06 Outubro 2018
Dado que este sínodo sobre os jovens, fé e discernimento vocacional está se desdobrando em uma atmosfera de crise moldada pelos escândalos de abusos sexuais clericais que mexem com a Igreja em várias partes do mundo, as chances de uma surpresa em Roma pode ser ainda maior", escreve John L. Allen Jr., jornalista, em artigo publicado por Crux, 05-10-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Papa Paulo VI faz apelo pela paz na ONU (Foto: CNS photo/Yutaka Nagata, U.N.)
Em uma entrevista coletiva para jornalistas em Roma na quinta-feira, Monsenhor Guido Mazzotta, consultor da Congregação para as Causas dos Santos do Vaticano e um dos funcionários que trabalhavam na causa de Paulo VI, expuseram a defesa da santidade do Papa, citando seu apoio pastoral, seu compromisso, seu senso de serviço, seus dons como diretor espiritual, seu amor especial pelos pobres e vários outros fatores.
"Esta não é uma forma de narcisismo eclesiástico. Neste caso, a canonização de um Papa é perfeitamente justificada”, disse Mazzotta.
Uma das questões inevitáveis abordadas por Mazzotta foi a relação entre Paulo VI e o Concílio Vaticano II (1962-1965), já que ele foi o pontífice que supervisionou três de suas quatro sessões de trabalho e depois implementou suas decisões no período pós-conciliar até sua morte em 1978.
Como disse Mazzotta: “Provavelmente, se não houvesse Montini o Concílio não teria acontecido”. Embora o Vaticano II tenha sido aberto sob o papado de João XXIII, como explicou Mazzotta, “o Concílio acabou a partir do falecimento do Papa”. Paulo VI decidiu continuar, disse ele. Sendo assim, deu forma no início de sua segunda sessão, aberta em setembro de 1963.
Ao longo do caminho, Mazzotta relatou um caso interessante que vale a pena recordar.
O Papa João XXIII anunciou sua intenção de convocar um Concílio em 25 de janeiro de 1959. No dia seguinte, o futuro Paulo VI, então cardeal Giovanni Battista Montini, de Milão, recebeu um grupo de seminaristas da região da Lombardia. O reitor, um velho amigo, perguntou a Montini o que ele achava do anúncio feito no dia anterior, esperando que seu amigo ficasse empolgado com a notícia de que um novo Concílio estava em andamento.
Segundo Mazzotta, ao invés disso, o reitor encontrou seu velho amigo com um humor pensativo, e sua resposta enigmática foi: "Você não tem ideia do que significa convocar um Concílio".
Presumivelmente, parte do que o futuro Papa quis dizer foi que você pode lançar um evento com a magnitude de um Concílio Ecumênico com uma expectativa já desenhada, pois uma vez em curso, ele toma suas próprias proporções que podem sair dos limites. Na história da Igreja, alguns concílios terminaram em cismas e em ruínas, outros em uma nova vida para a Igreja. É impossível saber o desfecho de cada Concílio.
Tudo isto se tornou relevante para os assuntos que serão discutidos neste mês, pois Paulo VI não foi apenas o “Papa do Concílio”, ou aquele que conduziu o Vaticano ll, mas também foi o fundador do Sínodo dos Bispos, estabelecido em 1965. Esse processo deu aos bispos do mundo inteiro uma voz regular no governo da Igreja.
Em um evento patrocinado pelo Centro de Ética e Cultura de Notre Dame, com apoio da Diocese de Orange e do Crux na noite de quinta-feira, o bispo auxiliar Robert Barron de Los Angeles falou sobre a missa de abertura na quarta-feira. Segundo Barron, esse acontecimento deu uma noção do que o Vaticano ll deveria ter sido.
(Aos 58 anos, Barron é jovem demais para ter participado do Vaticano II - na verdade, ele nasceu 10 meses depois de ter sido anunciado, e teria 6 anos quando o Concílio foi encerrado).
Essa ligação entre o Sínodo e o Concílio pode ser mais sincera do que Barron percebeu, porque os sínodos, como os concílios, também podem ter resultados imprevisíveis. Quando Francisco convocou seus dois sínodos para a família em 2014 e 2015, ele pode não ter percebido completamente as tensões internas que desencadeariam, nem o vasto debate que suas eventuais conclusões da Amoris Laetitia de 2016 gerariam.
Dado que este sínodo sobre os jovens, fé e discernimento vocacional está se desdobrando em uma atmosfera de crise moldada pelos escândalos de abusos sexuais clericais que mexem com a Igreja em várias partes do mundo, as chances de uma surpresa de outubro em Roma pode ser ainda maior.
Como isso pode parecer? Obviamente, a definição de surpresa é que você não vê isso acontecer, mas é fácil descrever algumas possibilidades.
O sínodo pode se atolar nos debates sobre procedimentos e compromissos, com acusações de manipulação e mencionando participantes que não gostam da maneira como os ventos parecem estar soprando. Isso aconteceu nas últimas duas vezes, e a grande questão é de que os bispos e outros que estão em desvantagem podem ficar sem paciência.
O sínodo poderia enfrentar as consequências dos escândalos de abuso e assumir a responsabilidade de apresentar algumas orientações a Francisco sobre quais serão os próximos passos - incluindo as questões de maior transparência e responsabilidade, que são frequentemente invocadas como reflexões de reforma, embora às vezes parecem apenas voltadas para a violação.
O Sínodo poderia produzir uma nova estratégia evangélica revolucionária para alcançar os jovens do século XXI, impulsionados pelo fato de que há 36 jovens de várias partes do mundo participando. O bispo Godfrey Onah, de Nsukka, Nigéria, disse no evento na noite de quinta-feira que ter jovens no salão faz uma grande diferença. Suas reações são imediatas e evidentes, com aplausos, lágrimas, e até mesmo alguns "woo-hoo".
Se tudo isso acontecer - ou outras reviravoltas impossíveis de antecipar agora - é possível que Francisco faça uma retrospectiva em outubro de 2018 e pense: "Você também não tem ideia do que significa convocar um sínodo".
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Sobre Paulo VI e a possibilidade deste Sínodo nos surpreender - Instituto Humanitas Unisinos - IHU