25 Fevereiro 2025
É uma coalizão improvável e, de certa forma, paradoxal, aquela alinhada por trás do demagogo Donald Trump, que com a cumplicidade de uma Suprema Corte desviada, um partido submisso e um eleitorado que escolheu (embora com apenas 49,7% dos votos) colocar-se novamente em suas mãos, viu-se em um incômodo inverno de 2025, com os meios para desconstruir a democracia estadunidense e a ordem global. Obviamente, há sobreposições entre soberanistas, a direita religiosa e os neorreacionários da tecnologia que levaram Trump de volta ao poder.
A reportagem é de Luca Celada, publicada por Il Manifesto, 21-02-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Os supremacistas do neoapartheid, os teocratas e os “broligarcas” têm, por exemplo, uma fé comum na “supremacia moral” do Ocidente, que agora substitui a democracia como valor absoluto. E uma identidade decididamente branca que encontra, por exemplo, uma afinidade natural com a Rússia de Putin. Mas também há evidentes discrepâncias. Entre o fundamentalismo bíblico dos integralistas e as fantasias eugênicas e trans-humanistas dos tecnólogos, por exemplo, e entre os oligarcas tecnomonárquicos do Vale do Silício e os extremistas de colarinho azul da galáxia alt-right, para dar outro exemplo. Causa, neste último caso, dos repetidos desentendimentos que continuam a despontar entre Elon Musk e Steve Bannon, que recentemente voltou a definir o bilionário sul-africano como um “parasitário imigrante ilegal”.
Também é uma anomalia que facções tão fervorosamente doutrinárias tenham encontrado um porta-estandarte em uma figura agnóstica em relação a toda ideologia e religião, profundamente oportunista e primorosamente amoral. Mas seu sucesso é preparatório para a outra principal ambição comum: a aniquilação revolucionária do estado liberal e de bem-estar social para substituí-lo por um modelo radical de sociedade.
Uma das figuras que melhor resume essa ideia em seu triplo significado (de guerra santa, subversão política e eficiência “empresarial”) é JD Vance, uma expressão do conservadorismo branco e religioso das Ozarks de Ohio e mais tarde “iniciado” na broligarquia do Vale do Silício por Peter Thiel. Convertido ao catolicismo tradicionalista, Vance, o primeiro vice-presidente millenial, veicula para uma nova geração uma longa tradição fundamentalista estadunidense que agora chegou ao cerne do Estado.
A componente religiosa tem desempenhado um papel específico na parábola nacional, e o fundamentalismo tem sido um componente fundador desde que as seitas puritanas se estabeleceram no Novo Mundo.
Esse impulso foi incorporado à narrativa mítica nacional, em constante tensão com o racionalismo de viés iluminista. A religião também viveu momentos cíclicos de prevalência cultural (os Great Revivals) na vida do país e a deriva fanática acabou sendo estrategicamente cooptada pela direita política com a aliança de Reagan com os evangélicos. Atualmente, a componente cristão-nacionalista, reacionária e fundamentalista, muitas vezes apocalíptica (reunida sob a bandeira da Nova Reforma Apostólica) forma a base mais sólida e compacta de apoio a Trump e visa a um modelo “originalista”, fundamentalmente teocrático, da sociedade. Nessa esfera, uma figura como Vance expressa, de maneira muito mais articulada do que Trump, a ideia de uma “América original” para a qual se deveria retornar como a uma terra prometida. É um conceito que circula livremente entre os chamados pregadores “TheoBros”, geralmente na faixa dos quarenta anos, bem vestidos, quase sempre com barbas bem aparadas, eloquentes e ativos online, mas que por fanatismo religioso são diretamente descendentes do background evangélico carismático e pentecostal tão predominante, especialmente no cinturão bíblico estadunidense.
Disso resulta, como expressado abertamente por Vance e outros, que o Éden para onde fugir é reservado aos estadunidenses “autênticos” (leia-se brancos). Os Estados Unidos não são a ideia espúria do caldeirão que corrompeu seus ideais originais, mas uma nação criada pelos colonos fundadores que precisa ser levada de volta a um estado de pureza política, étnica e religiosa. É um extremismo exacerbado, que hoje é expresso abertamente por políticos Maga como Mike Johnson, presidente da Câmara, e Pete Hesgeth, ministro da Defesa. As seitas às quais eles pertencem consideram essencial acabar não apenas com o estado laico e suas instituições de maior prestígio - do New York Times às grandes universidades, focos de corrosivo materialismo - mas também restaurar uma nação cristã “fundada nos Dez Mandamentos”.
Por trás das barbas bem aparadas que muitos TheoBros exibem, esconde-se uma concepção de patriarcado que lembra aquele distópico dos Contos da Aia, inclusive com a ideia de abolir o sufrágio feminino. Trata-se de ideias que desde sempre circularam em congregações fundamentalistas que agora pertencem aos altos escalões políticos e que esta semana serão no centro da Cpac, a convenção conservadora que promete ser uma celebração de um triunfo no qual a teologia e a política se sobrepõem perfeitamente. Por exemplo, Vance expressou uma doutrina cara aos neoteocratas antissolidária ao afirmar que os cristãos devem “amar sua família, depois o próximo, depois sua comunidade, depois sua pátria, e só então podem eventualmente pensar no resto do mundo”.
Um evangelho do egoísmo, desmentido pelo próprio papa, que encontrou expressão concreta na revogação da Agência de Cooperação Internacional (USAID). No mundo de Trump, os TheoBros são garantidores do fanatismo mais intransigente, e a retórica na qual o americanismo é indistinguível da cristandade certamente está destinada a dominar esse Cpac também, além de produzir outras imagens, como a imposição ritual das mãos sobre o presidente que os fundamentalistas consideram praticamente um messias. Aquelas que na era pré-Trump ainda poderiam passar por bizarrices coloridas agora se tornaram presságios perigosos. Pois, por definição, a doutrina não admite pluralismo ou alternativas à vitória, bíblica e definitiva.
E se os eventos das últimas semanas nos ensinam algo, é como noções que pareciam ser exclusivas de franjas extremas podem rapidamente ser impressas em um futuro decreto. E como o próprio JD Vance deixou bem claro, esse não é mais um problema interno americano - quando os fundamentalistas controlam o gabinete do vice-presidente ou o Pentágono, os fundamentalismos em estrelas e listras tomam conta do mundo inteiro.