20 Abril 2017
Adélia Karolynne acena ansiosa, sem sucesso, para os poucos táxis que passam pelo ponto de ônibus em uma avenida crucial da pobre zona oeste de Fortaleza nesta caótica quarta-feira em que parte dos cerca de quatro milhões de habitantes da zona metropolitana ficaram sem serviço de ônibus. Ao menos 16 ônibus foram atacados por criminosos em ações que levaram as empresas de transporte público a suspender a circulação à tarde e em plena hora de pico.
A reportagem é de Flávia Marreiro, publicada por El País, 20-04-2017.
Desde o trabalho em um curso de inglês no bairro rico da Aldeota, a universitária Karolynne já havia pegado uma carona, uma topic (perua) superlotada e agora rezava para aparecer um taxista que topasse levá-la os dez minutos restantes de trajeto que, mesmo curto, ela não tinha coragem de fazer a pé. "O Uber está dando 40 reais quando dá seis, no máximo. Estou indignada com o empregador que só disse que daria transporte depois das 21h e com esse Governo que não põe policiamento suficiente. Não tem nada nesta rua, só parada de ônibus. Não tenho coragem de andar nem em dias normais", diz ela, num depoimento comum na cidade campeã no país no número de mortes por armas de fogo segundo o Mapa da Violência 2016, que compila dados de dois anos antes.
Foi nesse cenário já tenso pelo cotidiano de violência que começaram as ações contra os ônibus que deixaram um dos motoristas dos veículos com ferimentos graves _ele não corre risco de morte, segundo as autoridades estaduais. Os ataques que se espalharam por oito bairros da periferia foram reivindicados em bilhetes supostamente assinados GDE (Guardiões do Estado), uma das facções presentes nos presídios cearenses. Umas das mensagens exigia a transferência imediata de detentos do Complexo Privação Provisório de Liberdade 2 ou, do contrário, novos ataques "parariam" o Ceará. O texto ameaça ainda explodir a Assembleia Legislativa e imprimir um mês de terror enquanto outro reclamava de que os presos estavam sendo alvo de maus tratos.
A situação só começou a se normalizar, e ainda assim com metade da frota escoltada por viaturas e dois helicópteros, perto das 21h. O secretário de Segurança do Ceará, André Costa, disse que, apesar das mensagens, era cedo para determinar quem havia comandado os ataques, mas não descartava facções de presídios dado histórico de ataques semelhante em outros Estados. Segundo ele, seis pessoas foram presas suspeita de ligação com as ações. Costa, considerado linha-dura e com apenas poucos meses no cargo após nomeação pelo governador Camilo Santana (PT) em janeiro, prometeu não recuar: "O Estado não vai recuar nossa estratégia de atingir o crime, seja ele organizado ou não, com mais operações", disse. "A Segurança Pública está no rumo certo e esses pequenos obstáculos acontecem diante de toda a estratégia montada."
De acordo com reportagem do G1, que cita uma fonte anônima da Secretaria de Segurança do Ceará, os ataques ao ônibus foram uma reação à mudança de rotina em um presídio no qual os detentos, antes livres no pátio, passaram a ter que ficar em suas celas, além de transferências de presos.
O panorama cearense é complexo. Apesar dos números de violência, no ano passado, a capital cearense viveu uma espécie de "paz" nas periferias imposta pelo pacto entre facções criminosas nacionais, o PCC e o Comando Vermelho, que tentavam disciplinar grupos locais para evitar canibalização e potencializar o lucro com tráfico de drogas. O acerto se rompeu a nível nacional no fim de 2016 e teve reflexos nas sangrentas rebeliões do sistema prisional no começo deste ano. Agora há o temor que ele também se desfaça regionalmente. Junte-se a isso a ação de grupos locais, como o GDE, e o majoritário número de presos provisórios no sistema superlotado.
"Ter mais presos provisórios aumenta a instabilidade do sistema. Há muitos que não sabem por quanto tempo ficam", diz Patrícia Sá Leitão, supervisora das Defensorias Criminais de Fortaleza, que pondera que apenas ostensividade e repressão, sem políticas de inclusão social, não vão trazer soluções duradouras. "Soa manjado, mas ninguém faz esse enfrentamento. O sistema penitenciário e muito sensível. Se se quebra algumas das zonas de conforto das pessoas envolvidas, mexe no sistema como um todo", afirmou Leitão.
O caos da quarta-feira está sendo considerado um dos principais reveses até agora para o secretário Costa, delegado da Polícia Federal de carreira que começou a gestão em janeiro com ações duras e controvérsias. Uma delas foi a instituição de mandados coletivos de busca e apreensão em áreas periféricas, que, na prática, acabavam sendo revistas por perímetro, revistando suspeitos e não suspeitos diretos de ligação com atividades ilícitas. Outra polêmica da estreia foram suas declarações criticadas por supostamente incitar o abuso da força policial: "Para o bandido a gente oferece duas coisas: se ele quiser se entregar, a gente oferece a justiça. Se ele quiser puxar uma arma, como foi feito ontem contra nosso policial, a gente tem o cemitério para oferecer a ele", disse o secretário em janeiro.
Na espera pelo ônibus que não viria na zona oeste de Fortaleza nesta quarta, a diarista Solange Leite, de 53 anos, era só angústia: "A gente está à mercê dos bandidos. Quem manda são eles. Tem que ter mais cadeia."
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Um dia de caos em Fortaleza após ataques tirarem ônibus de circulação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU