O Mapa da Violência dá vistas às realidades de violência das mulheres e dos jovens por suicídio, homicídio por cor/raça e acidentes de transporte. Dada a relevância do tema e a importância de análise desta realidade para uma intervenção, o Observatório da realidade e das políticas públicas do Vale do Rio dos Sinos – ObservaSinos, programa do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, acessou os dados do Mapa da Violência de 2008 a 2013 traçando um quadro sobre a realidade da violência no Vale do Sinos.
A morte de jovens no Vale do Sinos
A morte de jovens é questão de saúde pública, violação dos direitos humanos, de sofrimento irreparável aos familiares e amigos, e é um impeditivo para que a juventude consiga usufruir dos avanços sociais e dos direitos de contribuir para o desenvolvimento do país. Levando em conta estas situações, a Secretaria Nacional de Juventude da Secretaria-Geral da Presidência da República e a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial promoveram o Mapa da Violência: Os Jovens do Brasil, que apresenta dados de homicídio por cor/raça, suicídio e acidente de transporte dos jovens de 5.565 municípios brasileiros. A última versão, publicada em 2015, contempla os dados do ano de 2008 a 2012. Reúne informações dos jovens entre 25 e 29 anos de idade, adequando ao novo conceito de juventude definido a partir da aprovação do Estatuto da Juventude em 2013.
Segundo o Mapa da Violência 2012, os homicídios são hoje a principal causa de morte de jovens no Brasil, atingindo especialmente negros do sexo masculino, moradores das periferias e áreas metropolitanas dos centros urbanos. Os dados mostram que mais de 30 mil jovens foram vítimas de homicídio no país. Os dados apontam para o crescimento em quase todos os anos analisados, com destaque para o ano de 2012, quando houve um aumento de mais de 2,6 mil casos em relação a 2011. No Rio Grande do Sul, o número de mortes por homicídio de jovens foi de mais 1,1 mil.
Conforme a Tabela 1, em 2012, 294 jovens foram vítimas de homicídio no Vale do Sinos, sendo o ano que apresentou o maior número de casos na região. Apenas os municípios de Novo Hamburgo e São Leopoldo foram responsáveis por mais de 68% dos casos. Entre 2009 e 2011, quatro municípios do Vale do Sinos não registraram casos de homicídios: Araricá, Campo Bom, Canoas e Dois Irmãos.
Julio Jacobo Waselfisz, em entrevista ao IHU On-line, apontou dois fenômenos para esse acontecimento: um estrutural e outro institucional. O primeiro fator é por razões econômicas, pois a renda dos brancos é 70% superior à dos negros. Essa disparidade de renda não reflete apenas no acesso à segurança privada, mas também à educação, saúde e previdência. O segundo fator apontado pelo sociólogo é estrutural: ‘’há um interesse estatal dos governos de politizar a segurança no sentido de prevenir possíveis reveses nessa área. A mídia, por sua vez, quando noticia a morte de um branco abastado, faz isso com muita ênfase, e quando se trata da morte de um negro da favela, não noticia, porque deixou de ser notícia, já que morrem negros todos os dias. A própria mídia colabora para que haja um segundo processo de seletividade: os bairros brancos têm de ter segurança, porque há um interesse político de que a segurança tenha um impacto na opinião pública, enquanto nos bairros negros não há nenhuma segurança, porque ela está concentrada nos bairros abastados. Isso pode ser chamado de racismo estrutural que segrega economicamente o negro e pouco permite acesso a benefícios sociais básicos’’.
A Tabela 2 mostra que 50 negros foram vítimas de homicídio no Vale do Sinos. O município de Canoas concentra o maior número da população negra entre os 14 municípios da região. Desse modo, é responsável por quase 50% dos casos de homicídios de negros.
Os óbitos de jovens no trânsito são impactantes. Waselfisz destaca que o aumento de mortes de jovens no trânsito deve-se especialmente ao uso expressivo de motocicletas e aos limites da mobilidade urbana, sem resposta por meio de políticas públicas: “A filosofia da época era de que a motocicleta representaria algo como o automóvel do pobre. Junto a isso, tinha-se a intenção de resolver vários problemas urbanos, como os de mobilidade e do transporte do trabalhador. Ao invés de investir em transporte público, construir metrô e trem para sustentar o movimento econômico e a implantação de grandes indústrias no país, encontrou-se uma solução fácil: o transporte do trabalhador seria financiado pelo próprio trabalhador pela aquisição de motocicletas, sem a necessidade de construir grandes vias, viadutos e metrôs”, destaca.
No Vale do Sinos, 1.104 jovens morreram em acidentes de transporte. Conforme a Tabela 3, esses óbitos vêm se reduzindo de 2008 a 2012. Os maiores números estão nos municípios mais populosos da região, como Canoas (278); Novo Hamburgo (244) e São Leopoldo (217). Há municípios com população relativamente menor que apresentaram casos elevados: Esteio, Campo Bom e Sapiranga. Dos cinco anos analisados, somente em Nova Santa Rita não houve nenhum óbito no ano de 2012.
Segundo estatísticas da Organização Mundial da Saúde – OMS, tirar a própria vida já é a segunda principal causa de morte em todo o mundo para pessoas de 15 a 29 anos de idade. "Antes as taxas eram maiores na terceira idade. Hoje a gente observa que, entre os jovens, elas sobem assustadoramente", afirma a psiquiatra Alexandrina Meleiro. O Mapa da Violência aponta nessa mesma direção para o Brasil, onde somente em 2012 mais de 10,3 mil jovens cometeram suicídio.
O suicídio de jovens vem aumentando mais do que a morte por acidentes de trânsito e a de homicídios, com taxas de 4 a 6 vezes maior. Estima-se que ocorram 24 suicídios por dia. O número de tentativas é até 20 vezes maior que o de mortes, segundo o levantamento da OMS.
No Rio Grande do Sul esse número vem aumentando desde 2008 ao atingir, em 2012, 1,2 mil suicídios de jovens. Desses casos, 90 aconteceram no Vale do Sinos. Na região, novamente, os municípios mais populosos tiveram a maior quantidade de casos. Araricá e Nova Santa Rita apresentaram apenas um caso de suicídio de jovens entre 2008 e 2012, conforme a Tabela 4.
Esta realidade tem possibilidade de transformação. O psiquiatra Ricardo Nogueira, em entrevista ao IHU On-line, falou do perfil e do tipo de ajuda que este indivíduo necessita: “Quase 100% dos pacientes que foram a óbito através do suicídio procuraram ajuda uns seis meses antes. (...) O problema é que falta um treinamento, não só na área de saúde, mas na rede de segurança e educação”, destaca. Nogueira lamenta que a Internet, por exemplo, atrapalhe o processo de cuidado para com indivíduos com tendências suicidas. “Uma orientação seria, ao invés de suicídio, falar da promoção da vida. Mas há uma contradição, pois sempre, em qualquer situação, há um outro lado, que, neste caso, é o estímulo de algumas mídias, como a Internet, uma área muito perigosa”, garante. Há outra circunstância apontada pela Associação dos Genitores de Homossexuais, pois apenas 20% dos jovens aceitam a própria condição de homossexual, 22% pensam em atos de suicídio, e destes 5% efetivamente tiram a própria vida.
Homicídio de mulheres no Vale do Sinos
Após dez anos de sua promulgação, a Lei Maria da Penha é considerada pelos ativistas da igualdade de gênero como um modelo internacional. As estatísticas mostram aumento das denúncias da violência contra a mulher, que alcança mais de 330 mil denúncias nos primeiros seis anos. Assim, esses números podem ser justificados pela possibilidade do direito à denúncia, especialmente por meio do Disque 180 para denunciar agressões. Em 2006, época de promulgação da Lei, foram recebidas quase 3 milhões de ligações. Por outro lado, alguns especialistas analisam esse aumento pela implementação do conjunto das políticas públicas que contribuem para o empoderamento das mulheres, que possibilitou que elas criassem coragem para denunciar os casos de violência.
Existem, no entanto, alguns impedimentos para o enfrentamento às realidades de violência ainda vividas pelas mulheres. Especialistas afirmam que um dos impedimentos é o Judiciário, pois os casos são tratados com muita lentidão. Ainda, acrescentam que muitos juízes tratam da questão com machismo e preconceito, sempre priorizando tentativas de conciliações em situações de evidências de violência. "Há casos de mulheres que denunciam o agressor e esperam mais de seis meses por uma audiência, e o juiz ainda tende a ignorar a gravidade da denúncia e primar pela conciliação e a retirada da queixa. Sobretudo no Nordeste, vemos até o assédio de policiais contra as mulheres no momento da denúncia, quando elas estão fragilizadas", diz Márcia Tavares, pesquisadora do Observatório Lei Maria da Penha. Na mesma linha, a doutora em Sociologia e especialista em gênero Wânia Pasinato acrescenta que o Judiciário não está preparado para aplicar uma legislação de proteção às mulheres: "Eles veem apenas a dimensão criminal. O posicionamento de juízes e da segurança pública precisa ser modernizado. É necessário haver mais esforço, o que não está acontecendo. Muitos magistrados desconhecem totalmente a lei".
Essas considerações refletem no Mapa da Violência: Homicídio de Mulheres no Brasil, de 2015, com dados de 2009 a 2013. O levantamento averiguou, nos 5.565 municípios brasileiros, o número de homicídios de mulheres ocorridos entre 2009 e 2013. Segundo o estudo, o Brasil acumulou mais de 4,8 mil homicídios de mulheres no ano de 2013. Já o Rio Grande do Sul somou 210 casos nesse mesmo período.
Pasinato destaca ainda que existem limites nestes dados, já que há carência de informações oficiais sobre a morte das mulheres: “As estatísticas da polícia e do Judiciário não trazem, na maior parte das vezes, informações sobre o sexo das vítimas, o que torna difícil isolar as mortes de mulheres no conjunto de homicídios que ocorrem em cada localidade. Além disso, na maior parte dos países não existem sistemas de informações judiciais que permitam conhecer quantos processos judiciais envolvendo crimes contra mulheres chegam a julgamento e quais as decisões obtidas.”
A Tabela 5 sistematiza os dados sobre homicídios de mulheres no Vale do Sinos. O primeiro município da região a aparecer no levantamento é Canoas, com 42 homicídios de mulheres, seguido por São Leopoldo com 39 e Novo Hamburgo com 35. Entretanto, cabe destacar que os três municípios são os que mais possuem habitantes na região. Araricá e Ivoti são os únicos municípios do Vale do Sinos que, de 2009 a 2013, não tiveram nenhum homicídio contra as mulheres. Entretanto, municípios como Portão e Nova Hartz apresentaram um caso de homicídio.
Para reverter essa situação, o Estado do Rio Grande do Sul implementou em 2012 as Patrulhas Maria da Penha, numa ação da Brigada Militar para fiscalização do cumprimento de medidas protetivas determinadas judicialmente, assim como ação policial preventiva, para evitar reincidências e novas violências contra as mulheres [1]. De acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública - SSPRS, para o primeiro semestre de 2014, os crimes de lesão corporal, agressão, estupro e feminicídio tiveram redução média de 13%.
A capitã Isabele Evers, coordenadora regional de Porto Alegre da Patrulha da Penha, destaca que após a criação da Patrulha em seu Batalhão, a experiência foi estendida para outros pontos do Estado. No Vale do Sinos, quatro municípios até o ano de 2015 possuíam a Patrulha, atendendo Canoas, Esteio, Novo Hamburgo e São Leopoldo. "Os policiais são escolhidos através do seu perfil e realizamos um curso de capacitação. A partir daí, esses policiais passam a trabalhar exclusivamente na cobrança e na fiscalização das medidas protetivas a favor das mulheres em seus municípios. Então se criam as condições de acompanhar o cumprimento dessas medidas e a punição ao agressor de forma mais efetiva e com muito mais eficiência. Como a presença é constante, com viaturas identificadas (adesivadas), aquele vizinho de um agressor preso vai pensar duas vezes antes de cometer qualquer ato de violência contra as mulheres em sua residência. Acabou a sensação de impunidade", ressalta Isabele.
Foto: Claudio Fachel/Palácio Piratini |
O ObservaSinos acessou os dados para traçar um quadro sobre a realidade das mulheres na região do Vale do Sinos. Essa análise apresenta informações mais detalhadas sobre as notificações de violência contra as mulheres, podendo ser acessada aqui.
[1]Políticas já implementadas no Rio Grande do Sul: Observatório da Violência contra a Mulher, Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, Sala Lilás, Projeto Metendo a Colher e Programa de Acolhimento às Vítimas de Violência nas Delegacias de Polícia.
Por João Conceição e Marilene Maia