27 Junho 2018
O Concílio Vaticano II trouxe um sopro de ar fresco para a Igreja, assim como tinha imaginado o Papa João XXIII ao convocá-lo. Também em respeito aos padres, ou os presbíteros. Vou nomeá-los assim e não sacerdotes, pois o Concílio Vaticano II considerou (na Constituição sobre a Igreja "Lumen gentium") que todos os batizados são unidos a Cristo - supremo Profeta, eterno Sacerdote e grande Rei ou Pastor - e são portanto sacerdotes, santificadores do mundo. A prioridade (assinalada pela mencionada "Lumen gentium") do Povo de Deus sobre a hierarquia, que está ao seu serviço (em latim "ministerium"), sugere essa novidade, que alguns - como a chamada "oficina de Bolonha" de Dom Dossetti e do prof. Alberigo - decidiram chamar de "revolução copernicana" no sentido de que, como Copérnico havia invertido a doutrina ptolomaica (não mais o sol gira em torno da Terra, mas esta em torno daquele), assim o Concílio inverteu a perspectiva de um laicato subordinado à hierarquia, indicando, em vez disso, que é esta que está a serviço de todo o "povo de Deus", do qual, aliás, a própria hierarquia faz parte. A outra "revolução copernicana" seria aquela que não privilegia a Igreja sobre o resto do mundo, mas coloca "sacramento" (como é dito na "Lumen gentium"), ou seja, sinal e instrumento de salvação para toda a humanidade.
O artigo é de Luigi Bettazzi, bispo emérito de Ivrea, Itália, publicada na revista Rocca, n.13. 1º-07-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Esta expressão ("revolução copernicana") foi obviamente contestada; e o Papa Bento XVI, em seu primeiro discurso na Cúria do Vaticano (dezembro de 2005), reiterou que não houve rupturas, mas sim continuidades. E é verdade que no nível dogmático não houve rupturas; no máximo, foram reavivadas doutrinas um pouco negligenciadas, tais como a salvação oferecida a todos (foi reiterado pelo próprio Bento XVI, ao assinar o resultado de uma investigação da Associação Teológica Internacional que o limbo havia sido uma hipótese para afirmar a importância do batismo) ou da colegialidade (que sempre existiu no Vaticano, com as reuniões dos bispos suburbicários ou com os Consistórios dos Cardeais).
No plano pastoral, ao contrário, são evidentes as ‘revoluções’, como aquela sobre a Bíblia, antes reservada para os níveis mais altos da hierarquia e agora colocada nas mãos e recomendada a todos os fiéis, ou a da liturgia, à qual antes "se assistia" (eventualmente dizendo algumas orações como o Rosário), enquanto agora "se participa", justamente porque é a oração do povo cristão, que se une assim à eterna oração de Jesus Ressuscitado que salva o mundo.
O presbítero, nos primeiros tempos designado como o "ancião" (isso significa em grego "presbítero"), de acordo com a tradição judaica, preside a assembleia dos fiéis. No Novo Testamento, é difícil distingui-lo do diácono (que quer dizer o "servidor", e é colocado ao imediato serviço dos Apóstolos) e do epíscopo (ou seja, do "superintendente da assembleia", que poderia ser qualquer assembleia).
Parece até mesmo que a Eucaristia, de que fala São Paulo na Primeira Carta aos Coríntios, fosse realizada sem um dirigente qualificado, de quem justamente nem se fala. Será mais tarde, com Santo Inácio de Antioquia, depois de muitas décadas de vida da Igreja e depois da morte dos Apóstolos, que serão estabelecidas as três categorias de ministros ordenados com seus específicos ministérios: os bispos, os presbíteros e os diáconos. Mas depois, quando a Igreja com Constantino, no início do século IV, adquire a sua liberdade, especialmente quando, perto do final do século, com Teodósio, torna-se a religião oficial, que então são assumidas as estruturas e os ritmos (os cidadãos reclamavam que as diligências imperiais eram muitas vezes ocupadas pelos bispos, sempre em viagem por causa de seus Concílios ou Sínodos!); especialmente quando o Papa torna-se monarca (obviamente absoluto) aconselhado ou servido pelos bispos e pelo clero (a ligação será constituída pelos párocos de Roma, os Cardeais, que ainda hoje são titulares das paróquias romanas). É uma consequência que o padre seja considerado um "líder" que tem um poder absoluto (como seus superiores, cada um no seu nível), diante do qual os fiéis nada poderão fazer se não obedecer (como os policiais "prontos a obedecer em silêncio” ).
A separação, antes dos Orientais (os Ortodoxos), depois dos Norte-ocidentais (os protestantes), para além ou dentro das motivações doutrinárias, talvez tivesse também exigências ‘étnicas’ ou ‘políticas’.
A premissa (pelo menos psicológica) de uma mudança aconteceu com o fim do Poder Pontifício quando, em 20 de setembro de 1870, os ‘Bersaglieri’ italianos (infantaria, ndt) entraram por uma brecha na Porta Pia, provocando a excomunhão do governo dos invasores (depois de um século, no Capitólio, o Arcebispo de Milão, João Batista Montini declararia providencial o final daquele poder), e foi aberta a possibilidade, inclusive de pensamento, para o caminho sucessivo até o Concílio Vaticano II.
É verdade que quando o Papa Roncalli, um idoso nomeado Papa de "transição" (para tornar Cardeal o Arcebispo Montini e habilitá-los à eleição para o papado), convocou inesperadamente um Concílio Ecumênico, alarmou os cardeais reunidos em São Paulo fora dos Muros para a conclusão da Semana de oração pela unidade dos cristãos, e seguros - como todo o mundo eclesial - que não houvesse mais necessidade de um Concílio, depois que o Vaticano I, em 1870, havia definido a infalibilidade do Papa em matéria de verdade (da fé) ou de moral. Talvez eles não tenham percebido que essa definição se referia à infalibilidade da Igreja, que o Papa deve interpretar e expressar. E não há maneira melhor de conhecer todo o pensamento da Igreja inteira do que consultar os bispos de todo o mundo. Ainda mais que o papa João tinha convocado um Concílio mais pastoral que dogmático. E se os Concílios, por tradição, esclarecem as verdades – os dogmas - excomungando ("anátema sit”) aqueles que não os aceitam, os outros, os pastorais - considerados quase menores, portanto com a possibilidade de ignorá-los - se preocupam, ao contrário, que o povo de Deus possa entender adequadamente o que é proposto e possa assim aceitá-lo com convicção e eficácia.
Nessa perspectiva surge o "ministério" da hierarquia, chamada não a comandar, mas a servir. Deve-se ensinar, não impor o que os fiéis, justamente começando pelos jovens, terão que aprender de cor, mas terá que perceber como é o seu povo, como essas pessoas vão entender e ficar convencidos de que o que é apresentado possa fazer parte de suas vidas. Ao celebrar ritos, deve ser possibilitado que as pessoas os sintam como um encontro vivo e presente com Jesus. Por fim, elas deverão sentir que ser cristão não é um privilégio, mas uma responsabilidade, a de ser sempre e em toda parte, portadores de fraternidade e paz, para que os irmãos cristãos, mas também aqueles que não o são, realizem cada vez mais e melhor o reino de Deus, que é uma humanidade aberta a Deus e portadora de fraternidade e paz. Reconhecemos que isso é mais difícil.
Era mais fácil (não sei se mais eficaz) sentir-se um chefe e comandar, excomungando todos aqueles que não se adequavam. E talvez seja essa a tentação, inclusive de padres jovens, que copiam no estilo e também no hábito os padres de outrora.
Acredito que, mesmo antes das motivações culturais e sociológicas as pessoas (e não apenas os jovens) abandonem a Igreja por uma insatisfação interna: em um mundo de seres humanos cada vez mais conscientes e livres, as pessoas acham difícil obedecer em silêncio.
Somente uma atitude de humildade e de serviço pode constituir um convite para receber, refletir e consentir.
Jesus repetiu inúmeras vezes que os poderosos do mundo comandam e se fazem chamar de benfeitores, mas, na Igreja, aquele que é mais importante deve ser como aquele que serve. E, no momento em que institui o sacramento que garante sua presença entre a humanidade para sempre, afirma que isso comporta (quem o atesta é o Evangelho de João, com um acréscimo dos três Evangelhos sinópticos considerado necessário) que sejam lavados os pés uns dos outros (os Apóstolos entre si, mas os cristãos entre todos). E isso é indicado como indispensável, inclusive para receber o mesmo mandato da transformação do pão e do vinho no seu corpo e no seu sangue: "fazei isto em memória de mim", ou seja, façam-no porque eu fiz isso! Seria a falta desse testemunho que afasta as pessoas, agora acostumadas a resolver todos os problemas com o celular, erudito, mas frio? Esse estilo não levará ao fechamento em si mesmo, nos próprios interesses, nas satisfações pessoais? Diminui o percentual daqueles que fazem a Primeira Comunhão e a Crisma e, em especial daqueles que nunca mais voltam depois disso (contam que um piadista, a um amigo atormentado por ratos em casa, sugeriu: "Faça a Crisma a eles, e nunca mais irá vê-los novamente!"). Mas são as pessoas em geral que sentem a Igreja distante, em outro planeta, fechada em sua própria história, em seus ritos, em seus próprios interesses.
É um problema de ‘revolução’ para nós que já somos presbíteros, o de saber estar entre as pessoas para ouvi-las. O Papa Francisco diria: "Ter o cheiro das ovelhas". E justamente ele, quando era arcebispo de Buenos Aires, ao saber que nas periferias superlotadas (as "villas") um padre pode atender até quinhentos metros, tinha colocado a intervalos similares os padres, muitas vezes indo encontrá-los, por oferecer seu apoio e confirmação diante da população.
Isso obviamente comporta que a preparação seja adequada. Nossos Seminários (tenho noventa e cinco anos!) nos encerravam (inclusive durante boa parte do verão) para evitar as tentações do mundo. E mesmo no Seminário do meu ginásio, após os primeiros anos de noites nos salões controlados por dois prefeitos, eles nos fechavam em vinte quartos individuais, cada um com seu próprio balde. E se tivéssemos que ficar lá porque estávamos doentes, nos faziam ser atendidos por mulheres idosas, a quem chamávamos de "preparação para a Missa" (o nome de uma série de orações que eram colocadas nas sacristias), para significar que estavam muito além de qualquer tentação.
Quando, jovem sacerdote, eu participava na França de encontros sacerdotais para a espiritualidade Jesus Caritas (inspirado pelo eremita do deserto, hoje Beato Charles de Foucauld), notava a evidente desenvoltura dos padres franceses, que tinham feito um ano de serviço militar. Obviamente não desejo isso para nossos seminaristas (quando havia serviço militar, nós estávamos dispensados em virtude da Concordata), mas certamente uma experiência de trabalho ou períodos passados entre pessoas ou grupos de jovens (e não apenas dos movimentos muitas vezes fechados em si mesmos), mas também de Paróquias abertas a experiências múltiplas, ajudaria os sacerdotes do amanhã a ter o cheiro de suas ovelhas e saberem, portanto, anunciar a elas o Evangelho de maneira mais eficaz.
Acredito que também deveriam ser educados a um estilo de sobriedade. Uma igreja que sente - se quiser ser fiel ao exemplo e ao mandato de Jesus (e reproposto pelo Concílio e pelo empenho do Papa Francisco) - ser "Igreja dos pobres", deverá transmitir o espírito, contra a tentação, antigamente generalizada, que o presbiterado fosse uma certeza de boa subsistência para si e para sua família (o Papa Francisco diria: "o estilo do faraó").
Penso que outra pedra angular da educação seminarista deveria ser a de estar e trabalhar juntos, o que é ainda mais necessário numa época em que o uso dos celulares e instrumentos similares alimenta o individualismo.
Isso corresponde à colegialidade, mencionada pelo Concílio (e inspirada no "Colégio" dos Apóstolos), e à sinodalidade, confirmada pelo Papa Francisco, e que não se limita apenas ao Colégio dos Bispos ao redor do Papa, mas em todos os níveis da Igreja (bispos e sacerdotes no meio do povo de Deus), visto que o Espírito Santo opera em cada batizado, e para dentro do povo de Deus desperta Institutos religiosos e Movimentos, com a tarefa para a hierarquia de verificá-los e coordená-los. Eu costumo dizer que a hierarquia tem a tarefa da última palavra, mas que só pode ser assim se antes houve outras (o ministério da unidade, não a unidade do ministério). Essa mentalidade de "trabalhar juntos" também irá preparar para o apostolado das "Unidades pastorais", onde vários presbíteros devem trabalhar juntos, fazendo inclusive que os laicos das várias paróquias superem os fechamentos de suas origens.
É por isso que - estou pensando de forma um tanto cínica - o Senhor reduz vocações presbiteriais ou religiosas, para finalmente nos induzir a reconhecer os laicos batizados responsáveis ao lado da hierarquia na vida da Igreja, confiando a eles com confiança responsabilidades operativas (começando por aquelas financeiras, das quais normalmente somos muito zelosos) para coordenar, sim, mas primeiro para despertar.
Outra preocupação, na educação dos presbíteros de hoje, é a da sexualidade, outrora considerada menos necessária por causa do isolamento da vida seminarista e da subsequente do ministério presbiteral.
Antigamente insistia-se muito no estilo de defesa que protegia o celibato; é preciso insistir mais sobre a castidade como plenitude de amor (a Deus e aos membros do povo de Deus), contra a insistente tentação de utilizar o impulso do erotismo como satisfação egoísta dos próprios impulsos. E é necessário não só para si mesmo, mas também para o ministério, em uma época de generalizado sexualismo e de suas múltiplas consequências negativas.
E como esquecer que, em um mundo onde o ambiente não favorece, mas estimula, torna-se ainda mais necessária uma forte espiritualidade alimentada pela oração, daquela litúrgica bem executada, mas também da pessoal, sincera e prolongada? Momentos de pausa, dias de "deserto" (como afirma a espiritualidade Jesus Caritas), face a face com Ele, mas face a face consigo mesmo, tornam-se indispensáveis e significativamente eficazes.
Acredito que sejam "conversões" necessárias, e o Papa Francisco as traz muitas vezes com as palavras, mas, sobretudo com os exemplos (padre Congar disse que para compreender e viver plenamente um Concílio são necessários cinquenta anos. Estamos vendo que também o Espírito Santo sabia disso!). Eu percebo isso muito mais por ter passado quatorze anos de preparação no seminário (com a interrupção da guerra) e ter sido catapultado para ensinar quando retornei de Roma. Eu tinha uma experiência demasiado breve em uma determinada Paróquia (pequena, mas destinada a ser Paróquia Universitária) enquanto continuava, ao mesmo tempo, a ensinar no seminário, e, além disso, ser assistente diocesano da Ação Católica.
Minha educação foi na família (éramos sete!), depois nos Seminários maiores (Bolonha e Roma) e, finalmente, entre os universitários da Fuci (Federação Universitária Católica Italiana) e no contato com os leigos da Ação Católica e com os seus párocos.
Muito me ajudaram alguns padres amigos meus, como os diretores (da Fuci e da Ação Católica) e o Bispo residente, os meus padres e o meu povo, com quem eu tentava manter o máximo de contato possível, especialmente aquele não-institucionalizado: foi o rebanho que instruiu o Pastor. E agradeço por isso ao Senhor.
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Um pastor instruído pelo rebanho - Instituto Humanitas Unisinos - IHU