08 Dezembro 2018
A maior parte de vagas que ainda estão disponíveis no programa se concentram em área indígenas na Amazônia brasileira.
A reportagem Lilian Campelo, publicado por Brasil de Fato, 07-12-2018.
O Amazonas é o estado da região Norte com mais vagas não preenchidas no programa Mais Médicos. Ainda restam 14 municípios que não completaram o total de postos e, nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), até segunda-feira (3), somente 29 candidatos se inscreveram, deixando em aberto 63 posições.
O edital oferece 230 vagas para os municípios e mais 92 para os DSEIs no Amazonas – 322 no total. O Brasil de Fato solicitou ao Ministério da Saúde um balanço para saber quais dos estados da região Norte ainda apresentavam situações críticas.
Além do Amazonas, o Pará e o Amapá seguem em defasagem. O Ministério da Saúde, por meio de nota, informou que, no Pará, sete municípios (Anajás, Aveiro, Bagre, Curua, Faro, Melgaço e Placas) ainda apresentam postos em aberto, como no DSEI Rio Tapajós, no qual das 12 ofertadas pelo programa ainda restam oito.
No Amapá, até o dia 3, ainda restavam duas das nove abertas pelo programa para o distrito indígena Amapá e Norte Pará. Pelo balanço informando pela pasta, não haviam municípios com vagas abertas, contudo a coordenadora administrativa do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do Estado do Amapá (Consens), Daniela Pinheiro, informou que até semana passada, pelo primeiro edital haviam 49 candidatos inscritos, mas 26 médicos não poderão assumir o cargo por incompatibilidade de horário.
Nesta quarta-feira (5) o Ministério da Saúde informou que 200 médicos desistiram do Programa Mais Médicos e as vagas voltam para o edital em seus respectivos estados.
O estado do Amazonas é o que se encontra em situação mais crítica dado que o prazo para as inscrições termina nesta sexta-feira (7). Ainda restam 14 municípios com 39 vagas abertas. No atendimento e assistência na atenção básica em Territórios Indígenas (TI) são seis distritos que juntos precisam da apresentação de 63 médicos.
Um desses distritos se localiza na TI do Vale do Javari, em Atalaia do Norte, no Oeste do Amazonas. Até o momento, apenas um candidato se inscreveu, e ainda restam cinco oportunidades.
Neon Solimões Paiva Pinheiro é antropólogo no Vale do Javari. Ela avalia que a baixa procura para a área se deve a um conjunto de razões como a distância geográfica de centros urbanos, o salário, a propensão da região a doenças endêmicas como malária, hepatite e tuberculose e a falta de conhecimento dos médicos brasileiros sobre a diversidade étnico-cultural dos povos indígenas.
Ele afirma que a TI Vale do Javari é a segunda maior terra indígena no país, abrigando 54 comunidades e uma população estimada em mais de seis mil indígenas em mais de 8,5 milhões de hectares.
Os médicos que trabalhavam na área eram todos cubanos. Com a saída deles e com apenas uma inscrição, Pinheiro teme que o único candidato desista da vaga.
“Então a gente ainda corre o risco dessa pessoa chegar aqui [a gente] mostrar a realidade e ela voltar para trás, [por causa] das dificuldades do rio seco, tem vezes que a gente dorme na praia; de passar muito tempo na aldeia por não terem condições logísticas de aeronave; de embarcações não poderem chegar lá [na aldeia]. Então são vários fatores que o pessoal, quando a gente apresenta a realidade dentro da nossa missão, o povo vai voltar para trás”.
Mesmo com as dificuldades postas, o antropólogo, que trabalha na região há um ano, destaca que “os médicos cubanos sempre abraçaram a causa, estavam sempre disponíveis, sempre tiveram uma certa motivação e um compromisso muito grande conosco e realmente fizeram um bom trabalho”.
Fransciso Loebens, que compõe o Conselho Missionário Indigenista (Cimi) no estado há 40 anos, avalia que a baixa procura de médicos brasileiros na atenção básica da saúde indígena se reflete na falta de preparo dos profissionais para aceitarem os desafios que muitas localidades apresentam.
“De fato, a expectativa é que quando alguém se forma médico seja para atender a população e isso muitas vezes fica para o segundo plano. Aqui a gente sabe da luta das Prefeituras, muitas vezes oferecendo um dinheiro altíssimo que inclusive cria problemas financeiros para elas para conseguir médico para o interior e mesmo assim não conseguem”, relata.
A mesma realidade pode ser verificada no DSEI do Alto Rio Negro. Restam 13 das 16 vagas para São Gabriel da Cachoeira. O Diretor Presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), Marivelton Baré, afirma que o estado do Amazonas concentra um grande número de povos indígenas, que são alguns dos principais prejudicados pela saída dos médicos cubanos. Ele responsabiliza o atual governo e critica o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) pelas declarações que fez ao comparar indígenas a animais em zoológicos.
“Não dá para comparar com animais que estão em zoológicos, nós estamos na nossa casa, estamos no nosso território. O que a gente espera dele é que cumpra de fato com o dever e obrigação com os povos indígenas. E, do nosso ponto de vista, não fazem, distorcem, tem uma política totalmente contraria. Isso acontece justamente para nos deixar vulneráveis nessa situação, para dizer que tudo isso é um empecilho ao desenvolvimento e por isso que está assim, mas nós vamos continuar mobilizados e brigando pelo o que é nosso de direito”, assegura.
A Secretaria Estadual de Saúde (SUSAM) afirmou em nota que o Amazonas já teve um total de 508 profissionais atuando pelo programa e, desse total, 318 eram cubanos e a maioria trabalhava nos DSEIs.
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Mais Médicos: áreas indígenas e estados do Norte sofrem com falta de inscrições - Instituto Humanitas Unisinos - IHU