15 Julho 2019
As lições de 2014 foram aprendidas, e os esforços do governo para desacreditar o movimento de protesto não estão funcionando.
A reportagem é de Dorian Malovic, publicada por La Croix International, 11-07-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Uma mulher no centro das manifestações contra uma nova lei de extradição para a China revela a rede de comunicações subterrânea por trás do seu sucesso, mas adverte que a guerra ainda não foi vencida.
J.H. tem 30 anos e participou de todas as manifestações em Hong Kong no último mês, protestos liderados por um movimento juvenil muito singular, sem um líder ou ideologia, estruturado em torno de um sistema anônimo e sem rosto de redes sociais. J.H. é uma testemunha para o La Croix.
Por razões de segurança, ela concordou em falar conosco, mas sem revelar a sua identidade. Nós entendemos isso. Uma semana depois da grande marcha pacífica do dia 1º de julho e da violência no Conselho Legislativo de Hong Kong (LegCo), começaram as investigações policiais, e quase 20 “jovens”, como eles são chamados agora, já foram presos.
“Depois desse mês de loucura, eu devo admitir que estou um pouco deprimida, esgotada, exausta. O que vai acontecer agora?”, pergunta essa assistente social de 30 anos em uma ONG local.
Ao se encontrar com companheiros de protesto perto do edifício do LegCo um dia antes da manifestação do dia 1º de julho, que marcou o 20º aniversário do retorno de Hong Kong à China depois do domínio britânico em 1997, ela se voluntariou para distribuir garrafas de água e pequenas toalhas para lutar contra o esmagador calor úmido.
“Ainda no dia 9 de junho, eu estava lá na primeira manifestação, na qual um milhão de pessoas protestou contra a lei de extradição para a China, e eu fiquei ao redor do parlamento à noite, quando milhares de jovens o cercaram”, disse ela, falando muito rapidamente, como se ainda fosse varrida pela onda que a dominaria nas semanas vindouras.
“Entre esses jovens, que tinham em média de 16 a 22 anos, eu era quase a mais velha. Seu sistema organizacional e logístico não se parecia em nada com o Umbrella Movement de 2014 e não tinha nada a ver com ele.”
Com seu telefone na mão, ela começou a baixar vários aplicativos de mensagens e ingressou em fóruns públicos, “em águas internacionais”, abertos a todos.
“Foi estonteante, porque vários grupos se organizaram em torno da logística [água, máscaras, óculos, capacetes, minivans, carros], da comunicação [vídeos, designers, criativos, desenhistas], dos primeiros socorros [médicos, enfermeiros, remédios] e do apoio legal [advogados voluntários]”, continuou ela.
J.H. então se juntou ao mundo subterrâneo das redes criptografadas: anônimas, sem números de telefone e não rastreáveis.
“Grupos de observação transmitiram vídeos informativos para localizar as presenças policiais em todo o território em um determinado momento, local, metrô, estação, dois, três, quatro policiais... Eles têm de 30.000 a 50.000 membros cada, sem falar dos grupos comunitários da vizinhança que fornecem informações”, diz ela.
“A singularidade dessas manifestações está nessa nova forma de protesto, quase única no mundo – que as pessoas com mais de 30 anos, e os pais mais ainda, não conseguem entender. Está tudo no telefone. É algo orgânico.”
A campanha é virtual, mas a energia e a criatividade da vida real fluem através das veias dessa mulher de Hong Kong, que admite ter medo de “perder suas liberdades”.
Toda a geração mais jovem de hoje não funciona como seus pais ou a classe política, explica ela.
“Eles não querem um líder”, diz. “Eles não querem ser politicamente manipulados, eles não têm uma ideologia política, eles apenas lutam pelo que acreditam que é certo. Isso é muito simples e ao mesmo tempo confuso, porque eles estão dispostos a sacrificar tudo, até suas vidas, para alcançar seu objetivo.”
Os pais muito conservadores de J.H., assim como o próprio establishment, não acreditam nisso e veem uma manipulação estrangeira por trás disso.
“Nós somos aqueles que realmente estão manipulando os outros”, respondeu ela, citando a campanha pública de arrecadação de fundos para comprar páginas de publicidade na imprensa global antes da reunião do G20 em Osaka, no Japão.
“Uma ideia brilhante lançada por um dos grupos sociais, mas os jovens na frente do parlamento nem sequer leem os jornais e nem sabem o que é o G20!”
J.H. está longe de ser enganada e reconhece que há divergências sobre os métodos, pacíficos ou violentos, mas, ao contrário de 2014, o grupo não se dividiu. “Eu não concordei com a tomada do parlamento, mas continuo solidária”, ressalta.
As lições de 2014 foram aprendidas, e as manobras do governo para desacreditar o movimento não estão funcionando.
“Outro passo acaba de ser dado. Todo esse sistema está consumindo o nosso tempo e energias, mas em Hong Kong nós nunca dormimos, faz parte da nossa identidade”, diz J.H.
Para ela, não há nenhum fracasso ou vitória ainda. “Não acabou... haverá repressão”, adverte. “Chegou a hora de descansar e recuperar. Não devemos nos matar muito rapidamente, porque a luta continuará por muito tempo.”
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Protestos em Hong Kong: uma revolução do século XXI - Instituto Humanitas Unisinos - IHU