20 Mai 2025
A guerra muda as feições das pessoas. Talvez porque mude o olhar, tornando-o perdido, talvez um pouco mais apagado, tornando os olhos menores e afundados. Pessoas que viram a guerra se reconhecem pelo olhar que às vezes se perde e pela capacidade de aguçar os ouvidos para escutar o que acontece ao longe.
O artigo é de Martina Marchiò, Diretor médico dos Médicos Sem Fronteiras (MSF) em Gaza, publicado por La Stampa, 16-05-2025.
Aqui em Gaza, as pessoas estão começando a ter olheiras, muitas se arrastam pelas ruas, algumas me olham fazendo um gesto com a mão como para levar algo à boca para indicar que precisam de comida. Muitas vezes abaixo o olhar, sentindo-me culpado, e então sorrio: "Desculpe! Desculpe, não tenho nada para lhe dar", digo em voz baixa. Quase sempre a pessoa compreende e sorri para mim. Como se pode ficar olhos nos olhos com alguém que está com fome e só gostaria de comer?
No mundo normal, aquele fora do muro, há uma quantidade infinita de comida. É estranho pensar que um simples muro possa ser decisivo para decidir quem vive e quem morre, quem fica de estômago cheio e quem vai morrer de fome. A maioria das cozinhas comunitárias fechou, assim como as padarias. Nas últimas duas semanas, nas clínicas dos Médicos Sem Fronteiras (MSF) na Cidade de Gaza, registramos um aumento de 32% no número de pacientes que sofrem de desnutrição.
O que é a dignidade de um ser humano quando nem mesmo as necessidades básicas do homem são respeitadas? Parece-me impossível que isso esteja acontecendo em 2025 na mais absoluta impunidade. Estes são dias de limbo, que me lembram o que aconteceu há um ano, enquanto estava no sul da Faixa de Gaza, durante minha primeira missão em Gaza com os MSF, no aguardo de descobrir que Rafah seria invadida. Há o mesmo sentimento de inevitabilidade e falsas promessas no ar, com um vislumbre de esperança que nos impulsiona a seguir em frente. No entanto, ninguém tem a força que tinha há um ano, nem as pessoas nem os hospitais, e todos seguem em frente, cansados, arrastando-se em direção a um futuro que se espera ser melhor.
Alguém me disse hoje: "Aconteça o que acontecer, aqui estamos acostumados a sempre nos levantar. Fizemos isso por décadas e o faremos de novo". Palavras de resiliência e força que, por um momento, me deram esperança. Ninguém pode saber o que vai acontecer; nos preparamos para vários cenários possíveis, na esperança de finalmente podermos escrever o fim desse horror que já dura há tempo demais.
À noite, após os ataques, há um silêncio surreal, nem mesmo uma luz nos prédios e nas tendas ao nosso redor. O silêncio é assustador, especialmente quando é quebrado pelo rugido de uma explosão um pouco mais perto. Então, aquele vestígio de esperança parece nos deixar e ficamos perdidos. Não há mais tempo, Gaza não tem mais tempo e o mundo precisa dar-se conta disso.