20 Agosto 2019
Mais do que nunca, a Amazônia recruta seus defensores e se inspira na memória de seus mártires para se defender da devastação.
A reportagem é de Nirlando Beirão, publicada por CartaCapital, 19-08-2019.
Se você reunir todos os generais que gravitam hoje em dia à sombra do Executivo em Brasília, todos eles juntos não valem a cutícula da unha do dedo mindinho do pé esquerdo de Cândido Mariano da Silva – depois Rondon, ao adotar o sobrenome do avô materno que o resgatou das turbulências da infância. Rondon foi um militar patriota e sensível às causas nacionais, varejou o interior agreste do Brasil plantando uma rede de telegrafia de 372 quilômetros, arrostando perigos como a malária e, no contato com os povos da floresta, entendeu a importância deles na preservação do ambiente e, portanto, da importância de preservar também a eles, índios. O Serviço de Proteção ao Índio, criado por Rondon em 1909, foi a tentativa pioneira de se evitar o genocídio que agora se avizinha. O Congresso concedeu-lhe, em 1955, o posto de Marechal honorário.
No final da vida, o artista que falou polonês, russo, khasar, alemão, inglês, português e francês dizia que não falava língua alguma. “Calar é bom”, resumia. O prazer do silêncio emoldurava a imagem de homem esquivo, o ermitão que tinha uma de suas duas casas encarrapitada a 7 metros do chão, num robusto pequizeiro em Nova Viçosa, no extremo sul da Bahia (a outra ficava no ex-ateliê de Braque, em Montparnasse, Paris). Mas um idioma Krajcberg nunca deixou de entender: o canto desesperado das árvores. No Brasil desde 1948, ele conheceu a Amazônia nos anos 1980, viu a agonia das árvores retorcidas pelas queimadas e virou um ambientalista impenitente. “Minha vida é dentro da floresta. Eu vivo com ela, vibro com ela, respiro com ela e respeito muito ela.” Reagia numa linguagem que a humanidade, tão desumana, se recusa a entender. Morreu juntamente com a natureza.
O mártir-símbolo da Amazônia logo entendeu, como seringueiro, que a floresta era seu ganha-pão, e o de milhares de outros, e que era fundamental preservá-la. Ingressa na vida sindical e passa a liderar os protestos contra o desmatamento apelidados de “empate” – manifestações pacíficas em que os seringueiros protegem as árvores com os próprios corpos. Ao aderir, em 1980, à luta político-partidária através do Partido dos Trabalhadores, incorre ainda mais na ira das autoridades da ditadura. É acusado de “subversão”, preso e torturado. Para cortar de vez pela raiz aquele impenitente caso de insubmissão, fazendeiros locais mandam matá-lo e, se não fosse pelo clamor internacional, teriam ficado impunes.
A Irmã Dorothy, missionária norte-americana da Congregação das Irmãs de Notre Dame de Namur, caiu no fervilhante caldeirão de ódio e intolerância que alimentava os fazendeiros e seus capatazes no feroz combate contra índios e camponeses. A religiosa tomou partido a favor dos pobres e injustiçados, entrou na lista negra dos opressores e pagou pela coragem. No dia 12 de fevereiro de 2005, a Irmã Dorothy foi encurralada por dois pistoleiros de aluguel na estrada de terra do acampamento de Boa Esperança, na zona rural do Pará. Pressentindo o que lhe ia acontecer, a missionária sacou da Bíblia e leu um versículo para os assassinos.
Seu apostolado se focou na Região Amazônica, onde chegou, em 1972, para assumir o bispado de Rio Branco, no Acre. Em 1998, virou arcebispo de Porto Velho, Rondônia. Ali ficou até 2011, quando renunciou por idade. Dom Moacir viveu e militou no olho do furacão. Por oito anos, presidiu a Comissão Pastoral da Terra (CPT), que assumiu a defesa dos indígenas e dos trabalhadores rurais. No Acre, apoiou a mobilização dos seringueiros de Chico Mendes.
Eles são hoje 306 mil, de acordo com o Censo 2010 do IBGE. No sempre difícil e desvantajoso contato com os selvagens do asfalto, tentam fazer com que lhes respeitem a cultura milenar e o modo de vida, baseados na pesca, caça e agricultura. Na Amazônia, perduram seis famílias linguísticas: tupi, aruaque, tukano, jê, karib e pano. A Constituição assegura a eles a posse e o uso da terra, mas, com o aval dos Três Poderes, que fizeram da Carta de 1988 letra morta, têm se repetido na floresta emboscadas, ataques e morticínio por parte de grileiros, garimpeiros e madeireiros contra os nativos da Amazônia. Como os xerifes do capital consideram os índios vagabundos e improdutivos, delegaram a seus capitães do mato a responsabilidade do – por mais que escondam o nome – genocídio.
Líder dos Kayapo do Xingu, tornou-se 30 anos atrás embaixador da causa dos indígenas ameaçados da Amazônia. Usou de cara o prestígio e o palco do cantor Sting e, aos 89 anos, continua ativo nas suas missões de conversão. Só este ano encontrou-se com o papa Francisco e o presidente francês, Emmanuel Macron, ambos sensíveis às causas ambientais e indigenistas.
Foto: Reprodução
Mulher e nordestina, Sônia Guajajara foi a primeira indígena a participar de uma eleição presidencial, ao compor, com Guilherme Boulos, a chapa do PSOL em 2018. Sonia é do povo Guajajara/Tentehar, que habita nas matas da Terra Indígena Arariboia, no Maranhão. Formada em Letras e Enfermagem, é coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Foto: Reprodução
Assim como a inglesa Maureen Bisiliat, Claudia Andujar, suíça de pais judeus perseguidos pelo nazismo, chegou ao Brasil e à fotografia por acaso e, assim também como a inglesa Maureen Bisiliat, usou suas lentes para um mergulho no fundão ainda verdejante do Brasil. Claudia acabou identificada com os Ianomâmis de Roraima, com quem passou a conviver na década de 1970. Os Ianomâmis não gozam de muito prestígio entre certos antropólogos, considerados que são violentos e incontroláveis. As fotos de Claudia os mostram delicados e indefesos.
Catalão de nascimento, religioso claretiano, mudou-se para o Brasil em 1968 para fundar uma missão bem no coração das trevas: São Félix do Araguaia, o conflagrado “Bico do Papagaio”. Nomeado bispo em 1971, virou um espinho para o latifúndio e a ditadura. Adepto da Teologia da Libertação, ajudou a fundar o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), sistematicamente ameaçado de morte e de ser expulso do País. Aposentou-se em 2005, mas aos 91 anos, sempre morando em São Félix, continua sendo o exemplo da luta pela justiça e pela causa indígena.
À frente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe, o engenheiro e físico vinha cumprindo com gradativa preocupação sua rotineira missão de monitorar a degradação ambiental da Amazônia. Como o governo dos predadores, em sua realidade fictícia, não reconhece os dados negativos que apresentam, Galvão não barganhou sua dignidade em troca de um empreguinho público. Ele vinha do governo golpista de Temer, mas mostrou que a verdade não deve ser política. A Amazônia devastada agradece.
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Acossada pelo predador agro e pelo governo, a Amazônia se vinga - Instituto Humanitas Unisinos - IHU