04 Agosto 2017
Pouco antes de ir para Jerusalém celebrar a Páscoa, diante de três dos seus discípulos, Jesus mostrou-se como um ser deslumbrante; “o seu rosto brilhou como o sol e as suas roupas ficaram brancas como a luz”, antecipando desta forma a sua ressurreição gloriosa. A glória de Deus não está presente apenas na esfera celeste, mas espalhava-se por todo o universo, desde a criação, e nos seus habitantes, vindo a culminar na pessoa de Jesus, revelador da glória do Pai.
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do Domingo da Transfiguração, do Ciclo A. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas
1ª leitura: “Sua veste era branca como a neve” (Daniel 7,9-10.13-14)
Salmo: Sl. 96(97) - R/ Deus é rei, é o Altíssimo, muito acima do universo.
2ª leitura: “Esta voz, nós mesmos a ouvimos, vinda do céu” (2 Pedro 1,16-19)
Evangelho: “O seu rosto brilhou como o sol” (Mateus 17,1-9)
"Meu Filho"
O relato da transfiguração deve ser lido em paralelo ao do Getsêmani (em Marcos 14,32-42, por exemplo): os discípulos são os mesmos, a oração de Jesus, as menções ao sono.
Encontramos nele numerosas alusões pascais: «o seu êxodo que se consumaria em Jerusalém», o medo dos discípulos, a nuvem tenebrosa, «a glória de Jesus»...
Dali em diante, ele vai de fato pôr-se a caminho de Jerusalém e da sua Paixão, quando tudo o que irá acontecer parecerá desmentir a qualidade de Filho de Deus de Jesus.
Este deslumbramento místico dos três discípulos, antecipando a glória da ressurreição, confirma-os que, apesar de tudo o que irá ocorrer, Jesus é mesmo o Filho amado.
Pedro, com a sugestão de instalar as tendas, manifesta que não está disposto a seguir para Jerusalém, como havia dito em Mateus 16,22: «Deus não o permita, Senhor! Isso jamais te acontecerá!». A segunda leitura (2 Pedro 1,12-19) será relida.
«Meu Filho»
Em Mateus 16, foi Pedro quem tinha qualificado Jesus de Filho de Deus. E Jesus havia respondido que esta palavra não vinha da ascendência humana de Simão, mas do próprio Pai, da mesma forma que aqui. Ninguém pode ir ao Filho, crer nele, se o Pai não o atrair (João 6,44 e 65).
Isto é importante: o Ser mesmo que funda o universo, e que está na origem da humanidade e de todas as coisas, Ele é quem nos designa Jesus de Nazaré, este homem de determinado país e de uma época determinada, como o seu Filho, a sua imagem, a sua presença entre nós; como aquele a quem devemos ir, para encontrá-Lo, a Ele, o Deus de tudo, de todos e de sempre.
Quando dizemos que Deus tem um Filho, queremos significar que Deus em Si mesmo é fecundidade, é geração de Si mesmo; e que nos uniremos ao «Pai-árvore» por seu fruto que, exatamente, é Ele mesmo, o Filho. O texto de Lucas diz: «Meu Filho, meu Eleito».
Estes dois termos, aplicados primeiramente a Israel, o povo escolhido, são à primeira vista contraditórios: não se escolhe o filho que se gera e, menos ainda, filho ou filha escolhem seus pai e mãe.
Em princípio, Deus não escolheu ter um Filho, nem ter este Filho determinado: se não fosse Pai, não seria nada; e se o Filho não fosse este aqui bem determinado, não seria a sua imagem. De fato, livremente, Deus é o que é. N’Ele, necessidade e liberdade não são contrárias.
E Jesus é de uma só vez Aquele que «sai d’Ele» e Aquele a quem Ele escolhe. Da mesma forma, os pais humanos devem escolher, devem adotar a criança que eles geraram. E deverão escolhê-la de novo, a cada vez, na medida em que vai se modificando. A mesma coisa vale para os esposos.
As três tendas
Erguer a tenda, como dissemos, significa parar a caminhada e instalar-se. Pedro não sabe o que está dizendo; quer permanecer ali, em vez de descer da montanha e pôr-se a caminho de Jerusalém, a cidade que vai matar o Cristo.
Transcrevo a seguir extratos da 2ª carta de Pedro, 1,13-18, sublinhando algumas palavras (vocês irão compreender o motivo): «Entendo que é justo despertar-vos com as minhas lembranças e admoestações, enquanto estou nesta tenda terrena, sabendo que em breve hei de despojar-me dela.» [...]
«Assim, farei tudo para que, depois da minha partida, vos lembreis sempre delas.» [...]
«Não foi seguindo fábulas habilmente inventadas que vos demos a conhecer o poder e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, mas, sim, por termos sido testemunhas oculares da sua majestade.» Temos pois aqui um outro relato da transfiguração.
Pedro fez progressos: já está vendo a glória lá na frente, no futuro, mas sabe que, para alcançá-la, tem de «deixar esta tenda», passando pela morte. Volto a dizer: este processo reproduz-se ao longo de nossas vidas, enquanto esperamos o grande «êxodo».
Moisés, Elias e o Filho
Moisés e Elias, a lei e os profetas, se cumpriram em Jesus, o Filho. Nele, por obra de sua Páscoa, encontraram aqueles o seu pleno sentido.
As velhas palavras da Bíblia não ficaram ultrapassadas: foram preenchidas até às bordas. Pedro, Tiago e João, futura Igreja, irão, a partir daí, assumir a sua vez.
Jesus aparece aqui como o centro da história. A liberdade de Deus pode fazer de nós filhos à imagem do Filho «por natureza».
No final, Jesus resta sozinho, e sempre o mesmo. Até a nossa própria ressurreição, temos de viver com a pobreza destas aparências.
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"Este é o meu Filho bem-amado" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU