08 Agosto 2019
"A teologia pastoral não pode simplesmente assumir de maneira acrítica as ofertas de identidade que são disponibilizadas por essas três instâncias referenciais. Isto não só porque deve manter o equilíbrio, mesmo com os dois outros polos, mas também com a constituição pastoral autorrelativizante da Igreja: de fato, a pastoral não está aqui para a Igreja, mas a Igreja para a pastoral", escreve Rainer Bucher, em texto sobre a teologia pastoral como saber cultural do povo de Deus, publicado por Settimana News, 04-08-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
R. Bucher é professor de teologia pastoral na Faculdade Teológica Católica da Universidade de Graz.
A teologia pastoral foi desde o início um saber e uma disciplina da crise.[1] Em tempos de crise na Igreja Católica, sempre alcançou a melhor versão de si mesma. A crise atual, que pelo menos no Ocidente europeu talvez seja também verdadeiramente uma crise que ameaça a existência da própria Igreja, representa um desafio histórico para essa disciplina teológica. [2]
Porque, em última análise, esta Igreja - como o povo de Deus convocado por Deus - representa seu objeto de pesquisa. Obviamente, quando a Igreja instituída passa por crises manifestas, isso afeta diretamente a autocompreensão da própria teologia pastoral. A questão é, portanto, o que tudo isso significa para a teologia pastoral hoje.
Uma revolução operada pelo Vaticano II é notoriamente a de sua nova concepção do cuidado pastoral. Com este último já não queremos dizer o ministério salvífico exercido pelo sacerdote para com os leigos, mas o serviço global e ministério da Igreja para o mundo em sua totalidade.
Deste modo, a pastoral torna-se uma empreitada arriscada. Pode representar a promessa e a mensagem de Deus em palavras e obras, mas também pode se tornar sua brutal negação - a ponto de ser a morte de Deus na ação de sua Igreja.
A pastoral é um lugar de abaixamento e despojamento de Deus nas mãos daqueles que se referem a ele; e, ao mesmo tempo, um lugar onde Deus é irreversivelmente entregue à sua reivindicação através de seu povo.
A teologia pastoral pós-conciliar é uma teologia prática baseada neste conceito de cuidado pastoral, que tem algo sem precedentes e é provocador para a disciplina científica. Na verdade, com base nessa nova concepção, a teologia pastoril não pode mais simplesmente se conectar às lógicas funcionais de um de seus três sistemas clássicos de referência: a Igreja, o saber ou a sociedade e, portanto, em seus primórdios, o estado.
Para essa referência "unilateral", a teologia pastoral em sua história sempre recorreu novamente, pelo menos para ter uma base sólida em vista da configuração das outras duas relações, ou simplesmente porque não poderia fazer o contrário.
A concepção de pastoral do Vaticano II significa, para a teologia pastoral, que ela deve se reportar simultaneamente a todas as três instâncias referenciais: a Igreja, o saber e a cultura, por um lado, e que deve ir além deles, pelo outro.
Em primeiro lugar, a teologia pastoral não pode simplesmente assumir de maneira acrítica as ofertas de identidade que são disponibilizadas por essas três instâncias referenciais. Isto não só porque deve manter o equilíbrio, mesmo com os dois outros polos, mas também com a constituição pastoral autorrelativizante da Igreja: de fato, a pastoral não está aqui para a Igreja, mas a Igreja para a pastoral.
Diante das exigências avançadas por uma ou duas das instâncias referenciais, a teologia pastoral não pode se refugiar no seio da terceira para encontrar ali um porto seguro. Por que ao agir desse modo, ela se tornaria ou sociologia da religião ou mero saber funcional eclesiástico ou simples ciência da cultura (e da sociedade).
Mas a teologia pastoral não pode sequer inventar para si uma espécie de ideal entre as três instâncias referenciais nas quais se aninhar. A longo prazo, isso a colocaria em uma posição não criativa, sem a possibilidade de inovação e improdutiva. Isso porque desta forma a teologia pastoral acabaria por não se referir realmente a nenhuma das três instâncias, perdendo assim aquela que é a sua tarefa própria.
Isso resulta em uma estrutura constitutiva da disciplina que é paradoxal no plano do discurso e inquieta naquele institucional. Paradoxal por dentro, porque a teologia pastoral sempre "é e não é".
Ou seja, é um saber, mas não pode ser de um modo imediato e óbvio; pois em sua blindagem metódica diante dos discursos e das práticas não-científicas na Igreja ela não seria capaz de qualquer conexão real com aqueles discursos e aquelas práticas (de modo que seu significado seria dado apenas na pura imanência da teologia, como claramente acontece para as outras disciplinas teológicas).
A teologia pastoral é parte da Igreja e é ela própria uma forma de ação eclesial, sem, contudo, ser uma sua extensão contínua e óbvia. Se assim fosse, a teologia pastoral perderia, de fato, aquela competência de observação de segundo e mais alto grau que lhe é própria e, portanto, não poderia desenvolver aquela capacidade de revitalização e questionamento da praxe eclesial que ela deve implantar na Igreja, para poder fornecer-lhe um conhecimento de alto nível da percepção de si em relação à proximidade e distanciamento das práticas eclesiais próprias do propósito pastoral normativo da Igreja.
A teologia pastoral é, então, parte de sua sociedade e cultura, mas mesmo com respeito a essas referências, ela não pode simplesmente ser uma continuação intolerante. Não pode ser porque arriscaria voltar à posição que era na primeira metade do século XX, quando acabou sendo uma forma discursiva de legitimação das formas de dominação contemporâneas.
Ao trazer o paradoxo ao máximo, e a posição incômoda da disciplina, a teologia pastoral sabe muito bem que nunca poderá escapar completamente dos perigos que se escondem em sua proximidade.
A universidade, o estado/sociedade/cultura e a Igreja são as tentações necessárias da teologia prática: ela não pode se subtrair do confronto com essas potências, porém também não deve cair como seu refém.
A teologia prática encontra seu lugar fora das seguranças que são oferecidos por aquelas potências. Somente neste ponto a teologia pastoral se encontra onde já está o povo de Deus (e onde, talvez, o cristianismo, em sua interioridade religiosa, sempre esteve).
Hoje vivemos em tempos novos e "excepcionais". São tempos tão inéditos que ainda não os compreendemos; e há sinais que nos dizem que os desenvolvimentos no âmbito cultural, tecnológico, midiático e político são tão imprevisíveis, interagindo uns com os outros de forma não planeável, que produzem eventos completamente inesperados que, de fato, transformam o quadro todo (o a globalização midiática e econômica, a digitalização ou a erradicação do religioso de sua interseção com o cultural).
Nestas condições, a pressão das questões problemáticas no nível social, mas também no nível eclesial interno, aumenta dramaticamente. No entanto, se deve permanecer tranquilos e executar as próprias tarefas. Algo que pode ser alcançado das mais diversas formas.
Não podemos esquecer que elas devem ter disciplinas como a consultoria política aplicada, as ciências políticas empíricas e as reflexões de filosofia política fundamental. Ninguém pensaria em colocar umas contra as outras.
Deveríamos também fazer o mesmo na teologia (pastoral). Finalmente, a teologia não pode salvar a Igreja. O discurso científico no âmbito das práticas sociais (por exemplo, no que diz respeito às identidades políticas magisteriais) é simplesmente muito fraco para ter sucesso nisso. Nossos colegas e colegas moralistas sabem disso muito bem.
Talvez a teologia pastoral poderia ser entendida como "saber cultural do povo de Deus". "Saber cultural" indicaria o caráter de observação e proposta da teologia pastoral; "do povo de Deus" (em seu duplo de genitivo subjetivo e objetivo) indicaria, em vez disso, seu caráter de prática solidária desse povo de Deus que, nessa dimensão do saber que é a teologia pastoral, olha para si mesmo no que concerne o cumprimento de sua função.
Por outro lado, esse mesmo povo de Deus também quer continuar a escrever a história inovadora da descoberta da palavra de Jesus em torno de seu Deus.
[1] Cf. R. Bucher, Wer braucht Pastoraltheologie wozu? Zu den aktuellen Konstitutionsbedingungen eines Krisenfaches, em Id. (Ed.), Theologie in der Kontrasten der Zukunft, Graz 2001, 181-197.
[2] Cf. R. Bucher (ed.), Die Provokation der Krise, Würzburg 20052.
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O saber cultural do povo de Deus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU