Por: Por João Vitor Santos | Edição Patricia Fachin | 04 Março 2018
Há mais de cinco anos o Brasil exporta animais vivos para abate e o auge dessa prática ocorreu entre 2013 e 2014, “quando as exportações de gado em pé somaram 1,3 milhão de animais embarcados para venda”, informa o biólogo Frank Alarcón na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line. Segundo ele, de acordo com dados do Ministério da Indústria, Comércio e Serviços, no ano passado “a exportação de gado vivo atingiu um total de 400,66 mil animais exportados — um volume 41,9% maior que aquele registrado no ano de 2016” e os principais compradores do gado brasileiro foram Turquia (55,2% do total), Egito (13,29%), Líbano (9,6%) e Jordânia (9,5%).
Embora esse percentual possa parecer elevado, Alarcón diz que ele é pequeno se comparado com o percentual de gado abatido para sustentar o consumo interno. “Por razões estratégicas que visam conquistar o mercado do sudeste asiático e a demanda mundial órfã de animais para abate provenientes da Austrália, maior exportador de animais vivos do planeta, a exportação de animais vivos do Brasil caracteriza-se por ser um pequeno percentual do total de animais produzidos para execução em todo o território nacional. No Brasil são mortos anualmente cerca de 7,6 milhões de bovinos a cada trimestre — algo como um animal por segundo”, diz.
Na entrevista a seguir, o biólogo também chama atenção para as condições de “maus-tratos” a que esses animais são submetidos durante o processo de exportação. “O transporte de animais (seja ele rodoviário ou marítimo) está intrinsecamente ligado à prática de maus-tratos. Animais são transportados em caminhões de um ou dois andares, abarrotados de animais (para economia de transporte, número de veículos e combustível), em viagens extenuantes de centenas de quilômetros desde seu local de quarentena ou criação, em pé, sem que possam comer ou ingerir líquidos de forma adequada”, relata.
A fiscalização desse processo também é realizada de forma inadequada e obscura. “Como amplamente veiculado no ano de 2017, a Polícia Federal demonstrou um gigantesco esquema de emissão de certificados sanitários falsos para os principais frigoríficos do Brasil, os quais não envolviam a afetiva fiscalização dos materiais e instalações”, relembra. E adverte: “O abate tanto institucionalizado como aquele realizado clandestinamente em todo o país alimenta toda uma cadeia monstruosa de ilicitudes jurídicas, ambientais, sanitárias e, sobretudo, éticas. (...) Enquanto frigoríficos e suas holdings estão envolvidos no financiamento obscuro de agentes e bancadas parlamentares do Poder Público, de processos envolvendo lavagem de dinheiro e fuga de divisas, do transporte de drogas pela malha rodoviária ou mediante pistas de pouso em gigantescas fazendas, pela destruição e desmatamento do Cerrado e de áreas amazônicas, pela morte de ambientalistas e representantes indígenas, pela prática de regimes trabalhistas análogos à escravidão, pela contaminação de lençóis freáticos e fluviais com antibióticos e subprodutos do abate animal — para citar apenas alguns fatores já amplamente registrados pelos veículos jornalísticos —, a forma como animais são tratados e mortos é, para a sociedade civil, um aspecto de baixo interesse”.
Frank Alarcón | Foto: Arquivo Pessoal
Frank Alarcón é graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp, mestre em Físico-Química pela Universidade de São Paulo – USP e doutor em Bioética e Ética Aplicada pela Universidade Federal Fluminense – UFF. É biólogo do Instituto Luisa Mell e coordenador no Brasil da Cruelty Free International. É também porta-voz do Partido ANIMAIS, o Primeiro Partido Animalista da América Latina. É vegano, militante dos direitos animais há mais de três décadas.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Em fevereiro deste ano, um navio carregado de bois vivos que ia rumo à Turquia foi retido pela Justiça no Porto de Santos. O episódio revelou as situações de maus-tratos a que são expostos esses animais destinados à exportação. O caso de Santos é um fato isolado ou isso é recorrente no Brasil?
Frank Alarcón - A exportação por via marítima de animais vivos para abate tendo como origem o Brasil é prática que ocorre há mais de cinco anos. Seu auge ocorreu recentemente entre 2013 e 2014 quando as exportações de gado em pé – terminologia popular dada para esta operação – somaram 1,3 milhão de animais embarcados para venda. Nesse período, o destino principal de compra foi a Venezuela. O processo de embarque e exportação desses animais ocorre tradicionalmente em três regiões e portos do país: em Barcarena no nordeste do Pará, no Porto do Rio Grande no Rio Grande do Sul e mais recentemente, após um intervalo de vinte anos em que não se fazia esta operação, nos portos de São Sebastião e Santos no estado de São Paulo. A distribuição dessas regiões de embarque e exportação busca atender o deslocamento dos animais por via terrestre desde seus centros de criação até os pontos de partida marítima já mencionados.
Em outubro de 2015, durante a realização da CPI dos Maus-Tratos a Animais instalada na Câmara dos Deputados, o presidente dessa comissão, deputado federal Ricardo Izar, foi pessoalmente à região do porto de Vila do Conde no Pará verificar os imensos impactos causados pelo naufrágio da embarcação “Haidar” com 5 mil animais confinados — todos eles morreram afogados em função desse acidente. Em 2017, segundo dados do Ministério da Indústria, Comércio e Serviços, a exportação de gado vivo atingiu um total de 400,66 mil animais exportados — um volume 41,9% maior que aquele registrado no ano de 2016. No ano de 2017, os principais compradores foram a Turquia (55,2% do total), Egito (13,29%), Líbano (9,6%) e Jordânia (9,5%).
IHU On-Line - Por que o Brasil aposta na exportação de animais vivos? Quais os limites desse negócio?
Frank Alarcón - Por razões estratégicas que visam conquistar o mercado do sudeste asiático e a demanda mundial órfã de animais para abate provenientes da Austrália, maior exportador de animais vivos do planeta. A exportação de animais vivos do Brasil caracteriza-se por ser um pequeno percentual do total de animais produzidos para execução em todo o território nacional. No Brasil são mortos anualmente cerca de 7,6 milhões de bovinos a cada trimestre — algo como um animal por segundo. Não entram neste cálculo os abates de outros animais como aves, porcos, equinos, asininos, ovinos, peixes etc. Somados todos esses números, as cifras que envolvem mortes de vulneráveis são assustadoras.
Exportar animais vivos atende mercados e segmentos bem específicos, os quais buscam adquirir carne barata e pertencente a raças determinadas (em função das características da carne desses animais), onde os compradores não possuem a infraestrutura e logística necessária para armazenar e distribuir carne resfriada e congelada em seu território, onde há o desejo do comprador de recompor seu rebanho comercial de criação e abate por motivos diversos, onde o comprador deseja que o abate seja realizado próximo ao local onde as carnes extraídas do animal serão vendidas e consumidas, ou em situações em que o abate tenha que obedecer procedimentos litúrgicos específicos de caráter religioso (abate Halal ou abate Kosher, por exemplo).
Este é um negócio que é limitado pela logística de operação: criação, transporte (rodoviário e marítimo), fiscalização, subsídio ou baixa tributação do processo do governo federal. Na medida em que esses custos são reduzidos ou facilitados pelo Poder Público, não há limites para o crescimento desse setor que muito agrada produtores de animais os quais passam a dispor de mais uma possibilidade de comércio dos animais confinados e criados para futuro assassinato.
IHU On-Line - Como assegurar que animais que são exportados vivos não sejam vítimas de maus-tratos? De que forma é feita essa fiscalização hoje e como avalia esse trabalho de inspeção?
Frank Alarcón - Não há como fazê-lo uma vez que o transporte de animais (seja ele rodoviário ou marítimo) está intrinsecamente ligado à prática de maus-tratos. Animais são transportados em caminhões de um ou dois andares, abarrotados de animais (para economia de transporte, número de veículos e combustível), em viagens extenuantes de centenas de quilômetros desde seu local de quarentena ou criação, em pé, sem que possam comer ou ingerir líquidos de forma adequada, sujeitos a acidentes diversos em função da velocidade atingida pelos caminhões, frenagens, curvas, estradas com problemas estruturais etc, expostos às suas próprias fezes e urina por todo o trajeto.
A prática de embarque desses animais nos veículos de transporte é comumente feita sob regime de muito estresse para os animais provocado pelos vaqueiros/boiadeiros, não raro munidos de equipamentos chamados de picanas elétricas, os quais são usados para desferir choques nos animais para que entrem nos veículos ou não se deitem no assoalho dos mesmos — o que diminui espaço dos outros animais em pé e favorece que os demais possam cair uns sobre os outros, potencialmente provocando fraturas e feridas, o que, aos olhos do vendedor e do comprador, inviabiliza o “produto” comercializado. A fiscalização é feita da forma mais inadequada e obscura possível — anedoticamente denominada ‘Fingilância Sanitária’ —, uma vez que envolve todos os interessados na manutenção desse processo: os vendedores, os profissionais veterinários e zootecnistas contratados — seja pelo comprador, pelo vendedor ou pelos órgãos governamentais interessados na manutenção desse negócio gerador de receita e tributos —, os operadores dos portos, e os fiscais dos países que recebem os animais — processos esses não acessíveis à qualquer auditoria independente e transparente por parte da sociedade civil.
Como amplamente veiculado no ano de 2017, a Polícia Federal demonstrou um gigantesco esquema de emissão de certificados sanitários falsos para os principais frigoríficos do Brasil, os quais não envolviam a efetiva fiscalização dos materiais e instalações. Esta investigação ficou conhecida como “Operação Carne Fraca”. Não é de se esperar que a fiscalização de transporte de animais vivos para abate no exterior seja diferente. De fato, a inspeção judicial federal realizada pela médica veterinária que ingressou no Navio Nada para vistoriar os mais de 25 mil animais embarcados é amparada em longo registro em vídeo e fotos. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – Mapa emitiu parecer contrário, alegando excelentes condições de confinamento. Nas palavras do diretor do departamento de saúde animal do Mapa, Guilherme Marques, “os animais [estão sendo monitorados] com relatórios diários do comandante e estão ótimos”.
IHU On-Line - Qual a realidade do transporte de animais vivos dentro do Brasil, especialmente feito por caminhões em rodovias?
Frank Alarcón - Animais são criados para abate em múltiplas regiões do país. O processo de encaminhamento desses animais, seja aos frigoríficos, seja a outros sítios de criação, seja aos portos para exportação, é feito majoritariamente pela malha rodoviária. É de amplo conhecimento a precariedade dessa rede de comunicação veicular em todo o país. Além dos maus-tratos inerentes ao próprio transporte de animais — confinamento com restrição de movimentos, exposição à insalubridade e agressões deliberadas —, não raro os mesmos veículos que transportam animais nessas condições são precariamente inspecionados. Essa obscuridade fiscalizatória favorece inclusive o transporte de outros produtos ilícitos que alimentam o mercado do tráfico de drogas. Em recente fiscalização realizada pela Polícia Federal em 21 e 22 de fevereiro de 2018 na BR-153, no trecho entre Araporã e Uberlândia, aproximadamente 400 quilos de cocaína e pasta base foram encontrados em fundos falsos de caminhões boiadeiros ou escondidos nas fezes animais ali deliberadamente acumuladas.
IHU On-Line - Organismos de defesa dos direitos dos animais vêm sempre questionando as formas de abate no país. O quanto se avançou seja na legislação ou na fiscalização para que o abate de animais para consumo humano não seja sinônimo de ainda mais sacrifício?
Frank Alarcón - Não houve qualquer avanço. Mesmo que houvesse leis nesse sentido, elas são pouco úteis se a fiscalização é inexistente ou corrompida. O abate tanto institucionalizado como aquele realizado clandestinamente em todo o país alimenta toda uma cadeia monstruosa de ilicitudes jurídicas, ambientais, sanitárias e, sobretudo, éticas. A completa falta de transparência, não somente do abate em si como de toda a cadeia de produção, é um ponto evidente de todo esse processo. Contudo, enquanto frigoríficos e suas holdings estão envolvidos no financiamento obscuro de agentes e bancadas parlamentares do Poder Público, de processos envolvendo lavagem de dinheiro e fuga de divisas, do transporte de drogas pela malha rodoviária ou mediante pistas de pouso em gigantescas fazendas, pela destruição e desmatamento do Cerrado e de áreas amazônicas, pela morte de ambientalistas e representantes indígenas, pela prática de regimes trabalhistas análogos à escravidão, pela contaminação de lençóis freáticos e fluviais com antibióticos e subprodutos do abate animal — para citar apenas alguns fatores já amplamente registrados pelos veículos jornalísticos —, a forma como animais são tratados e mortos é, para a sociedade civil, um aspecto de baixo interesse. Mesmo porque, parte expressiva da população prefere manter-se em sua zona de conforto, consumindo pedaços de cadáveres três vezes ao dia, ignorando deliberadamente o que há por trás da cadeia de exploração e morte de vulneráveis.
Cada real gasto em uma fatia de carne, embutido, ou em uma caixa de leite ou ovos, financia toda essa cadeia, seu empresariado e os partícipes dos crimes cometidos. Frigoríficos (antigamente denominados explicitamente ‘matadouros’ — o nome diz tudo) são estruturas ocultas para a sociedade. E ela de alguma maneira contribui para que fique assim, haja vista que a consciência dói. O ponto principal e indiscutível de toda a prática de produção e abate animal é que não há jeito certo de matar aquele que não quer morrer. E este é o caso dos milhões de animais que são mortos a cada segundo para alimentar o capricho gustativo de milhões de brasileiros.
IHU On-Line - Além do abate, a criação de animais para produção de alimento também pode ser feita sob condições de maus-tratos. Qual é a realidade do Brasil hoje e como evitar que esses maus-tratos ocorram?
Frank Alarcón - É preciso primordialmente entender que animais não podem ser vistos ou tratados como se fossem um ingrediente, um objeto, um produto, uma coisa, e assim, como se fossem um alimento. O fato de historicamente ou culturalmente isso ter sido assim um dia, em nada qualifica a prática hoje como pétrea ou imutável. Há um par de décadas, práticas hoje controversas eram algo cotidiano dentro do imaginário popular e visível no dia a dia da sociedade. Está claro que práticas e compreensões devem mudar na medida em que há mais esclarecimento e transparência sobre o que determinadas ações envolvem. Daí a fundamental necessidade de transparência no diálogo e na exposição dos bastidores de ações que colocam vulneráveis como objetos.
Para que evitemos a ocorrência e perpetuação de maus-tratos é preciso, antes de mais nada, reconhecer que animais são indivíduos não humanos dotados de uma complexidade cognitiva e psíquica em nada inferior a diversas categorias da nossa própria espécie. Na medida em que aceitamos e aplicamos ao nosso dia a dia aquilo que parcelas da comunidade científica já reconheceram em função da vasta quantidade de evidências empíricas disponíveis, maus-tratos contra animais passarão a ser considerados absurdos e ilegais — ocorram eles em qualquer forma que possa ser imaginada.
IHU On-Line - Quais os limites do chamado agronegócio?
Frank Alarcón - Os limites da causação de dano ao próximo, considerados aqui todos os personagens sencientes — humanos e não humanos — envolvidos nessa rede de consequências. Assim como famílias e empreendedores desejam produzir receita e alcançar com ela produtos e serviços que por ventura achem necessário, não é absolutamente razoável que a dignidade e integridade física e psíquica do indivíduo (humano ou não humano) e o meio ambiente coletivo em que todos estamos inseridos, sejam ignorados no cálculo da pertinência moral de uma determinada ação — neste caso, as práticas do agronegócio. A clássica e rasa cantilena de geração de empregos, tributos e benefícios econômicos não pode impor-se à fundamental e necessária manifestação de respeito ao outro. Explorar a balança comercial de um país ou de uma comunidade não pode e não deve ser algo que se sobreponha aos princípios éticos mais basilares que milhares de anos do processo civilizatório nos fizeram entender, isto é, o respeito ao outro, a prática de uma justiça de caráter coletivo e social, a proteção do vulnerável independente da espécie e a expansão do círculo de consideração moral a todo aquele que seja indivíduo deste coletivo biológico planetário.
IHU On-Line - Como conceber uma agricultura e um pecuária que não sejam sinônimo de degradação do meio ambiente e maus-tratos, mas que sejam eficientes na produção de alimento?
Frank Alarcón - Não há como uma Pecuária ter algum tipo de conciliação com a ausência de maus-tratos ou não causação de danos diversificados ao meio ambiente. Na medida em que a produção animal é dependente de grande volume de animais para que haja rentabilidade (e com isso grandes áreas de confinamento) além do consumo de vários insumos para aumentar massa proteica ou lipídica animal e evitar enfermidades (tais como antibióticos, hormônios, vacinas) ou extrair desses animais derivados (ovos, leite, couro, lã etc.) de interesse comercial, a logística inerente à manipulação de grande quantidade de indivíduos está intrinsecamente ligada à geração de dejetos que precisam ser neutralizados ou convertidos (fezes, urina e os gases e fluidos metabólicos oriundos desses descartes e animais). A produção animal, portanto, está inerentemente ligada à subjugação de animais em diferentes graus de crueldade — todos inaceitáveis quando considerado o volume do seu mercado consumidor.
No tocante à Agricultura, a qual atualmente é amplamente dependente de agrotóxicos de amplo espectro e periculosidade ambiental, é preciso migrar para modelos semelhantes à Agroecologia ou Agricultura Sintrópica. Estas são práticas integrativas de plantio e colheita que visam aproveitar as características naturais das regiões do plantio e das diferentes espécies vegetais comercialmente interessantes visando potencializar o desenvolvimento de suas safras na medida em que são cultivadas de forma harmonizada. Para um planeta com mais de 7,6 bilhões de humanos comensais, mais importante que volume de produção é a qualidade da produção, sempre tecnologicamente amparada, e a justa distribuição e venda dos excedentes produtivos que são usados, às toneladas, para alimentar os animais que são mortos para capricho humano.
IHU On-Line - Quais os maiores desafios para quem quer fazer um consumo consciente no Brasil? E como superar esses desafios?
Frank Alarcón - Entendido o consumo consciente como aquele que produza o mínimo impacto ambiental, sanitário e social, integrado a práticas eticamente aceitáveis, devemos considerar o Vegetarianismo Estrito como a melhor e mais urgente solução possível no campo da alimentação. Além do âmbito alimentar, o veganismo, o qual pode ser entendido como uma maneira de viver que busca excluir, na medida do possível e praticável, todas as formas de exploração e crueldade contra animais seja para a produção de alimentos, roupas, cosmética, entretenimento e qualquer outro propósito, deve ser colocado em prática.
Estas práticas dialogam primordialmente com um esclarecimento ético acerca da importância que existe em considerar os interesses do outro em nossa forma de agir e decidir. Além disso, de forma colateral, o veganismo dialoga de forma positiva com os atuais debates acerca de mudança climática, esgotamento de recursos, produção de dejetos poluentes, distribuição de renda de forma mais justa, resgate de práticas ambientalmente e socialmente mais equilibradas. Como é de amplo conhecimento, consumir vegetais, além de ser de fácil adesão em termos de aquisição de produtos — basta ir à feira ou ao supermercado para ter acesso a um grande repertório de ingredientes vegetais —, envolve dispêndio monetário reduzido. A ciência mostra com amplo volume de dados como o vegetarianismo é clinicamente saudável e recomendável, não tornando em nada um vegetariano estrito mais débil em termos nutricionais que um atleta olímpico.
Por outro lado, o consumidor precisa conscientizar-se de que, cada vez que escolhe para qual serviço, produto ou empresa ele destina seu dinheiro, ele indica aos empreendedores que este negócio deve seguir alimentando as prateleiras dos supermercados. Assim, o consumo consciente é aquele onde o consumidor tem papel ativo e determinante sobre aquilo que é produzido e colocado à venda. Com a atual aproximação do consumidor daquele que produz, via redes sociais e internet, há uma concreta possibilidade de conscientização e cobrança sobre as empresas atuantes no mercado.
IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?
Frank Alarcón - Animais não são coisas. São entes dotados de complexa visão de mundo, interesses próprios, subjetividade e individualidade profundas, inacessíveis ante nosso atual conhecimento científico. A “Declaração de Cambridge sobre a Consciência de Animais” tornada pública em julho de 2012 deixa claro que “(...) o peso das evidências indica que os humanos não são os únicos a possuir os substratos neurológicos que geram a consciência. Animais não humanos, incluindo todos os mamíferos e as aves, e muitas outras criaturas, incluindo polvos, também possuem esses substratos neurológicos”. Ignorar isso e agir de forma contrária a essa e tantas outras informações é manifestar incoerência no discurso diário de muitas pessoas por um mundo de paz, justiça, respeito, acolhimento e não violência. A coerência é o melhor cartão de visitas.
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O abate de animais no Brasil alimenta uma cadeia monstruosa de ilicitudes jurídicas, ambientais, sanitárias e éticas. Entrevista especial com Frank Alarcón - Instituto Humanitas Unisinos - IHU