29 Setembro 2025
O movimento tático de Donald Trump é claro: explorar essa tragédia para capitalizar seu projeto. Ele não está apenas visando a esquerda; ele pretende mesclar religião e política como a base ideológica que regerá seu governo.
A reportagem é de Bernardo Barranco V., publicada por La Jornada, 24-09-2025. A tradução é do Cepat.
O assassinato de Charlie Kirk e os eventos que se seguiram oferecem uma janela extraordinária para a política interna dos EUA e, acima de tudo, para as tendências atuais da extrema-direita estadunidense de entrelaçar religião e política.
Na mesma quarta-feira à noite, dia do ataque, no Congresso, o minuto de silêncio em homenagem a Kirk foi seguido por uma discussão que terminou em gritos entre legisladores, outro indicador de que as tensões partidárias permanecem altas. Muitos analistas alertam para um país dividido.
O assassinato do ativista ultraconservador Charlie Kirk durante um debate ao ar livre em Orem, Utah, enfureceu o presidente Donald Trump e altos funcionários do atual governo. Em uma mensagem de vídeo do Salão Oval, qualificou a morte de Kirk como um “momento sombrio para a América”. Em seguida, atacou e culpou a “esquerda radical” pelo ataque. Ele alertou que seu governo encontraria “todos aqueles que contribuíram para esta atrocidade e outros atos de violência política”.
Trump declara uma batalha cultural não apenas contra a esquerda estadunidense, mas também contra qualquer movimento secular que se desvie de sua postura ultraconservadora, chamada de “nacionalismo cristão”. Este é um conglomerado ideológico da extrema-direita religiosa que defende a primazia de Deus e do cristianismo na vida política, social e cultural dos Estados Unidos. Portanto, se opõe à separação entre Igreja e Estado e protege um país fundado por cristãos e com base em princípios cristãos.
De acordo com essa ideologia sociorreligiosa, os Estados Unidos estão perdendo sua fé e se afastando das igrejas, e, portanto, estão se desamericanizando. Ou seja, os Estados Unidos foram e devem se tornar novamente uma nação cristã. Dessa forma, negam as raízes iluministas da democracia estadunidense. Sem fé e igrejas, o país está perdido. Portanto, precisamos enfrentar o secularismo, as ideologias esquerdistas mergulhadas no wokismo, na lógica demográfica e no secularismo.
No funeral de Kirk, realizado diante de mais de 100 mil pessoas em um estádio de Phoenix, Arizona, Trump o chamou de “mártir das liberdades estadunidenses”, ressaltando os aspectos políticos e religiosos da cerimônia. A cerimônia ressaltou os aspectos políticos e religiosos de uma homenagem assistida por milhões de pessoas na televisão e na internet. Compararam Kirk a Santo Estêvão, o primeiro mártir cristão, e citaram a Bíblia; parecia mais uma cerimônia com conotações religiosas.
Charlie Kirk, um ativista de sucesso nos círculos juvenis da extrema-direita, fundou um movimento juvenil ultraconservador chamado Turning Point USA, algo como Momento Crucial, aos 18 anos. Foi um líder e mobilizou milhões de votos de jovens nas campanhas pró-Trump. Kirk era um cristão evangélico. A congregação cristã à qual pertencia é a Calvary Chapel Association, uma associação de igrejas evangélicas. Seu nacionalismo cristão defende o domínio absoluto da lei de Deus sobre a sociedade. A sociedade deve ser governada de acordo com as leis divinas e a vontade da lei bíblica. O movimento nacionalista cristão é autoritário e impositivo; é fundamentalista e defende a supremacia branca e o dominionismo.
Esta é a Teologia do Domínio, que pressupõe a penetração e a supremacia de Deus:
a) na política e no poder,
b) na educação,
c) na família,
d) na mídia e
f) na cultura.
Após o assassinato, o governo Trump desencadeou uma caça às bruxas contra jornalistas, dissidentes e cidadãos que ofereciam uma visão diferente dos eventos on-line. A pressão do governo, digna do velho macartismo, foi usada para suspender o programa de Jimmy Kimmel. Brendan Carr, presidente do órgão regulador das comunicações, sugeriu à ABC que demitisse o apresentador e que, caso contrário, o governo tomaria medidas. “Podemos fazer isso por meios justos ou injustos”, declarou ele, em tom de ameaça.
O pensamento político e religioso ultraconservador é mais diverso do que imaginamos. Tomemos, por exemplo, a posição da viúva de Charlie Kirk: “Eu o perdoo porque foi isso que Cristo fez. A resposta ao ódio é não odiar”. O perdão é um ensinamento central do cristianismo que promove a reconciliação. Donald Trump, no entanto, se distanciou dessa posição, expressando que odeia seus inimigos e não lhes deseja o bem.
O presidente despede Kirk como um mártir da democracia. O movimento tático de Donald Trump é claro: explorar essa tragédia para capitalizar seu projeto. Ele não está apenas visando a esquerda; ele pretende mesclar religião e política como a base ideológica que regerá seu governo.
A Teologia do Domínio, mais do que uma ideologia conspiratória, é uma fusão de várias teologias políticas cristãs conservadoras muito diferentes.
Trump precisa de aliados fortes e poderosos. Trump pretende se unir a movimentos evangélicos vigorosos para apoiar e legitimar seu governo.
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