17 Novembro 2017
O resultado mais importante da assembleia plenária dos bispos americanos esta semana em Baltimore é que eles, enquanto grupo, permanecem determinados a resistir ao ímpeto e à abordagem pastoral aos quais o Papa Francisco chama a Igreja. Da mesma forma como o Papa João Paulo II levou anos para conduzir esta Conferência Episcopal a uma direção mais conservadora, os bispos que defendem Francisco precisarão de mais alguns anos ainda antes de terem os votos para conduzir a Conferência em um novo sentido.
A reportagem é de Michael Sean Winters, publicada por National Catholic Reporter, 15-11-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Isto esteve claro na decisão inédita deles em escolher Dom Joseph Naumann, de Kansas City, para presidir a Comissão para Atividades Pró-Vida – preterindo o cardeal-arcebispo de Chicago Blase Cupich. No intervalo após a votação, um dispo disse: “Foi como eleger Donald Trump. Naumann dirá coisas que vão envergonhar a todos nós”.
No entanto, os bispos votaram nele, não em Cupich, sabendo que estariam enviando uma mensagem clara a Francisco.
O National Catholic Register publicou um relatório, feito pela Catholic News Agency, que diz que a escolha de Naumann fora “vista como um apoio à abordagem da ‘cultura da vida’, de São João Paulo II”, mas, é claro, em um discurso aos bispos americanos em 1993, este mesmo São João Paulo II empregou a frase “ética consistente da vida”. O Register há tempos tenta apresentar João Paulo II como se este fosse um neoconservador americano, sendo que, na verdade, ele foi uma figura mais complexa do que isso.
Nenhuma das demais eleições mostrou a divisão dentro dessa Conferência Episcopal com tanta clareza como esta eleição. No ano passado, Dom Timothy Broglio, da Arquidiocese para os Serviços Militares, derrotou por 39 votos o bispo de San Diego Dom Robert McElroy na corrida para coordenar a Comissão para Justiça e Paz Internacional. Este número acabou sendo interpretado como a margem existente entre os que se encontram animados com Francisco e os que não gostam muito de seu jeito de ser.
Este ano, a margem entre Naumann e Cupich foi de apenas 14 votos, porém há alguns comentários a se fazer sobre este dado. Em primeiro lugar, alguns bispos que podem não simpatizar com Cupich e com a ética consistente da vida podem ter votado nele mesmo assim, pelo desejo de preservar a tradição de ter um cardeal à frente daquela comissão. Da mesma forma, ninguém, incluindo a mim, sabe exatamente o que dizer do fato de que só 178 bispos dos 215 elegíveis votaram. Por que tantas abstenções?
Outra dinâmica dentro da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos surgiu no curso das sessões públicas. Como observado anteriormente, a imigração se tornou quase um tema tão proeminente quanto o aborto para a grande maioria dos bispos. No entanto, as lideranças da Conferência não demonstraram nenhum senso de urgência, apesar dos ataques muitifacetados contra os imigrantes vindos do governo Trump.
Por exemplo, durante o debate sobre imigração, Dom Michael Sheehan, arcebispo emérito de Santa Fe, no Novo México, perguntou se o corpo dos bispos poderia emitir uma nota de apoio aos imigrantes no curso da assembleia. O Cardeal Daniel DiNardo, de Galveston-Houston, foi um estraga-prazeres, primeiramente observando que eles haviam aprovado uma pauta e que este tema não constava nela.
Depois de o arcebispo de Cincinnati, Dom Dennis Schnurr, salientar que o presidente sempre pode alterar as regras para acrescer uma moção, DiNardo falou que, ao invés disso, ele poderia emitir, mais tarde, uma nota em nome de todo o corpo episcopal.
Não sei se DiNardo simplesmente não entende como funcionam as comunicações, e que uma declaração de todo o corpo dos bispos, reunidos, tem mais força do que uma declaração simples do presidente da Conferência. Mas a falta de senso de urgência no tema – após seis anos ouvindo que o céu estava caindo e que os nossos direitos, expressos na Primeira Emenda, corriam perigo por causa de um artigo relativo à contracepção – foi revelador e perturbador.
Cupich quebrou o gelo em um tema que os bispos talvez relutem a admitir: na defesa dos imigrantes, os prelados precisam começar com o seu próprio rebanho. Pesquisas mostram que uma minoria significativa de católicos apoia Trump, não apesar de sua postura anti-imigratória, mas por causa dela.
“Também precisamos ter um chamado à conversão do nosso povo, pois há algo de errado quando eles começam a aceitar aquela retórica venosa que gera uma visão bastante distorcida”, disse Cupich. “Há algo de errado em nossas igrejas, onde o Evangelho é proclamado e, no entanto, as pessoas deixam os nossos cultos, as nossas missas nos finais de semana, com aquela retórica ainda ecoando no coração delas”.
Mesmo assim, a rede de tevê católica EWTN e outros meios de comunicação conservadores continuam dando espaço a formadores de opinião contrários à imigração, como Laura Ingraham. Ninguém irá chamar a atenção dessas pessoas?
Naquela mesma discussão sobre imigração, alguns marcadores foram deixados para o debate do ano que vem sobre o “Forming Consciences for Faithful Citizenship”, documento quadrienal sobre as responsabilidades cívicas dos católicos na hora de votar.
McElroy destacou os limites do termo “mal intrínseco” quando aplicado à política, observando que nenhuma peça legislativa, mesmo uma peça escandalosa, é tecnicamente um mal intrínseco. Outros bispos apontaram para o perigo de se confundir a ideia de juízo prudencial com um passaporte gratuito para escapar da prisão.
Este diálogo incluiu alguns bispos conservadores, portanto prevejo que, para o próximo ano, os prelados irão jogar fora a versão atual do citado documento em sua totalidade e começarão um novo, a partir do zero.
Um dos destaques da assembleia veio durante a discussão sobre o racismo. Dom Wilton Gregory, arcebispo de Atlanta, notou que havia várias declarações emitidas pelos bispos ao longo dos anos, mas que este é um tema que exigirá mais do que palavras. Irá demandar ação também.
Esta sua intervenção recebeu uma rodada rara de aplausos espontâneos. Mas que ações serão realizadas? Não vejo DiNardo se engajando em desobediência civil.
A discussão pública sobre o racismo foi real e fantasiosa ao mesmo tempo. Dom George Murry, de Youngstown, Ohio, discutiu o trabalho da Comissão ad hoc Contra o Racismo, e ele e o restante dos bispos pareceram verdadeiramente chocados com o que o país testemunhou em Charlottesville, no estado de Virgínia, quando racistas saíram às ruas e expuseram o seu ódio em público. O Cardeal Joe Tobin, de Newark, Nova Jersey, falou enfaticamente sobre a necessidade de reconhecer o sofrimento intenso de muitos membros da comunidade negra como um resultado do racismo sistêmico.
Mas, olhando ao redor do salão, tenho a sensação de que cerca de dois terços dos bispos ignoraram os dizeres racistas do candidato Trump durante a campanha eleitoral e votaram nele mesmo assim, pois este prometia acabar com o artigo relativo à contracepção. Nenhum dos bispos deve ser racista, mas não vejo o racismo se tornando uma prioridade desta Conferência Episcopal.
Ao apresentar o relatório da Comissão para os Leigos, o Matrimônio, a Vida em Família e os Jovens, Dom Richard Malone, de Buffalo, Nova York, pediu que os bispos aprovassem o desenvolvimento de um plano pastoral para ministério do matrimônio e da vida em família à luz de Amoris Laetitia. Foi bonito ver alguém finalmente mencionar este documento.
O bispo auxiliar de Los Angeles Dom Robert Barron elogiou o plano, observando que a discussão pública e na imprensa do documento havia se focado demais no Capítulo VIII, que lida com as situações irregulares, tendo sido dada uma atenção insuficiente para a riqueza das outras partes do texto.
Certamente os bispos, como grupo, desejam não precisar lidar com este documento, mas sabem que não podem ser vistos como se estivessem ignorando um documento do magistério, muito menos como se estivessem ao lado do Cardeal Raymond Burke em oposição aberta ao papa. O diabo está nos detalhes: Quem via elaborar o plano pastoral? Quais teólogos serão consultados?
Um outro indicativo da direção da Conferência dos Bispos dos EUA virá na sessão executiva de hoje e que será fechada para a imprensa. Nela, os prelados irão escolher quatro delegados para o Sínodo dos Bispos sobre a juventude a acontecer no próximo ano. Eles buscarão uma delegação balanceada? Será que irão se arriscar e escolher somente bispos que se encontram no lado da resistência?
Na conclusão do discurso presidencial de DiNardo na segunda-feira pela manhã, expressei a esperança de que a Conferência dos Bispos Católicos dos EUA possa estar virando uma página, abraçando a visão de Francisco de um modo mais pleno, reconhecendo que a abordagem das guerras culturais enfraqueceu a Igreja e a nossa cultura.
No momento em que as sessões públicas terminaram na tarde de terça-feira, percebi que eles não estão prontos para virar esta página. Uma maioria dos bispos ainda se mantém firme nesse quesito, vestindo suas armaduras de guerreiros culturais, indo à caça de fantasmas e desperdiçando a oportunidade de revigorar a Igreja que o pontificado de Francisco desfruta.
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Os bispos americanos, enquanto grupo, ainda resistem ao ímpeto pastoral do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU