“O Ocidente caminha para a autodestruição com sua espiral militarista”. Entrevista com Fabian Scheidler

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26 Março 2025

Há cinco séculos, o mundo é dominado por um sistema que moldou as relações econômicas, políticas e culturais em escala global. Além de ser simplesmente um modelo econômico, o capitalismo funciona como uma máquina expansiva baseada na guerra, na pilhagem e na acumulação infinita de riqueza. Esta é a premissa central de El fin de la Megamáquina, publicado em espanhol por Icaria Editorial, onde Fabian Scheidler analisa a modernidade não só como um processo de desenvolvimento, mas como uma estrutura de poder que se mantém por meio da violência e do controle ideológico.

Em um momento de crescente militarização, crise ecológica e desmantelamento do Estado de bem-estar social, Fabian propõe uma leitura crítica do presente e abre o debate sobre que tipo de sociedade queremos construir para o futuro.

A entrevista é de Guillem Pujol, publicada por La Marea, 21-03-2025. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

Para começar, utiliza a metáfora do conceito ‘Megamáquina’ para descrever o sistema global imperante. Em termos gerais, poderia explicar em que consiste este conceito?

A Megamáquina é uma metáfora de um sistema social que emergiu há aproximadamente 500 anos e que hoje se manifesta no que chamamos de capitalismo. No entanto, o capitalismo não é só uma economia, mas um sistema que também é político, ideológico e militar.

Baseia-se em três pilares fundamentais: a acumulação infinita de capital, o que implica um ciclo interminável de lucros e reinvestimento; o Estado moderno, que não é uma entidade separada da economia, como às vezes se pensa, mas evolui junto com a acumulação de capital; e o poder ideológico, que é essencial para legitimar um sistema baseado na exploração e na violência.

Desde o início da modernidade, o Ocidente desenvolveu um mito de superioridade: no passado, falava-se da única religião verdadeira (o cristianismo), depois, da civilização versus barbárie, depois, de desenvolvimento e subdesenvolvimento, e hoje de “valores ocidentais”. Tudo isto serviu para justificar a colonização e o domínio global.

Em muitos aspectos, sua análise coincide com o marxismo e com a teoria do sistema-mundo de Wallerstein. Quais são as diferenças em seu enfoque?

Marx e Wallerstein são essenciais para entender o capitalismo e sua expansão global, mas eu tento ampliar seu enfoque incluindo elementos que, muitas vezes, são subestimados, como a cultura, a religião e a guerra. Marx falou da acumulação primitiva, como o cercamento de terras comuns, mas não tinha acesso a dados históricos sobre como o complexo militar-industrial foi fundamental no nascimento do capitalismo. Por exemplo, as armas de fogo, financiadas por banqueiros, desempenharam um papel fundamental na expansão colonial e na consolidação do poder dos Estados.

Além disso, embora Marx tenha criticado o imperialismo, ainda acreditava na superioridade do Ocidente. Considerava os impérios orientais como inerentemente violentos, algo que revela a influência de seu contexto histórico.

No livro, você fala de três “tiranias”: a do poder físico, a do poder estrutural e a do poder ideológico. Contudo, acrescenta uma quarta, que chama de tirania do pensamento linear. Em que consiste e como se manifesta hoje?

A tirania do pensamento linear é a ideia de que tudo na natureza e na sociedade opera sob um esquema de comando e obediência. Esse modelo surge em sociedades altamente hierárquicas, como os impérios mesopotâmico e egípcio, onde o poder se baseia em ordens que devem ser executadas sem questionamentos. Na modernidade, esta ideia se expandiu com a metáfora da natureza como uma máquina, o que levou à visão mecanicista do mundo na ciência moderna.

Assumiu-se que a natureza funciona como um relógio, com causas e efeitos previsíveis. Mas, hoje, sabemos que os sistemas vivos são complexos e imprevisíveis. A ideia de que podemos “controlar” a natureza resultou desastrosa, como se vê na agricultura industrial. Aplicamos agrotóxicos para erradicar certas espécies, mas destruímos a biodiversidade do solo. O paradoxo é que, em nossa tentativa de dominar a natureza, estamos destruindo nossa própria base de subsistência.

Isso me lembra, por oposição, o conceito de biosfera de Lynn Margulis. Podemos dizer que sua visão é uma alternativa à Megamáquina?

Com certeza. A biologia de sistemas e a teoria quântica desmantelaram o paradigma mecanicista. A vida não é uma máquina, mas um sistema de interações complexas. Escrevi outro livro a este respeito que ainda precisa ser publicado, onde exploro como precisamos mudar nossa forma de entender a realidade justamente sobre esta base.

Mencionou o papel do Estado no capitalismo. Como explica a afirmação do neoliberalismo de que almeja diminuir o Estado, ao passo que o utiliza para garantir o sistema?

É uma falácia pensar que o neoliberalismo busca desmantelar o Estado. O que realmente faz é desmantelar o Estado de bem-estar social, mas fortalecendo o aparato repressivo e militar. Desde os anos 1980, vemos um aumento da militarização em paralelo aos cortes em direitos sociais. A Alemanha, por exemplo, está realizando a maior militarização desde a Segunda Guerra Mundial, ao mesmo tempo em que corta o bem-estar social.

O Financial Times foi explícito: a Europa deve desmantelar seu Estado de bem-estar social e se tornar um Estado de guerra. Isto não é uma contradição, mas uma estratégia de classe.

No contexto da crise global, fala-se muito em “colapso” e impossibilidade de deter esse curso da civilização rumo à autodestruição. Quais são as consequências deste discurso “apocalíptico”?

O problema do apocalipticismo é que ele nos paralisa. Considera que temos apenas duas opções: salvar o mundo ou tudo desaparecerá. É verdade que estamos ultrapassando pontos de não retorno, como o derretimento das geleiras, o que aumentará o nível do mar e tornará certas regiões inabitáveis. Contudo, isto significa o fim do mundo, mas que precisamos reorganizar nossas sociedades. Estamos em uma transição caótica, e é aí que os movimentos sociais podem intervir. Toda crise abre oportunidades para escolher: continuamos investindo na militarização ou promovemos uma transição social e ecológica?

Ao contrário de outros autores críticos, você não considera a revolução no sentido clássico do termo como uma possível saída ao atoleiro em que nos encontramos.

Porque a história mostra que as revoluções nacionais acabam isoladas e atacadas pelo sistema global. O século XX nos ensinou que transformar o capitalismo de um dia para o outro não funciona. Em vez de uma revolução repentina, precisamos de uma “revolução a longo prazo”, que transforme as nossas instituições.

Alguns afirmam – particularmente aqueles que defendem a teoria do aceleracionismo – que a tecnologia nos salvará. Fala-se em energia de fusão ou inteligência artificial como soluções. Qual é a sua opinião?

É pensamento mágico. Desde os anos 1970, diz-se que a fusão estará disponível “em algumas décadas”. Além disso, a inteligência artificial já está aumentando o consumo de energia a níveis insustentáveis. Google e Amazon abandonaram suas metas climáticas por causa da IA. A tecnologia não é a solução: sem uma mudança no sistema, só agrava os problemas.

Última pergunta: Estamos vendo um consenso generalizado para aumentar notavelmente os gastos militares na Europa. Como isto se encaixa na lógica da Megamáquina?

Vemos o fim da hegemonia ocidental, e o Ocidente não o aceita. Os Estados Unidos e a Europa perderam poder global e sua resposta é a militarização. Em vez de buscar um papel diplomático, embarcam em uma espiral autodestrutiva. Estão desmantelando seu próprio Estado de bem-estar social, mas não conseguirão sequer ser uma potência militar real. É um processo absurdo e suicida.

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