03 Fevereiro 2019
Eduardo Araújo de Souza Leão trabalhou entre 2007 e 2015 na empresa responsável pelo rompimento da barragem em Brumadinho, indicado pelo senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), ele assumiu o cargo em outubro. MDB e tucanos dividiram indicações.
A reportagem é de Igor Carvalho e Julia Dolce, publicada por De Olho nos Ruralistas, 03-03-2019.
Responsável por fiscalizar a atuação das mineradoras no país, a Agência Nacional de Mineração (ANM) mantém em seu quadro diretivo, desde outubro, o engenheiro sanitarista ambiental Eduardo Araújo de Souza Leão, funcionário da Vale entre 2007 e março de 2015. Ele chegou a ocupar o cargo de gerente do Meio Ambiente do Projeto Carajás, o maior empreendimento de extração de minério de ferro do mundo.
Em 17 de outubro de 2018, Souza Leão foi sabatinado na Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado para ocupar uma das quatro vagas de diretor da agência. Também foram inquiridos os diretores Tomás Antônio Albuquerque de Paula Pessoa Filho e Tasso Mendonça Júnior. A ANM tem um diretor-presidente, Victor Hugo Froner Bicca, e quatro diretores – uma delas acusada de fraude em um licenciamento ambiental. Durante as duas horas de audiência, nenhuma pergunta sobre o cargo ocupado na Vale.
Inscreveram-se para falar na sabatina os senadores Valdir Raupp (MDB-SC), Pedro Chaves (PRB-MS), José Amauri (Pode-PI), Paulo Rocha (PT-PA) e Flexa Ribeiro (PSDB-PA) – responsável por sua indicação. O amazonense Eduardo Braga (MDB) presidiu a sessão e foi o relator da indicação de Souza Leão. Em sua apresentação, o ex-funcionário da Vale disse aos senadores que teve “experiência no setor privado”, sem especificar o nome da empresa. Em seu relatório final, Braga mencionou a experiência dele na Vale.
De acordo com o currículo de Souza Leão, anexado no site do Senado por causa da sabatina, ele ocupou na mineradora os cargos de Analista de Meio Ambiente Sênior, Gerente de Meio Ambiente e Agricultura Familiar e, entre 2014 e março de 2015, Gerente de Meio Ambiente para o Projeto Ferro Carajás.
O currículo mostra que ele era responsável pelo “gerenciamento de toda área ambiental do empreendimento, envolvendo as áreas de mina, usina e sistemas de suporte”. “Responsável ainda pelo licenciamento ambiental, quase mil condicionantes ambientais, implantação do sistema de gestão ambiental padrão Vale, incluindo 33 programas ambientais, regularização e adequação dos dispositivos de controle ambiental durante a implantação do empreendimento.”
Antes de ocupar o cargo de diretor da ANM, ele era assessor da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia do Pará. Assim como Pessoa Filho e Mendonça Júnior, foi aprovado pela Comissão de Serviços e Infraestrutura por 15 votos favoráveis e apenas um contrário.
Embora Souza Leão tenha tido a bênção de um tucano, é o MDB quem tradicionalmente apita na mineração brasileira: “Teia de interesses liga políticos a mineradoras em debate sobre novo Código“. Até Eduardo Cunha, o ex-presidente da Câmara preso no Rio, indicava superintendente para o antigo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), substituído pela Agência Nacional de Mineração.
A indicação do diretor-presidente da Agência Nacional de Mineração, Victor Hugo Froner Bicca, foi feita pelo ex-deputado federal Leonardo Quintão (MDB-MG), relator do Código da Mineração, deputado com interesses escancarados no setor. Os tucanos, porém, conseguiram emplacar ainda a única diretora da agência, Débora Tocci Puccini.
A indicação do cearense Antônio de Albuquerque Pessoa Filho, relatada pelo senador Wilder Morais (DEM-GO), foi feita por um dos caciques do MDB, o senador Eunício de Oliveira (CE), presidente do Senado nos últimos dois anos. Muito embora a trajetória política de Pessoa Filho esteja associada ao ninho tucano.
Durante a gestão de Eunício foi aprovada a MP 791, que criou, em outubro de 2017, a própria Agência Nacional de Mineração. E a MP 789, também de 2017, a da Compensação pela Exploração de Recursos Minerais.
Pessoa Filho foi deputado estadual entre 2007 e 2010, no Ceará, pelo PSDB. Ele é filho de Tomás Figueiredo (MDB), prefeito de Santa Quitéria (CE), e da ex-deputada estadual Cândida Figueiredo. Trata-se de um clã político: sua irmã Joana foi vereadora em Santa Quitéria e seu avô Chico Figueiredo também foi deputado estadual – em uma linhagem que passa por um antigo senador cearense e desemboca no donatário da capitania da Paraíba.
Advogado, Pessoa Filho tem seu pé na pecuária. Em 2006, declarou ao Tribunal Superior Eleitoral a propriedade de 160 cabeças de boi. Naquele ano ele tinha R$ 232 mil em bens. Quatro anos depois, em 2010, possuía R$ 1,09 milhão e 240 reses. Em 2014, R$ 1,37 milhão. O pai dele é bem mais rico: o prefeito Tomás Figueiredo possui fazendas em Santa Quitéria e em Vitória do Mearim (MA), uma empresa produtora de algodão e suínos, a Copas, e gado: 3.652 cabeças de boi, 2.785 ovinos.
A candidatura de Tasso Mendonça Júnior à ANM foi relatada no Senado por Valdir Raupp (MDB-RO). Mas ele foi indicado ao cargo pelo ex-governador goiano Marconi Perillo (PSDB), suspeito de corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa no âmbito da Operação Cash Delivery. O político chegou a ser preso em outubro. Em sua sabatina, Mendonça rasgou elogios ao ex-ministro de Minas e Energia do governo Michel Temer, Fernando Coelho Filho, à época no MDB, hoje filiado ao DEM.
Geólogo com carreira na Petrobras, Mendonça foi chefe de Mineração da Superintendência de Indústria e Comércio da Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Goiás, durante o governo de Marconi Perillo.
A quarta e última vaga na direção da Agência Nacional de Mineração foi ocupada por Débora Toci Puccini, sabatinada separadamente no Senado, no dia 27 de novembro de 2018. Sua indicação foi relatada pelo senador Wellington Fagundes (PR-MT). A nomeação da geóloga foi sustada pela Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado, pois ela responde na Justiça Federal por fraude em um licenciamento ambiental. Ainda assim, os senadores mantiveram a posse da diretora.
A descoberta sobre a situação judicial de Puccini foi apresentada pela própria indicada durante sua sabatina na Comissão de Infraestrutura, no dia 31 de outubro, o que surpreendeu os senadores presentes. Na data, ela entregou um documento elaborado pela sua defesa para explicar sua versão do processo judicial, que corre em segredo de Justiça. Os documentos mostravam que ela está impedida de exercer função pública desde outubro de 2017. A informação sobre a suspensão dos direitos públicos de Puccini não constava no relatório elaborado por Wellington Fagundes. Constrangido, Eduardo Braga acatou a sugestão de interrupção da votação.
Débora responde por crime contra a administração ambiental. Ela foi enquadrada no Artigo 69-A da Lei 9.605/1998: “elaborar ou apresentar, no licenciamento, concessão florestal ou qualquer outro procedimento administrativo, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão”. O caso se refere à construção de um terminal portuário na região de Ponta Negra, local do futuro Porto de Jaconé, em Maricá (RJ).
A região possui fragmentos rochosos denominados beachrocks, que devem ser preservados. Em seu parecer, a geóloga decidiu a possibilidade de coexistência entre o porto e a preservação dos afloramentos. Seus advogados afirmam que a denúncia é “completamente equivocada” pois o parecer foi tomado após “longo estudo” da área.
Quase um mês depois, no dia 27 de novembro, Débora foi sabatinada novamente pela CI, e teve sua indicação aprovada por 12 votos favoráveis; dois votos foram contrários. Na ocasião, o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) questionou novamente o processo judicial. Débora afirmou que a liminar que restringe suas atividades públicas se refere apenas à atuação na superintendência – agora gerência – do Rio de Janeiro, o que não a impediria de assumir outros cargos públicos.
O sindicalista Lourival Andrade, da Ação Sindical Mineral, avalia que todos os diretores da Agência Nacional de Mineração possuem formação técnica para ocupar os cargos:
– O MDB está mais sofisticado nas indicações políticas. Antigamente, colocavam qualquer pessoa no cargo, me lembro que o Antônio Carlos Magalhães indicou um contador para ocupar um cargo de direção no DNPM da Bahia. No Paraná, um cacique do MDB colocou na direção um comerciante que era fornecedor de equipamentos para exploração de carvão. Hoje não há mais técnicos que não tenham formação. A característica comum entre eles é o alinhamento político com o MDB e sua turma da mineração.
O Tribunal de Contas da União (TCU) anunciou na quarta-feira (30/01) a criação de uma auditoria na Agência Nacional de Mineração para apurar uma possível omissão do órgão no rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG). A autarquia federal está subordinada ao Ministério de Minas e Energia, agora sob o comando do almirante Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Junior, desde 1973 na Marinha.
Criada em 6 de dezembro de 2017, a ANM substituiu o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), mas manteve a linha política. Com texto pró-mercado, a MP 791, que autoriza o surgimento da autarquia, favorece as empresas que atuam na mineração. Para os cargos diretivos, prevê que sindicalistas jamais possam ocupar a função. Executivos ligados às empresas do setor, porém, podem se tornar dirigentes, desde que não mantenham as duas ocupações concomitantes.
“Até hoje, não é claro internamente o papel da ANM na vistoria e fiscalização das barragens de rejeitos e nem mesmo das empresas que atuam no setor”, critica Jarbas da Silva, integrante do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM). “A verdade é que a agência é um braço político do MDB, são eles que mandam lá”.
Victor Hugo Froner Bicca é o diretor-presidente da ANM desde o dia 11 de novembro de 2018. Sua sabatina no Senado foi um espetáculo, com parlamentares e o sabatinado trocando afagos por duas horas. Nenhum senador fez pergunta, por exemplo, sobre fiscalização de barragens. No plenário da Casa, a aprovação se deu por 35 votos favoráveis, sete contrários e uma abstenção. A indicação do dirigente foi relatada pelo tucano Flexa Ribeiro, aliado das mineradoras.
Bicca teve as portas abertas no Congresso – e na ANM – graças ao apadrinhamento do ex-deputado federal Leonardo Quintão (MDB-MG), conhecido como “deputado da mineração”. Quintão já admitiu atuar em benefício das mineradoras no Congresso. Seu irmão Rodrigo Quintão atua no setor por meio da empresa Elijah Administração e Participações Ltda, que mantém parcerias para exploração de minério em diversos estados.
O mote da campanha do político mineiro nas últimas eleições era: “Seu voto vale, nosso voto vale”. Nas eleições de 2014, ele arrecadou R$ 4,9 milhões de empresas. Cerca de 40% desse total, R$ 1,98 milhão, saiu do caixa de mineradoras. Quintão não foi reeleito em outubro, mas não ficou sem emprego. O ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, convidou-o para comandar uma secretaria especial para assuntos ligados ao Senado. O político assumirá o cargo no dia 15.
“Quem trabalha ou milita no setor sabe que o Bolsonaro só levou o Quintão para dentro do governo porque ele quer atender às pautas das mineradoras”, afirma Jarbas da Silva, do MAM. “E é uma forma de manter o MDB por perto usando sua influência no setor”.
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Diretor da Agência Nacional de Mineração foi gerente de Meio Ambiente da Vale - Instituto Humanitas Unisinos - IHU