22 Março 2018
“Atualmente, admite-se de bom grado que a necessidade de um reconhecimento teológico e prático mais efetivo da mulher” é tão crucial hoje que a Igreja e a sociedade devem realizar um “investimento colossal de pensamento e ação” para tornar realidade a sua igualdade com o homem. Esta é a opinião do cardeal Marc Ouellet, que, além disso, lamentou a maneira como “a execução de práticas eclesiais mais abertas à presença e influência” da mulher “é mais demorada por razões que não são apenas históricas e culturais”.
A reportagem é de Cameron Doody, publicada por Religión Digital, 16-03-2018. A tradução é de André Langer.
Em seu discurso, pronunciado na semana passada na Assembleia Plenária da Pontifícia Comissão para a América Latina, o cardeal – presidente da comissão e também prefeito da Congregação dos Bispos – aprofundou-se na pesquisa teológica que, na sua opinião, “deve fazer sua parte” no tocante à paridade entre homens e mulheres na Igreja, “com a finalidade de eliminar tudo o que dificulta a promoção da mulher e valorizar a sua dignidade a partir das fontes da revelação cristã”.
Em seu contexto histórico, “o cristianismo trouxe uma libertação de princípio” para a “subordinação da mulher”, recordou o cardeal, “graças à atitude inovadora de Jesus Cristo em relação às mulheres e ao seu impacto sobre o seu papel ativo na Igreja dos primórdios, como testemunha o Novo Testamento”. Esta libertação abriu “uma nova era no reconhecimento da dignidade da mulher e de sua igualdade com o homem”, na qual foram superadas “pouco a pouco as influências culturais que afetam o reconhecimento da igualdade do homem e da mulher”.
Qual é a contribuição, portanto, que esta “libertação” teológica da mulher pode dar em um momento como o atual em que parece que se tornou mais teórico do que prático? O cardeal Ouellet observou que a teologia cristã chama, no “nível social e eclesial, assim como no nível pastoral e missionário”, a uma “vigorosa promoção da mulher em todos os níveis”, assim como à “escuta, abertura, reparação de injustiças e valorização dos carismas femininos por parte de todos e todas e, em particular, por parte das autoridades civis e religiosas”.
A Igreja, com outras palavras, deve continuar a travar uma “luta paciente e perseverante” para favorecer a liberdade da mulher “de agir e viver de acordo com seus carismas, sua vocação e sua missão, que são irredutíveis aos esquemas culturais patriarcais ou matriarcais veiculados nas diferentes sociedades”, segundo a opinião do cardeal.
Atualmente, admite-se de bom grado a necessidade de um reconhecimento teológico e prático mais efetivo da mulher na Igreja e na nossa sociedade [1]. O Papa Francisco reiterou-o várias vezes seguindo seus predecessores, mas a execução de práticas eclesiais mais abertas à sua presença e influência [2] é mais demorada por razões que não são apenas históricas e culturais.
Deixo para outros a análise sociológica e histórica do problema para me concentrar na pesquisa teológica que deve fazer sua parte neste tema, com a finalidade de eliminar tudo o que dificulta a promoção da mulher e valorizar sua dignidade a partir das fontes da revelação cristã. De fato, seguindo as trilhas abertas pela exegese contemporânea e as intuições do santo Papa João Paulo II, é possível aprofundar o “mistério e os ministérios da mulher” [3] no desígnio de Deus, a partir da pessoa do Espírito Santo como Amor recíproco do Pai e do Filho na Trindade, e assim fundamentar melhor sua dignidade e seu papel tanto na Igreja como na sociedade.
A questão debatida da ordenação sacerdotal reservada aos varões fez correr rios de tinta e continua suscitando a crítica dos adeptos a uma concepção absolutamente paritária da igualdade entre o homem e a mulher, do ponto de vista dos papéis que lhes são designados em diferentes âmbitos culturais. Não vou discutir aqui a questão concreta do ministério ordenado para as mulheres; quero, ao contrário, me concentrar no fundamento teológico do “mistério” da mulher à luz da Trindade e da relação nupcial de Cristo e da Igreja.
Desde o princípio, inclino-me, pois, por um método teológico que parte da revelação da Trindade em Jesus Cristo, para compreender a mulher, criada à imagem e semelhança de Deus, com a ajuda da exegese contemporânea sobre a Imago Dei, que restaura a legitimidade e o valor da analogia entre a Trindade e a família [4], apesar de uma forte tradição contrária. Concedo, no entanto, a esta analogia uma importância relativa em relação ao conhecimento de Deus que vem a nós fundamentalmente na Pessoa de Jesus Cristo em seu mistério da encarnação redentora. A analogia da família fornece um complemento nada negligenciável à inteligência do mistério trinitário, mas seu valor está mais no seu significado antropológico. O Papa Francisco refere-se a isso muitas vezes na sua Exortação Apostólica Amoris Laetitia: “O Deus Trindade é comunhão de amor, e a família é o seu reflexo vivo. A propósito, são elucidativas as palavras de São João Paulo II: ‘O nosso Deus, no seu mistério mais íntimo, não é solidão, mas uma família, dado que tem em Si mesmo paternidade, filiação e a essência da família que é o amor. Esse amor, na família divina, é o Espírito Santo’ [5]. A família, de fato, não é alheia à própria essência divina. Esse aspecto trinitário do casal encontra uma nova representação na teologia paulina, quando o Apóstolo relaciona o casal com o ‘mistério’ da união entre Cristo e a Igreja (cf. Ef 5, 21-33)” [6].
Acrescento uma última premissa que me parece importante para indicar o centro e o coração da nossa reflexão, a saber: o fundamento arquetípico da mulher na Trindade, que é impossível determinar sem uma teologia da Aliança que abarque todo o desígnio de Deus sobre a humanidade e o cosmos. Muitas vezes, falta esse marco global na reflexão teológica. Hans Urs von Balthasar insiste neste ponto em sua estética teológica, onde descreve a manifestação de Deus ao homem em Jesus Cristo como mistério nupcial: “Há uma relação última conjugal e de aliança entre Deus e o mundo enquanto tal (cf. a aliança de Noé) e ela existe desde o princípio em virtude do Logos que medeia na obra da criação, do Espírito que paira sobre as ‘águas’ e do Pai que cria o homem, na reciprocidade de macho e fêmea, à imagem e semelhança de Deus, de um Deus que em seu eterno mistério trinitário já está configurado de um modo conjugal” [7].
Esta última afirmação, bastante ousada e inovadora em relação à Tradição, representa um desafio para o pensamento teológico em geral e para a teologia da mulher em particular, porque propõe já indiretamente a questão teológica do fundamento trinitário da diferença sexual. O que significa, então, essa relação nupcial interna à Trindade? Haveria um arquétipo da mulher no mistério íntimo de Deus? Podemos nos apoiar na teologia da Imago Dei para afirmar isso? Como não cair no grosseiro antropomorfismo, típico de certas religiões, que consiste em projetar em Deus a sexualidade humana? Essas perguntas são atualmente mais relevantes do que nunca e têm sérias implicações para o significado da sexualidade, dos valores do amor, da abertura à fecundidade, do respeito à vida, da educação e da vida em sociedade. Porque o campo da sexualidade, apesar dos avanços do conhecimento científico, parece mais confuso do que nunca e o tabu permanece, mais ou menos tácito, e relaciona-se com Deus apenas do ponto de vista moral. Uma razão a mais para colocar novamente sobre a mesa as questões candentes de hoje: a mulher, a diferença sexual, a família, a fecundidade, o futuro do cristianismo, num mundo cada vez mais secularizado e antropologicamente incerto e confuso. A Igreja Católica preocupou-se intensamente com isso desde o Concílio Vaticano II, consciente de ter que superar alguns atrasos, mas também de servir a um Evangelho profético destinado ao mundo.
Comecemos por fazer um resumo da doutrina da Imago Dei, retomada em nossa época graças aos progressos da exegese. O status quaestionis encontra-se bem resumido por Blanca Castilla de Cortázar, que recorre ao pensamento libertador do Papa João Paulo II diante das interpretações históricas e culturais da imagem de Deus no homem: “Fazendo um pouco de história, na tradição judaica considerou-se que apenas o varão era imagem de Deus, ao passo que a mulher era derivada. Isso justificou a situação subordinada da mulher no mundo judaico e muçulmano em que (especialmente neste último) ainda hoje encontra-se bloqueada” [8].
O cristianismo trouxe uma libertação de princípio a essa subordinação da mulher, graças à atitude inovadora de Jesus Cristo em relação às mulheres e ao seu impacto sobre o seu papel ativo na Igreja dos primórdios, como testemunha o Novo Testamento [9]. Basta mencionar as cenas da samaritana, da mulher adúltera, da prostituta em lágrimas aos seus pés, da unção de Betânia, da primeira aparição a Maria Madalena, etc., para simbolizar a abertura de uma nova era no reconhecimento da dignidade da mulher e da sua igualdade com o homem.
Os séculos seguintes assimilaram lentamente, e não sem notáveis resistências culturais, a revolução de Jesus sobre a mulher. No capítulo que trata precisamente da interpretação da imagem de Deus, a Carta de Paulo aos Coríntios, por exemplo, permanece condicionada pela cultura circundante, que subordinava a mulher ao homem: “O homem... é a imagem e a glória de Deus; mas a mulher é a glória do homem” (1Cor 11, 7). Daí as instruções de Paulo para que as mulheres se cobrissem com o véu e permanecessem em silêncio na assembleia...
As influências culturais que afetam o reconhecimento da igualdade do homem e da mulher poderão ser superadas pouco a pouco, apenas quando houver um desenvolvimento da ideia de que a imagem de Deus está na alma unicamente quando for considerada assexuada, por causa das faculdades espirituais do conhecimento e do amor, da inteligência e da vontade, comuns a ambos. Isso fará progredir a afirmação de que o homem e a mulher, como membros da espécie humana, são ambos igualmente imagens de Deus, mas separadamente e independentemente do seu sexo. Teremos que esperar pelo século XX para que o casal humano, com a diferença homem-mulher, seja incluído na imagem de Deus. João Paulo II dará a este aspecto um desenvolvimento magisterial decisivo em suas catequeses sobre a “teologia do corpo” e em sua Encíclica Mulieris Dignitatem, onde fala da imagem de Deus no homem como Imago Trinitatis, “a unidade de dois” sendo contemplada à luz da “unidade de três” da comunhão trinitária [10]. Desta maneira, ele deu um impulso decisivo para uma teologia da família.
No final do seu status quaestionis, Castilla de Cortázar assinala algumas questões pertinentes para o aprofundamento da teologia da mulher à luz da Trindade. Ela se pergunta como identificar o arquétipo trinitário, não somente da mulher, mas mais especificamente de sua qualidade de esposa e de mãe. João Paulo II deu um grande passo em frente, precisando a analogia entre a família e a Trindade em termos de communio personarum, mas não especificou, contudo, a relação entre as pessoas divinas e a distinção homem-mulher. Não obstante, ele indicou a relação íntima entre o Espírito Santo como amor que dá vida e a mulher que dá a vida. A obra, portanto, está aberta a novos desenvolvimentos, mas a tarefa não é fácil, dado o peso da tradição e a tendência, ainda forte no próprio Louis Bouyer [11], de descartar qualquer dimensão nupcial na Trindade por medo do antropomorfismo e por respeito à absoluta transcendência de Deus. A superação desse medo requer uma exegese rigorosa do texto do Gênesis, acompanhada de uma teologia do desígnio de Deus como mistério de Aliança que compromete a comunhão das Pessoas trinitárias na relação nupcial de Cristo e da Igreja.
Sobre esta base ainda a ser desenvolvida positiva e especulativamente, antecipo um “sim” sem reservas à questão do arquétipo da diferença sexual no próprio Deus e, portanto, à questão do fundamento trinitário da dignidade da mulher. A noção de nupcialidade que orienta a minha reflexão reside em três conceitos que expressam a essência do amor: dom, reciprocidade, fecundidade. Esta noção é aplicada de forma análoga a diversas ordens da realidade: ao casal homem-mulher, à relação entre Cristo e a Igreja e às Pessoas divinas [12]. Dessa maneira, prolonga-se a visão do santo papa da família, que, dando um novo frescor à analogia trinitária da família, interpreta a Imago Dei como Imago Trinitatis, completando com isso, de maneira feliz e fecunda, a doutrina tradicional da imagem de Deus. Até agora, de fato, esta limitava-se à semelhança entre a natureza racional do homem com suas faculdades espirituais e a natureza divina, eminentemente espiritual, por um lado, e, por outro, com as processões trinitárias: o Filho procedendo do Pai como Verbo e o Espírito Santo procedendo do Pai e do Filho como Amor. Obviamente, falar de analogia não significa falar de univocidade; por conseguinte, a semelhança evocada é matizada pela maior dissimilaridade que sempre prevalece em toda comparação entre o Criador e sua criatura (DS 806) [13]. A questão é, pois, complexa e delicada e convida a integrar as perspectivas complementares mais que opô-las [14]. Consideremos, de modo especial, que os avanços contemporâneos oferecem perspectivas amplas e fecundas para repensar a pessoa, a relação homem-mulher e o mistério de Deus a partir do Amor como Dom [15].
Para além das interpretações clássicas de Gn 1, 26-27 [16], a maioria dos exegetas vê a semelhança no fato de “que Adão é o verdadeiro representante do próprio Deus, encarnando e exercendo sua autoridade sobre a Terra e sobre tudo o que vive” [17]. Outro grupo argumenta com Claude Westermann que “a imagem de Deus deve ser encontrada na capacidade de relação com Deus que o homem recebe dele” [18]. Bem entendida em seu contexto, a narrativa da criação do homem expressaria a vontade de Deus dar-se um companheiro capaz de dialogar com ele. O mais interessante para o nosso propósito é constatar que a exegese de Gn 1, 26-27, de acordo com a tradição sacerdotal, traça os pontos no sentido de uma integração da relação homem-mulher no interior da imagem-semelhança.
Com efeito, se, em vez de separar os dois relatos da criação, ilumina-se o primeiro com o segundo, Gênesis 2, 18-24 [19], e com Gn 5, 3, temos que a reciprocidade varão-fêmea, a imagem-semelhança de Deus, permite ao homem representá-lo sobre a terra e imitá-lo, participando do seu poder criador. A insistência da tradição sacerdotal sobre a diferença corporal dos sexos pretende assim expressar o caráter fundamentalmente relacional do ser humano, no plano horizontal da relação entre o homem e a mulher, assim como no plano vertical da relação com Deus. Régine Hinschberber conclui que Gn 1, 26 sugere “uma relação de semelhança entre o Deus que cria e o homem, varão e fêmea, que, abençoado por ele, procria” [20]. Assim, a expressão “Deus fez o homem à sua semelhança” significaria que Ele o fez “para ser fecundo como ele” [21].
Está claro que o Gênesis não explicita essa analogia em relação à correspondência dos membros da família em relação às Pessoas da Trindade. A exegese da imagem-semelhança coloca apenas em relação dialogal um casal fecundo e um “nós” divino (“Façamos o homem...”) indeterminado, manifestando seu poder criador na união procriadora. Esta perspectiva dinâmica da imagem que atualiza sua semelhança por meio da união procriadora, encaixa, por outro lado, muito bem com a ideia de aliança, da qual a história de Israel é a expressão privilegiada. A mensagem do Gênesis consiste, pois, em que esta estrutura de aliança inscreve-se na complementaridade homem-mulher, cuja reciprocidade fecunda assemelha-se e corresponde ao dom do Criador. Quando Eva deu à luz o seu primeiro filho, ela exclamou: “Adquiri um homem com a ajuda do Senhor” (Gn 4, 1), destacando a intervenção criadora de Deus no dom da vida. Tomada em toda a sua amplitude, esta história de aliança, já inscrita na criação de Adão e Eva, culmina em Cristo, o novo Adão, do qual o primeiro é a figura. Com efeito, Ele é por excelência “a imagem de Deus” (2Cor 4, 4), “a imagem do Deus invisível” (Cl 1, 15). É então que a analogia familiar da Trindade atinge seu apogeu e encontra ao mesmo tempo sua superação em direção a uma analogia mais profunda, fundada não apenas na ação criadora de Deus, mas no dom da Graça e da virgindade, uma forma mais elevada de nupcialidade.
No plano especulativo, se tomarmos como ponto de partida o Amor como revelação suprema de Deus em Jesus Cristo, podemos tentar compreender esse Amor a partir das Pessoas Divinas como “relações subsistentes” (Tomás de Aquino), porque coincide com elas e não tem outra realidade que a reciprocidade absoluta e assimétrica. Tradicionalmente, as Pessoas Divinas são compreendidas distinguindo-se pela ordem das processões e pela oposição de relações recíprocas no Amor, de acordo com três formas totalmente distintas em Deus. Deus é amor enquanto Pai que engendra o Filho consubstancial; é também o Amor engendrado que responde ao Pai de acordo com seu próprio modo filial, reconhecendo Nele sua origem e seu término; é, finalmente, o Amor que procede da reciprocidade do Pai e do Filho, como Terceiro que é Amor-comunhão, a hipóstase diferente da reciprocidade enquanto tal; não outro filho ou filha na modalidade dos outros dois, mas um “nós” que inclui ambos, enquanto se distinguem absolutamente. Daí os três modos de amar na Trindade expressos por três Pessoas completamente diferentes e correlativas: o Amor paternal, o Amor filial, e me atrevo a qualificar o terceiro de Amor nupcial, pelo fato de não ser apenas uma reciprocidade entre dois, mas entre três, sendo o Espírito um Terceiro diferente que procede por meio da fecundidade da reciprocidade, o que lhe dá essencial e pessoalmente direito de cidadania na tríplice e divina correlação do Amor.
Na experiência humana, o filho, como hipóstase da reciprocidade do amor, é o fruto do amor conjugal, que é também uma reciprocidade de três, uma vez que se se abstrai do caráter fortuito da geração e do fator temporal de seu desenvolvimento, o filho pertence intrinsecamente à própria natureza da doação mútua dos cônjuges (Balthasar). Ele é um terceiro na troca de amor nupcial-conjugal no interior de uma mesma natureza, o que não é o caso em nenhuma outra relação afetiva. Nem a relação paternal-filial, nem a relação filial-maternal, nem as relações fraternas ou de amizade dão à luz um terceiro carnal da mesma natureza. De certa forma, o filho é um co-princípio do amor dos esposos como fim intrínseco de sua entrega mútua, embora subjetivamente possam se unir sem a intenção explícita da fecundidade.
Nós nomeamos antes o Espírito Santo como o arquétipo do amor nupcial em Deus, uma vez que Ele é o “Nós” distinto no Amor recíproco do Pai e do Filho. Um Nós em Quem o Pai e o Filho se amam com um Amor paternal e filial conforme a sua propriedade pessoal, mas também se amam com um “excesso” (surplus) de Amor que vem do Terceiro, que enriquece, por conseguinte, suas relações, e nos permite qualificar sua fecundidade Nele como Amor nupcial. A dimensão nupcial, à primeira vista alheia à relação Pai-Filho, é devida exclusivamente ao Espírito e só pode proceder Dele como hipóstase própria da reciprocidade. Além da hipóstase do dom gerador e da hipóstase da reciprocidade fecunda, existe a hipóstase da reciprocidade-comunhão. É por isso que podemos dizer que a Pessoa do Espírito produz (engendra), de certa maneira, um excesso de Amor em Deus, que supera as relações Pai-Filho com outra nova fecundidade que é intrínseca a eles, mas que é irredutível a eles por causa da propriedade pessoal do Espírito.
Considero, pois, perfeitamente justificado designar o Espírito Santo como o Amor nupcial em Deus, retomando e aprofundando a intuição de Agostinho sobre o Espírito como amor mútuo. Porque o Espírito Santo é Amor de uma maneira que é única, pessoal, em Deus que não é senão Amor. Seu papel de “vínculo” de amor entre o Pai e o Filho, íntimo mas diferente, enriquece-os de tal maneira que se deve reconhecer a fecundidade que lhe é própria, caracterizando-a como “nupcial” e “maternal”. Em resumo, para concluir, esta maneira de distinguir os três tipos de hipóstases em Deus a partir do Amor, parece-me que está em harmonia com seu Nome próprio de “Espírito de Verdade”, porque a Verdade é o Amor consubstancial das Três Pessoas divinas que Ele confirma em Si mesmo na sua qualidade de discrição da Unidade divina como Amor.
A hipótese inicial de um arquétipo da diferença sexual em Deus supõe, como dissemos, uma teologia da Aliança onde Deus predestina a humanidade em Cristo a ser “partícipe da natureza divina”, que é o Amor eterno das Pessoas trinitárias. Este desígnio divino realiza-se perfeitamente em Cristo como “mistério nupcial”, porque toda a sua trajetória terrena de encarnação é um connubium entre a divindade e a humanidade. Sua missão redentora até o sacrifício supremo revela, com efeito, o Amor do Pai pela humanidade, e sua ressurreição dentre os mortos confirma o Amor do Pai pelo seu próprio Filho, ascendido à sua direita e pela humanidade reconciliada e santificada pelo Dom e efusão do Espírito Santo. A ressurreição de Cristo e o dom do Espírito são a prova do êxito do projeto de Deus como mistério de Aliança. Mas a pergunta permanece, a saber: como podemos inferir disso a existência de um mistério nupcial interno à Trindade?
Podemos chegar a isso relendo em termos mais explicitamente nupciais as relações intratrinitárias que se desenvolvem na economia da salvação. De fato, o mistério da encarnação consiste na geração do Filho na carne pela mediação do Espírito Santo; esta geração expressa-se por parte do Filho como obediência de amor ao Pai até a morte de Cruz, de onde Cristo ressurge dos infernos em virtude do Beijo de Ressurreição que recebe do Espírito do Pai, como Amor nupcial que confirma sua Filiação divina em sua carne ressuscitada (Rm 1, 4) e tornando-a capaz de disseminar o Espírito de vida sobre toda carne. O momento da processão do Espírito na Trindade imanente corresponde ao momento da ressurreição na economia da salvação: o Cristo ressuscitado é o Esposo humano-divino que sai vitorioso da câmara nupcial; uma vez que a geração do Filho na carne chega ali ao seu término, na fecundidade recíproca do Pai e do Filho que co-espira o Espírito de Amor na economia da salvação; primeiro, na carne do Cristo ressuscitado e, através dele, em toda a humanidade redimida, convertida Nele e por Ele em interlocutor fecundo do mistério da Aliança. Com outras palavras, o evento da encarnação como mistério de Aliança é a tradução perfeita, na economia, do mistério nupcial da Trindade imanente. A ordem das processões trinitárias é respeitada no sentido que a geração do Filho precede e torna possível a processão do Espírito, que se realiza precisamente como um selo nupcial no connubium histórico e escatológico de ambas as naturezas de Cristo em sua vida-morte-ressurreição. Esta efusão íntima e fecunda do Amor trinitário na encarnação do Filho culmina na Eucaristia, mistério nupcial por excelência de Cristo e da Igreja.
Depois desta visão geral do plano divino, devemos nos concentrar na figura do Espírito que se torna o grande protagonista da encarnação do Amor trinitário após a ressurreição de Cristo, mas de acordo com o seu próprio modo de ser, que é de comunhão. É por isso que ele é o grande ator e animador da resposta da Igreja Corpo e Esposa de Cristo ao dom da comunhão trinitária. Como na Trindade imanente, sua ação na economia é comunional e mais precisamente nupcial e maternal. Ele dá a Vida divina, começando com a maternidade divina da Virgem Maria que acompanha prolongando-a em sua maternidade espiritual na Cruz e no Pentecostes [22]. O Espírito também doa a estrutura hierárquica da Igreja como a representação de Cristo Cabeça e Esposo a serviço da comunhão do Povo de Deus, que ele enriquece ainda com múltiplos dons e carismas. Ao fazê-lo, o Espírito manifesta-se como Aquele que dá a vida divina, unindo e distinguindo, sempre salvaguardando as diferenças para que a união seja de comunhão e não de uniformidade. Como na Santíssima Trindade, onde a Pessoa do Espírito coroa a unidade divina, a Tri-Unidade, consagrando a diferença absoluta das Três Pessoas trinitárias. Cada uma é Pessoa de acordo com seu próprio modo, mas sempre consubstancial com os Outros no Amor absoluto. Não há três Pessoas idênticas e uniformes na Santíssima Trindade, mas três Pessoas cuja propriedade pessoal realiza uma maneira de ser Amor em Deus completamente diferente, mas na unidade da mesma natureza: o Amor paterno, o Amor filial e o Amor nupcial.
Detenhamo-nos agora no arquétipo da maternidade em Deus que a Tradição tende a situar também no Espírito Santo. De fato, Ele é confessado no Credo como aquele que “dá a vida” e é descrito na Sagrada Escritura como estando perto da Mulher, seja da Virgem Maria em todo o seu mistério, desde a Anunciação até o Pentecostes e a Assunção, seja da Esposa do Apocalipse com quem deseja o retorno do Senhor Jesus (Ap 22, 17). Esta proximidade do Espírito e da Mulher não é como a de um Esposo, mas é ainda mais íntima, como o “Nós” em Quem se cumpre o mistério nupcial, apesar da inadequada opinião medieval do Espírito como o Esposo da Virgem. O Espírito não é aquele que desposa; Ele é Aquele em Quem e por (para) Quem os esponsais do Verbo de Deus e da humanidade se realizam no seio da Virgem Maria. O Espírito medeia esses esponsais enquanto amor nupcial e maternal que transmite a semente do Pai e que conjuga as duas naturezas do Verbo encarnado no ventre virginal de Maria, gratificando-a ao mesmo tempo com seu “Sim” imaculado e sem reservas à Palavra divina. Portanto, o Espírito cumpre ativamente o mistério da encarnação como Pessoa-comunhão que age a serviço do Pai e do Filho e prossegue essa mediação nupcial ao longo da encarnação do Verbo até o seu mistério pascal.
É maravilhoso contemplar esta mediação nupcial do Espírito que inspira e acompanha, em paralelo assimétrico, a obediência de Jesus ao seu Pai e a disponibilidade ilimitada de Maria à Palavra de Deus. Esta perfeita comunhão na obediência de amor consuma-se ao pé da Cruz, quando o Filho e a mãe sofrem conjuntamente a paixão de amor pelo sacrifício redentor. Ao recolher o último suspiro de seu Filho crucificado – prelúdio da efusão do Espírito – a Virgem Imaculada é elevada pelo Espírito à dignidade de Esposa do Cordeiro imolado e Mãe da Igreja. Sua nova maternidade eclesial no Espírito transcende, pois, a relação Mãe-Filho segundo a carne, assim como em Deus a fecundidade nupcial do Espírito transcende a relação Pai-Filho e lhe confere uma nova dimensão. O Espírito Santo fecunda continuamente esta maternidade de Maria-Igreja através da economia sacramental, especialmente na celebração do mistério pascal, onde ele procede à efusão eucarística do Verbo encarnado que, acolhida na fé da Igreja, a constitui como Corpo e Esposa de Cristo. Daí vem a denominação de Ecclesia Mater, que está vinculada à sua participação íntima na propriedade nupcial-maternal do Espírito do Pai e do Filho.
Devemos, todavia, voltar ao Espírito na Trindade imanente para identificar mais de perto essa dimensão materna de sua pessoa e de sua ação ad intra e ad extra. Estando o “Nós” constituído pela reciprocidade assimétrica, mas perfeitamente consubstancial do Pai e do Filho, o Espírito deixa entrever sua dimensão maternal pelo refluxo de Amor nupcial que enriquece ativamente as outras duas Pessoas (espiração ativa-passiva), mas de modo subordinado, por causa do primado das Outras duas (a ordem das processões), o que não afeta de modo algum a igualdade perfeita dos Três fundada sobre sua tripla consubstancialidade. Por isso, no plano da linguagem, a preposição “em”, que geralmente acompanha a menção do Espírito Santo, seja na oração litúrgica da Igreja, seja na expressão teológica do seu mistério. De fato, o Deus Uno e Trino é Amor que declina assim seu mistério: Amor tri-pessoal que procede do Pai através do Filho no Espírito, uma Vida eterna em perpétuo intercâmbio, cujo fluxo e refluxo constituem seu mistério infinito como Deus semper maior. Este acontecimento de Amor paternal, filial e nupcial que é a Trindade imanente pode ser vislumbrado na economia da salvação, onde as Pessoas divinas revelam seu mistério nupcial íntimo em suas relações de aliança em Cristo e Maria-Eclesia, com cada pessoa humana e com a humanidade em seu conjunto.
Isso é assim porque o Espírito Santo possui em Si mesmo a Vida que procede do Pai pelo Filho. Ele a possui como recebida passivamente-ativamente dos outros dois e adicionando a isso por sua propriedade pessoal, uma nova fecundidade nupcial e materna que é de comunhão, de vida nova, de liberdade cada vez maior no Amor. Esse é o motivo pelo qual o papel do Espírito ad intra e sua atividade ad extra na Igreja e no mundo trazem o sinal da harmonia, da unidade na diversidade, da liberdade e da gratuidade, da fecundidade que merece seu título de Glória como Amor nupcial e maternal. Santo Irineu escreve: “Lá onde está a Igreja, ali está o Espírito de Deus; e lá onde está o Espírito de Deus, ali está a Igreja e toda a graça” [23]. Portanto, também a obra de santificação e de glorificação que opera na economia da salvação aparece em perfeita conformidade com sua personalidade trinitária. Daí a beleza da Igreja-Comunhão que vem da kénosis eucarística do Verbo encarnado, como personalidade feminina animada pelo Espírito, e sua figura de Esposa e mãe; disso não resulta que o Espírito Santo seja a sua hipóstase exclusiva, porque ele é o “Nós” que contém em si o Amor do Pai e do Filho, constituindo assim juntos a Igreja como Sacramentum Trinitatis. O Espírito Santo trinitário, kenótico como as outras duas Pessoas das quais procede, esconde-se pessoalmente no coração do mistério nupcial de Cristo e da Igreja e garante que a unidade da Igreja seja constituída pela unidade trinitária do Pai, do Filho e do Espírito Santo, conforme o expressa de maneira acertada o Concílio Vaticano II (LG 4) [24].
As reflexões anteriores tentaram integrar a herança de Agostinho sobre o Espírito como Amor mútuo e a de Ricardo de São Vitor sobre o condilectus, recorrendo à analogia nupcial e familiar que se encontra em Gregório Nazianzeno e Boaventura, assim como na exegese contemporânea sobre a Imago trinitatis. A originalidade da nossa posição está centrada nesta especificação nupcial que permite ao mesmo tempo salvaguardar a unidade divina como Amor e valorizar a imagem de Deus no homem e na mulher como dom recíproco fecundo de amor na família e na sociedade.
Nesta perspectiva, a dignidade e o papel da mulher reaparecem extraordinariamente fortalecidos, à luz do seu fundamento relacional na Santíssima Trindade. Este fundamento está bem estabelecido, parece-me, na processão do Espírito Santo (espiração ativa-passiva) que se manifesta como Amor nupcial irredutível à fecundidade própria do Amor paternal e filial. A novidade do Espírito de Amor reflui, como dissemos, sobre a fecundidade paternal e filial e confere-lhe uma nova dimensão que justifica o recurso à simbologia nupcial e familiar para explicar as incomensuráveis riquezas das relações trinitárias e afirmar, consequentemente, a verdade do fundamento arquetípico da mulher no Espírito Santo no seu jogo de relações com o Pai e o Filho. Se o próprio da mulher é dar recebendo (esposa) para ser ativamente fecunda (mãe) na mesma medida em que ela recebe, então, não é ela a imagem e, de certo modo, a participação, e do Filho que espira o Espírito na recepção do que ele é do Pai e o dom que ele lhe dá, e do Espírito Santo que também “vive e enriquece” esse movimento triplo de recepção, doação, fecundidade? O modo de amar da Virgem Maria, tão intimamente ligado ao Espírito, manifesta-se na sua disponibilidade imaculada ao Pai (esposa) e no serviço incondicional ao Filho (mãe) que o Espírito Santo concebe em seu seio virginal e que o acompanha ao longo de sua jornada de encarnação [25]. O arquétipo da mulher como esposa e mãe no Espírito Santo fundamenta-se, portanto, nessas relações trinitárias recíprocas que conhecemos pelo mistério da encarnação. Esta conclusão baseia-se, como vimos, na exegese contemporânea da imagem de Deus como Imago Trinitatis e no desígnio de Deus como mistério de Aliança interpretado com a simbologia nupcial, que é a mais clara e adequada à Bíblia.
Qual é a importância dessas conquistas para a dignidade da mulher e para as consequências eclesiais e sociais concretas que legitimamente deveriam ser extraídas?
Primeiramente, a identificação do arquétipo relacional da mulher na Trindade confirma de imediato sua dignidade de imagem de Deus como pessoa, mulher, esposa e mãe. Isso também confirma os valores do amor, do matrimônio e da família, assim como as vocações virginais sobrenaturais, que recebem um forte apoio teológico e espiritual.
Em segundo lugar, seu vínculo privilegiado com o Espírito Santo, e no Espírito com o Filho eterno e encarnado, configura sua originalidade relacional e sua maneira de amar como mulher que acolhe, consente, responde e surpreende por sua resposta duplamente fecunda, natural e sobrenatural, assimétrica, original, procriadora, irredutível a qualquer outro modelo que não seja sua modalidade pessoal de amar como Deus ama.
Em terceiro lugar, a mulher é confirmada fortemente em seu papel de esposa e mãe, sem limitar-se a esses papéis, uma vez que sua feminilidade aberta floresce em diversos níveis e tonalidades que ultrapassam o núcleo familiar para todas as esferas de atividade e influência, particularmente no campo da vida consagrada. Disso decorre sua contribuição única e insubstituível para o mundo do trabalho, da saúde, da atividade social, caritativa e política, na ciência, nas artes e na filosofia, na teologia, na profecia e na mística, etc., onde a sua personalidade e seus múltiplos carismas naturais e sobrenaturais podem ser desenvolvidos e contribuir para o Reino de Deus e para o bem comum da sociedade e da Igreja.
Em quarto lugar, não é preciso dizer que a partir desta base teológica e assinalando a falta de integração da mulher segundo sua própria vocação e suas potencialidades, a nível social e eclesial, assim como a nível pastoral e missionário, torna-se necessária uma vigorosa promoção da mulher em todos os níveis (incluindo a confirmação de sua vocação de esposa e de mãe!) e requer-se uma luta paciente e perseverante para favorecer a liberdade de ação e de vivência de acordo com seus carismas, sua vocação e missão, que são irredutíveis aos esquemas culturais patriarcais ou matriarcais veiculados nas diferentes sociedades.
Em quinto lugar, a teologia em geral, e particularmente a teologia da mulher, exigem uma escuta atenta e sem preconceitos da teologia das mulheres, uma contribuição desconhecida, mas já disponível na Tradição, que a Igreja reconhece simbolicamente através da declaração de algumas delas como “doutoras da Igreja” [26], com a esperança de que esses gestos simbólicos incentivem a participação das mulheres em todos os níveis da produção filosófica, teológica e mística.
Em suma, o modo de ser e de amar da mulher comporta qualidades indispensáveis para o progresso da Igreja e da sociedade. Com efeito, sua pessoa se desenvolve de maneira exemplar e fecunda devido à sua disponibilidade nativa à vontade do Pai e a serviço da Palavra de Deus no Espírito. A mulher coloca-se e reconhece-se do lado do Verbo que é segundo, proferido, engendrado e fecundo em troca de seu amor consubstancial ao Pai, que é “mais” que filial em virtude do Espírito que ele espira na dependência do Pai. Por conseguinte, a participação da mulher na dimensão nupcial e maternal do Verbo e do Espírito, que se manifesta na sua maneira de amar, recebida e auxiliadora, mas igual em dignidade e duplamente fecunda.
Sua forma de amar, terna, compassiva, envolvente e fecunda é irredutível ao modelo masculino do amor, mais intrusivo e pontual, esporádico e planejado, assim como a psicologia masculina mais unívoca, particularmente na forma de administrar as relações sociais e a influência cultural, política ou espiritual. A diferença feminina não precisa ser apagada pelo modelo masculino, que precisa ser complementado pelas qualidades indispensáveis da feminilidade, da maternidade e da fecundidade múltipla e diversificada da mulher, sob pena de cair em uma dominação injusta que provoca o antagonismo do homem e da mulher, ao passo que são chamados à comunhão.
Finalmente, à luz da Sagrada Família, imagem por excelência do mistério da Trindade e da Igreja, a figura da mulher adquire em Maria uma realização sem precedentes de perfeição humana e sobrenatural, em virtude de seu verdadeiro matrimônio, vivido em relações humanas autênticas e virginais, mas não assexuadas, com Jesus e José. Nela, esta superação da sexualidade conjugal natural não implica em nenhum desprezo de seu valor, mas apenas o seu prolongamento para o nível superior da fertilidade sobrenatural dos sexos no seio de relações virginais [27]. José não foi diminuído em sua sexualidade por não ter engendrado Jesus; pelo contrário, foi enriquecido e fortalecido em sua paternidade putativa natural-sobrenatural por uma qualidade incomparável de relações virginais, em humilde correspondência com o mistério de Jesus e de sua mãe.
Nesse sentido, quem não percebe a importância dessas considerações para a promoção da vida consagrada em todas as suas formas na Igreja? Porque as vocações sacerdotais e religiosas expressam a fecundidade própria do Espírito Santo na Igreja Esposa dotada por Ele de variados carismas a serviço da comunhão e da missão. Estas vocações gratuitas e virginais, vividas em comunhão com o Esposo eucarístico, demonstram por sua fidelidade e fecundidade virginal, juntamente com a família, igreja doméstica, que o Evangelho de Deus Amor responde plenamente a todas as aspirações do coração humano a partir do centro de gravidade “sacramental-escatológico” do mistério nupcial de Cristo e da Igreja. Não haveria neste aprofundamento teológico um recurso precioso para superar a controvérsia em torno do ministério ordenado reservado aos varões? E para reanimar a chama no coração de tantas mulheres em busca de uma vocação, onde a resposta não seja apenas um serviço social ou profissional, uma carreira qualquer, ou mesmo um serviço desinteressado pelos mais pobres, mas o fascínio do Amor divino simplesmente, um Amor filial, nupcial e maternal, que enche o coração, a alma e o espírito de alegria e de paixão pela evangelização do mundo.
O que mais podemos acrescentar como conclusão a essas reflexões teológicas para ressaltar a importância do “mistério” da mulher e de sua indispensável contribuição para a vida social e eclesial? Dada a proximidade do Espírito e da mulher no desígnio divino da criação e da encarnação da graça; dada a participação íntima e insuperável da Virgem Maria nas relações trinitárias recíprocas do Verbo e do Espírito, não deveríamos reconhecer esse “mistério” da mulher qualificando de “ministérios sagrados”, sem conotações clericais de qualquer tipo, suas múltiplas funções e papéis femininos na sociedade e na Igreja: esposa e mãe, inspiradora e mediadora, redentora e reconciliadora, ajuda e companhia indispensável para o homem em qualquer tarefa e responsabilidade social e eclesiástica? Que se sobressaia a escuta, a abertura, a reparação de injustiças e a valorização dos carismas femininos por parte de todos e todas e, em particular, por parte das autoridades civis e religiosas, para que se reconheça e integre mais e melhor a diferença feminina!
É compreensível, então, que a Igreja Católica, desde a imensa graça do Concílio Vaticano II, tenha travado uma luta decisiva e permanente pelo respeito à diferença dos sexos em todos os lugares e em todos os níveis, seja no âmbito do trabalho, do matrimônio e da família ou no do ministério ordenado, e continua a fazê-lo, mesmo sozinha, contra toda a “colonização ideológica” (Papa Francisco) que pretende anular a diferença sexual na cultura e, portanto, a figura original da mulher, em nome de uma antropologia livre de todos os vínculos transcendentes. O tema da mulher é tão importante hoje em dia que requer que a Igreja e a sociedade façam um investimento colossal de pensamento e ação, para iluminar corretamente as escolhas da sociedade e para permitir que a imagem de Deus no homem e na mulher, na dor e no desejo de comunhão, alcance a divina semelhança do Amor sem a qual não há nem felicidade possível para a humanidade, nem sociedade digna deste nome.
[1] Cf. Ruolo delle donne nella Chiesa. Atti del simposio promosso dalla Congregazione per la Dottrina della Fede, Roma 26-28 de setembro de 2016, LEV.
[2] Papa Francisco: “Estou convencido da urgência de proporcionar espaços para as mulheres na vida da Igreja e de acolhê-las, tendo em conta as sensibilidades culturais e sociais específicas e modificadas. Por conseguinte, é desejável uma presença feminina mais difundida e incisiva nas comunidades, para que possamos ver muitas mulheres participantes nas responsabilidades pastorais, no acompanhamento de pessoas, famílias e grupos, assim como na reflexão teológica” (Discurso aos participantes da Plenária do Pontifício Conselho para a Cultura, 7 de fevereiro de 2015).
[3] Cf. Louis Bouyer, Mystère et Ministères de la femme, Aubier Montaigne, 1976 (Tradução espanhola: Misterio y ministerios de la mulher, Fundación Maior, 2014). Pode ser considerado como um ensaio de justificação teológica da posição da Igreja sobre a questão do ministério ordenado reservado ao homem, anterior à declaração Inter Insigniores de 1976.
[4] Cf. Marc Ouellet, Divine ressemblance. Le mariage et la famille dans la mission de l’Église, Ed. Anne Sigier, 2006, p. 35-58.
[5] Homilia na Eucaristia realizada em Puebla de los Ángeles (28 de janeiro de 1979): AAS 71, (1979), p. 184.
[6] Papa Francisco, Exortação Apostólica Amoris Laetitia, n. 11; ver também n. 71.
[7] Hans Urs von Balthasar, La Gloire et la Croix. I. Apparition, Aubier 1965, p. 488 (Tradução espanhola: Gloria. Una estética teológica I. La percepción de la forma, Ed. Encuentro, 1985, p. 513). Cf. também Adriana von Speyr, Teología de los sexos, Ed. San Juan, 2018.
[8] Blanca Castilla de Cortázar, “Mujer y teología: la cuestión de la imagen de Dios”, em Arbor, vol. 192, n. 778, 2016.
[9] Cf. Mary Healy, Women in Sacred Scriptures: New insights from exegesis, em Ruolo delle donne nella Chiesa, op. cit., 43-54: “The New Testament thus provides abundant evidence that both in the ministry of Jesus and in the early church women were present not only as disciples but also as initiators and leaders who actively participated in the ministry of the gospel in a variety of ways”, p. 53.
[10] Cf. João Paulo II, Carta Apostólica Mulieris Dignitatem, n. 6-8. “O ser pessoa significa tender à própria realização, que não se pode alcançar ‘senão por um dom sincero de si mesmo’. O modelo dessa interpretação da pessoa é o próprio Deus como Trindade, como comunhão de Pessoas. Dizer que o homem é criado à imagem e semelhança deste Deus também significa que o homem é chamado a existir ‘para’ os outros, a tornar-se um dom”, n. 7.
[11] L. Bouyer, Mystère et ministères de la femme, op. cit. p. 41-42.
[12] Cf. meu livro Dans la Joie du Christ et de l'Église. Au cœur d'Amoris laetitia: intégrer la fragilité. Parole et Silence, 2018, 119s.
[13] O Catecismo da Igreja Católica expressa-o em termos que enfatizam os limites da analogia: “Deus não é de modo algum à imagem do homem. Não é nem homem nem mulher. Deus é puro espírito, não havendo nele lugar para a diferença dos sexos. Mas as ‘perfeições’ do homem e da mulher refletem algo da infinita perfeição de Deus: as de uma mãe (cf. Is 49, 14-15; 66, 13; Sl 131, 2-3) e as de um pai e esposo (cf. Os 11, 1-4; Jr 3, 4-19)”, n. 370.
[14] Ver o excurso “Image et ressemblance de Dieu”, em Hans Urs von Balthasar, La Dramatique Divine. Les personnes du drame. 1. L'homme en Dieu, Lethielleux, 275-290; et 318-334; 355-359 (Tradução espanhola: “Imagen y semejanza de Dios. Excursus 3”, em Teodramática 2. Las personas del drama: El hombre en Dios. Ed. Encuentro, 1992).
[15] Cf. M. Ouellet, Divine ressemblance, op. cit., p. 56-58.
[16] Deus disse: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança, e que ele domine sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos e os répteis da terra”. “Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou”.
[17] Francis Martin, “Male and Female He Created Them: A Summary of the Teaching of Genesis Chapter One”, em Communio International Review, 20 (1993), 247.
[18] Ib., 258. Ver também: Claus Westermann, Genesis I-II, A Comentary, Minneapolis, Augsburg Publishing House, 1984, p. 147-161 e especialmente p. 157-158.
[19] Depois, da costela que tirara de Adão, Deus modelou uma mulher e disse: “Esta sim, é osso de meus ossos e carne de minha carne! Ela será chamada ‘mulher’, porque foi tirada do homem” (Gn 2, 22-23).
[20] Régine Hinschberber, “Image et ressemblance dans la tradition sacerdotale”, em RSR 59 (1985), p. 192.
[21] Para um desenvolvimento mais amplo, cf. M. Ouellet, Divine ressemblance, op.cit., p. 43-48.
[22] Isso explica a superioridade do “princípio mariano” sobre o “princípio petrino” na comunhão da Igreja que Balthasar desenvolve em: Le Complexe antiromain, Apostolat des Éditions, 191-235 (Tradução espanhola: El complejo antirromano, BAC, 1971). A estrutura ministerial, por mais importante que seja, está fundada sobre a instituição por Cristo e sobre o Amor envolvente da Mãe que constitui, no Espírito Santo, a identidade fundamental da Igreja como Esposa, na qual se inscreve a representação ministerial-petrina do Esposo, em dependência e a serviço do “ministério” mais fundamental do amor, que a Virgem Mãe e toda mulher encarnam em sua própria pessoa.
[23] Santo Irineu de Lyon, Adversus Heareses, III, 24. 1.
[24] É de se observar o aspecto kenótico do Espírito que a Escritura expressa através dos símbolos universais da água, do fogo e do vento, assim como pelos símbolos sacramentais da unção e da transubstanciação do pão e do vinho no Corpo e Sangue de Cristo (epiclese). Este caráter “fluido” de sua Pessoa parece contrastar com o caráter mais definido e preciso do Amor paternal e filial, mas, na verdade, ele leva à plenitude a expressão do Amor trinitário comum às Três Pessoas como desapego de si mesmo, efusão bem-aventurada de si mesmo, como Amor cuja felicidade reside em não ser para si.
[25] Referimo-nos aqui ao que foi dito acima sobre o mistério de Maria, mãe do Verbo Encarnado, que o Espírito Santo fecunda de dentro e acompanha até elevá-la à dignidade da Esposa do Cordeiro imolado, tornando-se por ele e com ele, em sua total dependência, co-espiradora do Espírito sobre toda a posteridade eclesial e, portanto, Mãe da Igreja. O que a piedade popular expressa nesse sentido através de Maria, mediadora de todas as graças, fundamenta-se precisamente neste mistério trinitário-nupcial dado em participação.
[26] Paulo VI deu o primeiro passo declarando, em 1970, Catarina de Sena e Teresa de Ávila doutoras da Igreja. Em seguida vieram Teresa do Menino Jesus (1997) e Hildegard de Bingen (2012).
[27] Cf. Hans Urs von Balthasar, La Dramatique Divine II, op. cit., p. 361-2.
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Cardeal Oullet pede um “investimento colossal de pensamento e ação” na inclusão da mulher na Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU