05 Mai 2018
Eduardo Valdés, ex-embaixador da Argentina no Vaticano – e próximo a Jorge Bergoglio –, afirmou que sua expectativa é que haja grandes mudanças na cúria chilena. De fato, comentou que, na sua opinião, Francisco vai optar por pessoas que se aproximem mais da figura do cardeal Raúl Silva Henríquez.
A entrevista é de Nicolás Massai D., publicada por Diario Uchile, 02-05-2018. A tradução é de André Langer.
Antes de assumir como embaixador da Argentina no Vaticano, o advogado Eduardo Valdés havia defendido um rapaz abusado por Julio Grassi, conhecido sacerdote argentino que está atualmente na prisão cumprindo uma pena de quase 15 anos por esse crime. Atualmente, Valdés é deputado do Parlamento do Mercosul.
Por telefone, comenta os fatos que aconteceram depois da visita do Papa Francisco ao Chile e antecipa a visita de todos os bispos do Chile ao Vaticano.
As vítimas de Fernando Karadima acabaram de dizer que o Papa pediu-lhes perdão. Concretamente, o que isso significa?
O que aconteceu no Chile marca um antes e um depois em toda a questão dos abusos sexuais de sacerdotes. Penso que o que acontecerá na sequência será tão importante quanto o que aconteceu em Boston. Parece-me que o Sumo Pontífice recebeu as vítimas de forma adequada, e se pediu um perdão genuíno. Eu já via que ele estava revendo algumas coisas quando, no voo de volta de Lima, pediu perdão pelo que ele tinha falado em Iquique. Como estava dizendo, penso que há um antes e um depois, porque os tempos eclesiásticos não correspondem aos tempos terrestres, e é preciso tentar fazê-los coincidir.
Algumas medidas para se adaptar a esses “tempos terrestres” passariam por cima dos interesses da cúria conservadora?
Este caso tem que ser o último. A cúria não pode esconder esses fatos, mas deve denunciá-los. Certamente, aqui há uma cadeia de cumplicidades de bispos e sacerdotes em que Juan Barros é a figura mais visível, mas deve haver muitos outros. Dentro da terrível dor que esta situação causa, vejo uma pequena luz para que isso nunca mais aconteça.
Em meados de maio, todos os bispos do Chile irão ao Vaticano. Para você, quais serão os sinais e quão importantes eles são?
Eu acredito que vai ser um grande puxão de orelhas. O que aconteceu em Santiago do Chile me surpreendeu; fatos como as declarações de Marta Larraechea, companheira de Eduardo Frei e democrata-cristã, eram, longe de serem ofensivas, um alerta, um grito de alguém que professa a fé e que não concorda com o que está acontecendo nesse momento.
Você acredita que as medidas afetam o setor conservador da Igreja chilena?
Evidentemente. Para os conservadores desta situação, deste status quo onde podem conviver e ser cúmplices de bispos e padres abusadores, não tenho dúvidas de que será uma grande depuração. Parece-me que é o que deve acontecer. Eu me criei em Neuquén, na fronteira com o Chile, e devo dizer que nos meus anos de juventude tinha orgulho por essa Igreja chilena liderada por dom Raúl Silva Henríquez. O que aconteceu no Chile para que mais tarde, para que ninguém possa imitar esse comportamento, e parece-me que algo aconteceu.
Isso será reivindicado pelo Papa?
Eu tenho muita expectativa de que sim. Eu acredito que Silva Henríquez deve ter deixado sacerdotes com seus valores.
A medida poderia chegar ao Arcebispado de Santiago?
Logicamente deveria ser assim. Aqui na Argentina, o Papa demorou de 2013 a 2018 para fazer mudanças na Conferência Episcopal, com dom Ojea ou dom Colombo, que são muito parecidos ao pensamento de Silva Henríquez. Antes havia uma cúria conservadora que Francisco herdou que não gostava dele como bispo de Buenos Aires. Era público que ele era a mosca branca dentro de toda aquela Conferência. Não é por acaso que vocês tiveram Ángelo Sodano como núncio, ele que representa uma liderança e um estilo, para mim um mau momento na Igreja quando foi secretário de Estado. Ainda há muito sodanismo na cúria vaticana, e isso deve ser modificado.
Como definiria a forma sodanista?
Ocultar estes temas. Há o caso de Emanuela Orlandi, que foi uma garota sequestrada no Vaticano aos 14 anos, em 1983. O Estado do Vaticano não fez nada para investigar essa questão, e foi apenas em 2011 ou 2012 que veio à tona o que poderia ter acontecido com Emanuela. Outro exemplo é que a questão de Boston vinha desde antes de Ratzinger ser eleito Papa, e não tinha sido investigada: essa é a forma sodanista. Sodano, como núncio da Igreja no Chile, terá tido muita influência sobre os bispos que foram escolhidos depois de Silva Henríquez...
Como estão as tensões entre os setores do Vaticano?
As tensões podem existir, mas com todo o respeito. Na ética humana não existe conservador ou progressista que, por estar de um lado ou de outro, seja cúmplice de uma situação desumana. Supõe-se que são sacerdotes para isso. Todo sacerdote deveria denunciar, independentemente de qual é a sua linha.
Qual é o tamanho das forças conservadoras dentro do Vaticano?
Há uma visão muito eurocêntrica por parte da maioria dos cardeais vaticanos. A maioria do clero, até a chegada de Francisco, é de origem europeia, muito maior que os cardeais dos países da América Latina, Ásia e África. O clero norte-americano e europeu estava em maioria. Aos poucos essa situação está mudando. Francisco está criando muitos cardeais de países da África, da Ásia e da América Latina. O Papa está promovendo pessoas que têm território, diocese. Esta é uma crise da qual se sai melhor. Francisco é um semeador, e acredito que o mundo pós-Francisco será muito melhor nos valores da convivência e da paz.
Há quanto tempo você não fala com o seu amigo, o Papa Francisco?
Não é correto que eu diga que sou seu amigo. Eu gosto dele desde quando era Jorge Bergoglio. A última vez que conversei com ele foi em Temuco. Essa foi a última vez que o vi. Depois disso nos falamos por correio eletrônico e alguma vez por telefone.
Ele comentou com você algo sobre as mudanças que quer fazer?
Não, e se tivesse comentado, também não lhe contaria. Essas coisas ele tem que dizer.
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Chile. “Haverá uma grande depuração na Igreja”. Entrevista com o ex-embaixador da Argentina no Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU