24 Julho 2019
Da Alemanha chegam as melhores ideias e atitudes diante da crise de abusos contra menores pelo clero. Um bispo alemão e um extraordinário teólogo psiquiatra, condenado pela Congregação para a Doutrina da Fé de Ratzinger, em 1991, se relacionam em um artigo da Adista que apresentamos, reunindo outros documentos para enquadrar melhor o artigo IV.
A reportagem é publicada por Religión Digital, 23-07-2019. A tradução é do Cepat.
Drewermann é um “profeta”. Foi o que o bispo alemão Heiner Wilmer disse a respeito do ex-sacerdote e teólogo punido por Ratzinger (por Ludovica Eugenio, em Notícias Adista, n. 5, de 09/02/2019)
“Acredito que o abuso de poder está no DNA da Igreja”, disse no último mês de dezembro o bispo de Hildesheim, Alemanha, dom Heiner Wilmer, ex-Superior Geral dos Dehonianos, falando da crise de abuso sexual na Igreja, em uma entrevista concedida ao jornal Kölner Stadt-Anzeiger (13/12).
Na liderança da diocese alemã durante alguns meses, mas já muito envolvido na luta contra o abuso sexual, Wilmer apontou com o dedo uma suposta “pureza” da Igreja como tal, que sabe pedir perdão só pelas ações dos indivíduos, mas nunca como instituição. Em sua opinião, uma das principais disfunções eclesiásticas é que é regida por um poder absoluto que não conhece nenhum controle.
Esta disfunção só pode ser superada por uma separação de poderes. E, ao falar destes temas, fez menção, chamando-o de “profeta”, à grande figura de Eugen Drewermann: sacerdote, teólogo e psicanalista, agora com 79 anos, privado, em 1991, pelo bispo de Paderborn e o Vaticano de ensinar no seminário de Paderborn e depois de pregar.
Em seus livros, havia escancarado os mecanismos de poder da hierarquia eclesiástica e a crescente clericalização da figura do sacerdote, que havia feito dele um “funcionário de Deus” (expressão que se tornou o título de um de seus livros: Funcionários de Deus: Psicograma de um Ideal; Clérigos, em espanhol, editora Trotta. Ver sobre ele no n. 181 (1996) de IV). E por ter desafiado a lei sobre o celibato obrigatório dos sacerdotes (ver Adista n. 33, 36/90 e 70/91; 5/92), deixou o sacerdócio (ver Adista n. 24/92) e a Igreja Católica (ver Adista n. 89/2005).
“Eugen Drewermann – disse o bispo de Hildesheim – é um profeta de nosso tempo, reconhecido pela Igreja”, como profético foi seu trabalho em três partes “As estruturas do mal”. Assim como é profeta o jesuíta padre Klaus Mertes, professor e jornalista, de 2000 a 2011, reitor do Canisius College de Berlim, entre os protagonistas da luta contra os abusos sexuais na Alemanha, que apontou com o dedo os mecanismos de eliminação da homofobia na Igreja (ver Adista n. 45/16. Também Conversa com Teresa Forcades, no n. 245 (2011) de IV).
“Os profetas bíblicos eram pessoas que diziam a verdade nua e crua”, disse Wilmer. Também hoje precisamos de homens e mulheres assim, “que pisem nos pés de nossos bispos”.
“Parece-me um conceito exagerado”, foi o tímido comentário do próprio Drewermann, entrevistado sobre as declarações de Wilmer e sobre sua opinião contra o clericalismo, por ser uma condição privilegiada para o abuso, expressada na página web católica alemã katholish.de, no último 14 de janeiro.
“Conheço gente que morreu por dizer a verdade. Não sei se eu faria isso. De qualquer modo, não me vejo como um profeta”. “Os sacerdotes devem ser uma ponte entre o céu e a terra, mas cometem crimes horrendos”, disse. “O discurso autoritário, de cima para baixo, já não funciona na Igreja. A santidade do estado clerical acabou. Se um bispo leva a sério estas reflexões, as consequências são enormes.
O bispo de Wilmer não terá uma vida fácil, caso as aplique às estruturas eclesiais. Alguns de seus irmãos já estão encima ele. Mas, poderá se manter em pé”, continuou Drewermann, animando Wilmer, “que é um lutador e um homem credível, mesmo jovem”, a “continuar dizendo claramente o que pensa e o que vê”, sem “se deixar dissuadir ou intimidar por outros bispos”.
Em relação à formação dos sacerdotes, que sempre foi o cavalo de batalha do teólogo e do psicoterapeuta, muitas coisas devem mudar. “Os sacerdotes diminuem e, portanto, também o que se exige dos ordenados. A Igreja exige do clero a continência sexual como ideal. Os protestantes foram muito críticos a este ideal. Só a Igreja Católica pensa que ainda pode se permitir o luxo de manter seus impulsos e inclinações sob controle. Toda sensação de prazer é declarada pecado mortal e deve ser reprimida. Então, como pode um sacerdote desenvolver uma sexualidade saudável?
A fixação neurótica resultante se define inclusive como uma escolha particular para o presbítero. A maioria dos crimes sexuais é cometido contra as crianças, o que é bastante alarmante. A dinâmica do desenvolvimento da pedofilia derivaria do fato, explica, de que “para os sacerdotes e para aqueles que querem ser sacerdotes, o contato com mulheres ou meninas é proibido, mas não com meninos. Isto desencadeia um desenvolvimento deformado que pode dar lugar a profundos sentimentos de culpa.
Poucos sacerdotes, no início de sua formação, cometeriam abusos contra meninos”. É um deslize lento que piora a tal ponto que escapa de qualquer controle: “As pessoas que vivem estes impulsos neuróticos não podem ser desviadas sendo transferidas para outra paróquia. Estão doentes!
Se, por outro lado, um sacerdote desenvolve uma sexualidade normal e sente algo por uma mulher ou um homem, e reconhece o fato, então é expulso. Isto é duplamente anômalo para mim”.
Por esta razão, Drewermann está convencido da necessidade absoluta e urgente de abolir o celibato obrigatório: “Conheço homens maravilhosos que poderiam ser excelentes curadores de almas porque estão casados. A Igreja deve ter isto no coração”.
Atualmente, Drewermann está trabalhando em uma perspectiva cristã sobre o direito penal: “Como tratar as pessoas que foram culpadas por graves faltas de conduta, sem ter desejado? Isto também se aplica a muitos sacerdotes. Eles próprios são vítimas de uma tragédia. Não há criminosos que não se tenham se tornado vítimas. Como devem ser tratados? Este é um assunto importante para mim. Jesus disse: Não julguem. Mas se é assim, por que precisaríamos do direito penal?”.
Até mesmo os bispos, como o de Paderborn, dom Johannes Degenhardt, que nos anos 1990 o privou do ensino e o suspendeu a divinis, continua Drewermann, “são para mim apenas pessoas contraídas, forçadas, limitadas. Não gostaria de estar em seu lugar por um dia. Não guardo rancor do finado arcebispo Degenhardt. Nunca tive problemas com ele. Foi pressionado pelo então cardeal Joseph Ratzinger e, por isso, teve que me condenar. Posso compreendê-lo. Contudo, seu comportamento me mostra quanto medo deve ter passado, então. Nunca leu meus livros, disso estou certo”.
“E o medo é um conselheiro terrível”, disse Drewermann: “É uma tragédia, como o medo pode mudar as pessoas. Em minha opinião, isto também aconteceu com Ratzinger. Certamente, pensou que estava fazendo o bem. É muito culto, escreve muitos livros, mas lhe faltou urgentemente experiências reais com as pessoas. O problema é que este pensamento nunca se questiona a partir da psicologia. Todo o inconsciente é suprimido unilateralmente pela razão”.
De Francisco pensa que é “uma pessoa honrada e honesta. Mas, quando disse em uma coletiva de imprensa, em um avião: “Quem sou eu para julgar os outros? Foi claramente advertido pela Congregação da Fé: ‘Você não é uma pessoa qualquer, Sr. Bergoglio, não tem uma opinião particular, você é o Papa. A homossexualidade é um pecado mortal e é isso que deve ensinar e nada mais’.
"Considero que sua humanidade é tocante. Espero que a conserve. Mas, também precisa urgentemente de bons conselheiros”. Assessores no campo da teologia, porque é esta a que precisa de uma mais profunda revisão: “Toda a teologia sobre os grandes temas deve mudar. Busquei fazer isto durante 40 anos. De um ponto de vista psicoterapêutico, não se pode aconselhar a ninguém que não decida por si mesmo e que se deixe aconselhar. E é necessária uma boa razão para fazer isso”. Mas, em relação ao abuso, o problema está colocado pelo “silêncio, a transferência, o não acesso à justiça do Estado”.
Os bispos locais são aqueles que, atuando desta maneira, permitiram a repetição de comportamentos criminosos. O Papa João Paulo II já havia ordenado silêncio sobre o abuso sexual. Seu sucessor também continuou nesta linha, para se proteger de danos à Igreja. Não foi um erro de bispos individuais, mas sim o estilo de Igreja. O Papa Francisco o reconheceu e se comprometeu a se opor a isso. Nisto o apoio”.
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“O problema do abuso radica no silêncio, na transferência e o não acesso à justiça do Estado”, avalia teólogo Eugen Drewermann - Instituto Humanitas Unisinos - IHU