqui, evidentemente, a passagem da tradição não é fácil. Acredito, parece-me em boa sintonia com Fulvio, que o que parece hoje admitido como "caso de necessidade" deva ser entendido como "oportunidade", para ampliar através da experiência e da cultura a "forma católica" do ministério ordenado. O fato de que hoje o catolicismo possa se preparar a reconhecer, gradualmente, um presbiterado de ministros uxorados e um diaconato exercido por mulheres constitui uma grande oportunidade, não apenas para entender melhor a si mesmos, mas também para reconhecer de maneira mais lúcida e mais honesta os esforços e os méritos do caminho alheio. Talvez tenhamos colocado peso demais nos ombros do celibato "sem vínculos" e muito pouco tenhamos valorizado a vida "vinculada" dos casados. Como disse em um esplêndido artigo no Osservatore Romano, o bispo Vesco, o celibato pode certamente ser entendido como um "manter para sempre a porta entreaberta" e permanecer disponíveis a cada encontro. Aqueles que se casam, ao contrário, fecham a porta. Mas nada garante que a porta entreaberta possa realmente caracterizar uma sala capaz de acolher a todos e que, em vez disso, a porta fechada possa não ser o sinal de uma vida definitivamente "trancada". Uma comparação entre os universos cristãos de relação entre celibato, casamento e ministério fará bem ao caminho da igreja, de toda igreja. Tal caminho nos permite descobrir novas regiões da experiência humana e cristã, chegando a transformar até as próprias palavras com as quais falamos. A partir de sábado, de fato, do momento em que conhecemos o texto do documento final do Sínodo, começamos a poder pelo menos imaginar que o diaconato "permanente" de uma pessoa casada pode se tornar, pelo menos em alguns casos, "diaconato impermanente". E que exista, pelo menos para alguns casais, depois de um diaconato permanente, também um acesso ao presbiterado. Essas surpresas reserva a tradição: mesmo em sua versão católica. Com pequenas ou grandes desorientações, mas não sem maiores e mais fundadas esperanças.

Leia mais