18 Setembro 2019
Páginas do diário de verão da Bolívia, acompanhando uma religiosa que coordena mais de 160 comunidades e até agora batizou 900 crianças. Como ela, na região centenas de outras mulheres realizam um serviço diaconal. E a pastoral questiona de maneira exigente a teologia.
A reportagem é de Serena Noceti, publicada por Il Regno delle donne, 05-09-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Como muitas e muitos que se dedicam à vida eclesial, aproveito as férias para conhecer mais a experiência pastoral de algumas comunidades cristãs na Bolívia amazônica e para compartilhar com elas momentos de celebração, formação e festa, na experiência comum da fé. Em outubro, o Sínodo Pan-Amazônico será celebrado em Roma e, aos encontros de reflexão e de pesquisa teológica de que participei, quis agregar um tempo para participar da vida eclesial e conhecer em especial alguns grupos de mulheres.
Extremamente articulado foi o caminho de preparação para o Sínodo, que - na perspectiva indicada também na constituição apostólica do Papa Francisco Episcopalis communio - envolveu até hoje cerca de 87.000 pessoas e viu à realização de cerca de 280 reuniões zonais, seminários de pesquisa e conferências sobre os temas indicados no Documento preparatório: da ecologia integral à teologia da criação, da inculturação da liturgia à ministerialidade.
Nos resumos entregues à Rede Pan-Amazônica (REPAM) e no Instrumentum laboris, publicado em junho deste ano, destaca-se a contribuição decisiva das mulheres para a vida das comunidades cristãs. A maioria dos operadores pastorais (catequistas, coordenadores comunitários, animadores litúrgicos, serviços de assistência e caridade, etc.) são mulheres: são as mulheres que garantem, com fidelidade e competência, praticamente todos os serviços que dão vida a uma comunidade cristã, em maturação constante, em serviço atento a todos; são as mulheres, na maioria dos casos, que orientam e animam as celebrações na ausência de um padre. Em média, as mulheres representam mais de 70% das pessoas envolvidas na vida e no serviço eclesial.
Não surpreende, também por esse motivo, o número significativo de pedidos e apelos ao Sínodo em favor da ordenação ministerial das mulheres: uma pergunta que me foi dirigida várias vezes durante esses encontros com grupos de mulheres no vicariato apostólico de Pando, no qual eu me encontro; uma reflexão que surgiu em mim várias vezes, acompanhando a irmã Círia em sua atividade pastoral nestes dias.
A irmã Círia, “presença da Igreja” Hermana Círia Catarina Mees, 54, religiosa brasileira da Congregação das Irmãs da Divina Providência, formada em enfermagem e com longa experiência em administração hospitalar, é hoje diretora do Instituto de Pastoral Rural da Vicariato Apostólico de Pando. Ela coordena mais de 160 comunidades rurais, nas quais não estão presentes nem diácono nem sacerdote: visita as comunidades (distantes do centro pastoral, muitas horas de jipe ou muitos dias de navegação ao longo dos rios) e anuncia a elas a Palavra de Deus, liderando as celebrações dominicais; promove e coordena a formação de operadores pastorais, em particular animadores comunitários encarregados da liderança das celebrações dominicais na ausência de um presbítero; elabora os subsídios litúrgicos e catequéticos necessários. No âmbito de uma ministerialidade laica de homens e mulheres extremamente variada e animada, garante coordenação e orientação à vida de pequenas comunidades disseminadas por um vasto território, muito distantes entre si, que o bispo e os presbíteros conseguem visitar em média uma vez por ano ou, mais frequentemente, uma vez a cada dois/três anos. Ela recebeu de seu bispo o mandato para assistir os casamentos e celebrar os batismos, nos locais onde bispo e presbítero não conseguem garantir presença com prazos mais curtos (ela batizou cerca de 900 crianças em seis anos). A irmã Círia é a "presença da Igreja"; é o olho e o ouvido do bispo, como nos tempos antigos se dizia dos diáconos.
Enquanto eu a acompanhava, participando das celebrações das comunidades, e via o acolhimento e o reconhecimento que lhe eram reservados, enquanto ouvia as palavras de homens e mulheres de diferentes comunidades que agradeciam por sua presença atenta e qualificada, me lembrei várias vezes de algumas palavras do documento do Vaticano II Ad gentes, onde se fala sobre a necessidade de preparar um clero autóctone nos países de missão (cf. AG 16).
A re-instituição do diaconato permanente era motivado naquele texto a partir da observação de que muitos homens já exerciam um ministério verdadeiramente diaconal, na anunciação da Palavra de Deus, na animação de comunidades distantes, em nome do bispo ou do pároco, no serviço de caridade e assistência. Concluía-se afirmando que era bom para a Igreja que esses homens (viri) fossem "fortalecidos pela imposição das mãos, transmitidos desde o tempo dos apóstolos, e [estivessem] mais intimamente unidos ao altar, a fim de poder exercer seu ministério de maneira mais eficaz com a ajuda da graça sacramental do diaconato" (AG 16).
Na Amazônia, existem centenas de mulheres, religiosas e leigas, que, como a Irmã Ciria, já estão envolvidas em serviços diaconais "reais", os mesmos indicados na AG 16; não deveríamos talvez pensar nisso como possível e necessário, que - no fundamento da Tradição eclesial do primeiro milênio - para essas mulheres se realize o quanto indicado pelos padres conciliares na AG 16 para homens diáconos? Como Febe (Rm 16,1-2), como Maria Diácona de Archelais e a diácona Goulasi, que conhecemos das epígrafes funerárias, assim também as muitas mulheres que já estão envolvidas em um serviço verdadeiramente diaconal nas comunidades cristãs da Amazônia? Como Aerie, em cuja epígrafe está escrito "fiel serva de Cristo, diácono dos santos, a amiga de todos", assim também a irmã Círia?
A presença de diáconas ordenadas, graças a uma palavra pública de proclamação do Evangelho, ao aporte vital e frutífero da homilia, à coordenação das comunidades sob mandato do bispo, à celebração completa do batismo (da qual os diáconos são ministros ordinários, como referido em LG 29), permitiria na região amazônica um serviço eclesial que hoje não é totalmente viável. Chegou a hora de poder discutir sobre isso durante o Sínodo, com parrésia e coragem, sobre a possibilidade de uma ordenação ministerial de mulheres diáconas, assumindo a perspectiva adotada pelos padres conciliares no momento da re-instituição, após séculos, do diaconato como grau autônomo e permanente. A visão do ministério ordenado do Vaticano II torna essa discussão possível e a prática pastoral o exige.
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Amazônia: o “diaconato” da irmã Círia e de muitas outras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU