11 Outubro 2018
O Vaticano anunciou no sábado que Francisco solicitou uma investigação interna de todos os arquivos relacionados ao caso do ex-cardeal Theodore McCarrick. A nota indicou claramente que o Papa reconhece a necessidade de superar as falhas deixadas em aberto desde 2002: os bispos a partir de agora serão investigados como qualquer outro padre.
A reportagem é de Michael Sean Winters, publicada por National Catholic Reporter, 10-10-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Para nós americanos, semanas são uma eternidade. Levando em consideração essa “demora”, a recente acusação de que o Vaticano estaria “obstruindo” pedidos dos bispos americanos para levar adiante o caso de McCarrick parecia credível. De fato, o Vaticano se movimenta em seu próprio ritmo. Por mais que isso frustre meus colegas que estão envolvidos com assuntos do Vaticano, eu aprovo que Francisco não só delibera o que acha que deve ser feito, mas, tendo tido incontáveis frustrações ao longo dos últimos cinco anos dentro da própria cúria que está lá para o ajudar, também utiliza esse tempo para fazer com que todos se envolvam com a sua decisão. Os políticos têm que fingir diante das câmeras, os papas não, pois não concorrem à reeleição.
Não obstante, a declaração do Vaticano indica precisamente que não haverá obstruções. “A partir da verificação dos fatos e das devidas circunstâncias se poderá concluir que foram tomadas escolhas que não seriam coerentes com uma abordagem contemporânea de tais questões”, diz a nota. “No entanto, como disse o papa Francisco: ‘Seguiremos o caminho da verdade aonde quer que ele nos leve’ (Filadélfia, 27 de setembro de 2015). Tanto o abuso quanto o seu encobrimento não podem mais ser tolerados, e o tratamento distinto aos bispos que cometeram ou encobriram abusos representa, de fato, uma forma de clericalismo que não é mais aceitável.” A intenção do Papa é clara: a responsabilização episcopal virá. Ela tem sido o que falta para mudar a cultura clerical.
Responsabilização episcopal é um assunto complicado. É preciso mais do que simplesmente estender os protocolos canônicos que atualmente se aplicam aos padres para os bispos. A tarefa bem mais complicada é a que tem sido o foco de minha coluna desde seu começo: como reavivar a colegialidade genuína e a responsabilização que caracterizaram a liderança episcopal da Igreja nos Estados Unidos desde a sua fundação em 1789 até o início do século XX e encontrar a sua melhor manifestação possível na Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos? A começar pela indicação de William Henry O’Connell como Arcebispo Coadjutor de Boston em 1906, o domínio romano começou a predominar sobre a governança colegial para muitos bispos americanos e, com essa mudança, a ideia de que os bispos eram responsáveis uns pelos outros diminuiu. Eles devem agora recapturar essa governança colegial, mas isso não acontecerá da noite para o dia.
Se a nota de sábado passado do Vaticano não foi suficiente para diminuir as críticas contra o papa, a carta aberta do cardeal Marc Ouellet para o ex-núncio arcebispo Carlo Maria Viganò mexeu com todos. Em detalhes, ele explicou o quão longe da realidade estão as alegações de Viganò, reintroduzindo o tipo de contexto que certos jornalistas conservadores preferiram ignorar. Por exemplo, escreve ele:
“Você diz ter informado o papa Francisco no dia 23 de junho de 2013 sobre o caso de McCarrick na audiência que ele lhe concedeu, assim como a muitos outros representantes pontifícios com os quais ele se encontrou pela primeira vez naquele dia. Imagino a enorme quantidade de informações verbais e escritas que ele teve que recolher naquela ocasião sobre muitas pessoas e situações. Duvido fortemente que McCarrick tenha interessado o Papa até o ponto em que você quer que acreditemos, já que ele era um arcebispo emérito de 82 anos e sem cargo há sete anos.”
Ouellet diz que nunca levou a situação de McCarrick tanto para Bento XVI quanto para o papa Francisco. Ouellet foi indicado para prefeito em 2010, época em que McCarrick já estava aposentado havia quatro anos. Eu tenho certeza que o então cardeal não era uma prioridade.
Ouellet também mostra outras falhas nas acusações de Viganò. “Eu nunca ouvi o papa Francisco fazer alusão a esse chamado grande conselheiro do seu pontificado para as nomeações nos Estados Unidos, embora ele não esconda a confiança que concede a alguns prelados”, escreve Ouellet. “Eu só posso supor que alguns desses prelados não são de sua preferência ou da preferência de seus amigos que apoiam seu juízo de valores.” Um dos aspectos mais perturbadores da maioria das coberturas da mídia foi o modo como os noticiários repetiram o mito de que McCarrick tinha algum tipo de influência recente sobre Francisco, e repetiram isso como um fato que não precisava de sustentação. A fonte dessas alegações foi sempre o próprio McCarrick, o que deveria ter feito as pessoas suspeitarem da informação.
Ouellet não é um liberal. Ainda assim ele se distingue da oposição americana jansenista obcecada por sexo que, contra Francisco, enxergou Viganò como um aliado. Com essas palavras, Ouellet restaura algum equilíbrio na avaliação moral: “Por outro lado, o fato de que pode haver no Vaticano pessoas que praticam e sustentam comportamentos contrários aos valores do Evangelho em matéria de sexualidade não nos autoriza a generalizar e a declarar como indigno e cúmplice este ou aquele, e até mesmo o próprio Santo Padre. Acima de tudo, não é preciso que os ministros da verdade se guardem da calúnia e da difamação?” Viganò dispara calúnias longa e abertamente em seus testemunhos, e elas foram avidamente disseminadas por seus aliados nos meios de comunicação de cunho conservador.
Essas pessoas mostrarão algum remorso? Irão se corrigir? Seria bom ver Ross Douthat, a “nova autoridade” católica, ao menos pedir desculpas públicas ao papa Francisco por publicar, neste mesmo fim de semana, uma coluna que fingia ser de análise, mas a qual realmente não fez nada mais do que aludir algumas teorias da conspiração conservadoras e alguns tweets de comentaristas irrelevantes para atacar o Papa, sendo que tudo isso foi desmentido pela carta de Ouellet. Ele cita, como costuma fazer, Michael Brendan Dougherty, que tweetou, na segunda-feira, em resposta à boa análise de Massimo Faggioli sobre a influência do dinheiro na Igreja americana: “Isso é muito engraçado. Tentando enfrentar a quase certeza de que o Vaticano manda mais predadores sexuais para os EUA na forma de bispos e cardeais, os americanos tentam desesperadamente usar a única coisa que têm, o dinheiro, e são culpados por isso também.” Isso é uma loucura. Loucura tão grande que faz com que a gente se sinta mal só de ler isso. Já Douthat é com certeza um escritor talentoso, mas entender o porquê de seus editores o deixarem publicar sobre um assunto o qual ele está tão consistentemente mal informado está além da minha capacidade.
O fato mais marcante sobre a carta de Ouellet é sua paixão. Quando ele foi nomeado arcebispo de Quebec em 2002, um amigo, que, como Ouellet, é um sulpiciano, o descreveu como muito inteligente, mas frio, mais apropriado para um auditório ou para um escritório qualquer do que para um ministério pastoral. Há alguns anos, eu encontrei Ouellet em um avião. Gosto de ser sociável, então me apresentei, mencionei alguns amigos em comum. Nossa conversa não chegou a lugar algum. Agora, talvez ele tenha muita coisa em sua cabeça, mas penso que ele seja uma daquelas pessoas que é simplesmente um pouco distante e fria. Ler essas palavras ferozes em defesa de um Papa que não compartilha de sua perspectiva teológica, mas com quem ele colabora há mais de cinco anos, certamente foi uma surpresa bem-vinda.
A saga continua. Por enquanto, contudo, Francisco novamente cresce diante do medo de seus amigos e das dúvidas de seus inimigos, seguro consigo mesmo, maduro, um líder: precisamente o líder espiritual que a Igreja precisa no momento.
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EUA. Bispos devem retomar o antigo espírito de colegialidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU