29 Novembro 2024
"No meio destas pedras brutas encontramos flores, não no Congresso Nacional, salvo exceções, e nem no sistema econômico capitalista neoliberal, que por meio de cartão de crédito e de empréstimos com agiotagem legalizada pelo Estado, segue sangrando vidas. Encontramos flores, luz e força divina nas periferias do campo e das cidades", escreve Frei Gilvander Moreira.
Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em filosofia pela UFPR; bacharel em teologia pelo ITESP/SP; mestre em exegese bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de teologia bíblica no Serviço de Animação Bíblica – SAB, em Belo Horizonte.
Se prestarmos bem atenção em certas notícias, veremos como uma brutal injustiça socioeconômica se reproduz diariamente no Brasil. Eis algumas notícias veiculadas nos últimos dias pela mídia que nos chamam atenção: “Polícia Federal indicia 37 pessoas, de padre a general, por indícios contundentes de crime de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, organização criminosa, plano para dar golpe e impor ditadura no Brasil desrespeitando o resultado das eleições presidenciais de 2022, plano para matar o presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes”, o que demonstra de forma cabal que a extrema-direita fascista não ama a Deus nem cuida das famílias, mas busca a qualquer preço o poder para gozar privilégios sem nenhuma empatia pelo próximo e nem respeito pela democracia.
“Mais de 70 milhões de brasileiros, 30% da população, está devendo mais de 400 bilhões de reais”, endividados por falta de acesso à terra, à moradia, sem salários justos e sem condições dignas de vida e fisgados pela agiotagem das empresas transnacionais de cartão de crédito e pelos juros abusivos dos banqueiros. “UFRJ sem água e sem energia” por falta de dinheiro para custear as despesas necessárias para cumprir sua missão de educar para a emancipação. A Auditoria Cidadã da Dívida nos informa que quase 50% do orçamento do Governo Federal segue sendo destinado para um punhado de banqueiros para amortizar a gigantesca dívida pública que já foi paga muitas vezes e que, como rabo de égua, quanto mais corta mais cresce.
“Em 2025, o Congresso Nacional terá mais de 52 bilhões de reais em Emendas Parlamentares” para os/as 513 deputados/as e os/as 81 senadores/as destinarem para seus currais eleitorais em Emendas Parlamentares, sinal de que na prática a excrecência chamada Orçamento Secreto continua. Até quando? O Poder Legislativo se apoderar de uma fatia do orçamento público, que deveria continuar sendo prerrogativa exclusiva do Poder Executivo é uma forma atual de coronelismo político. O/a parlamentar precisa ser muito ruim de “serviço” para não se reeleger com 33 milhões de reais por ano para cada deputado/a federal e 65 milhões de reais para cada senador/a distribuir nas suas bases eleitorais. Mesmo com as restrições impostas pelo ministro Flávio Dino, pelo que o Congresso Nacional está respondendo ao Supremo Tribunal Federal (STF), as Emendas PIX continuarão genéricas e as Emendas de Comissão seguirão sem transparência em 2025. Isto é consequência de um regime político feito sob medida para (re)eleger via de regra quem tem poder econômico ou midiático e excluir a classe trabalhadora do acesso aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Em Cuba, mais de 50% do Parlamento Cubano é composto por mulheres e lideranças populares. Enquanto o Congresso Nacional for dominado por empresários, não teremos democracia socioeconômica real.
No meio destas pedras brutas encontramos flores, não no Congresso Nacional, salvo exceções, e nem no sistema econômico capitalista neoliberal, que por meio de cartão de crédito e de empréstimos com agiotagem legalizada pelo Estado, segue sangrando vidas. Encontramos flores, luz e força divina nas periferias do campo e das cidades. Nos acampamentos e assentamentos de reforma agrária, nos territórios indígenas e quilombolas e em muitas ocupações urbanas nas periferias é possível experimentar que, no meio de tanta opressão e exploração, existem pessoas e comunidades que estão testemunhando de cabeça erguida, com olhar radiante e muito amor no coração a construção de outro tipo de relações humanas e sociais que apontam que outro mundo necessário é possível e está sendo construído de baixo para cima a partir dos últimos da sociedade. Eis advento: ventos natalinos fazendo irromper o divino no humano.
Isto experimentamos dia 24 de novembro último (2024) no Acampamento Zequinha Nunes, do MST, em São Joaquim de Bicas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), MG, onde aconteceu um Encontro de Amigos e Amigas do MST. Na portaria do Acampamento fomos calorosamente acolhidos com “Seja bem-vindo/a! Sinta-se em casa!” Ana Cláudia, uma das acampadas da Coordenação Estadual do MST, nos informou que já são seis anos de acampamento na luta pela terra, com 215 famílias que estão melhorando de forma significativa seu nível e qualidade de vida. Plantações em todos os lotes e quintais na linha da agroecologia, sem usar uma gota de agrotóxico. Em trabalho coletivo estão plantando no sistema de agrofloresta, onde de forma consorciada se planta na mesma área bananal, mandiocal, laranjal, hortaliças e frutas, com uma maravilhosa diversidade de culturas. Um aviário para 200 galinhas caipiras está em fase final de instalação com capacidade inicial de produção de 200 ovos por dia. Além do galpão para as galinhas dormirem, terão vários pastos onde as galinhas serão criadas à solta. Também no vizinho Acampamento Pátria Livre, com 480 famílias, e no Acampamento Maria da Conceição, com mais de 100 famílias, em Itatiaiuçu, MG, aviários estão sendo construídos. É produção de alimentos saudáveis que alimenta as famílias acampadas e também famílias nas cidades próximas.
A mineradora MMX, do megaempresário Eike Batista, vendeu as fazendas Retiro da Mata e Marinheiros, ocupadas pelo MST, para a mineradora COMISA e ambas continuam movendo processo judicial para conquistar no Poder Judiciário o despejo das mais de 600 famílias dos Acampamentos Zequinha Nunes e Pátria Livre, ambos no município de São Joaquim de Bicas, ao lado do sacrificado rio Paraopeba. Com a decisão do STF na ADPF 828 que exige que os tribunas estaduais e federais não façam despejos sem processo negociação que apresente alternativas prévias e dignas, o juiz da Vara Agrária, que tinha mandado despejar, ainda não conseguiu implementar o despejo, porque a Comissão de Conflitos Fundiários do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) fez visita técnica nos Acampamentos Zequinha Nunes e Pátria Livre no início de novembro de 2024, e esperamos que no processo de negociação seja excluído o despejo. Diante da pressão de decisão do juízo da Vara Agrária, as famílias Sem Terra do MST disseram que só aceitariam sair da fazenda ocupada caso as mineradoras COMISA e MMX comprassem e oferecessem outra terra próxima em qualidade igual ou melhor, mas até hoje nenhuma alternativa foi oferecida.
O fato é que as fazendas Retiro da Mata e Marinheiros estavam totalmente abandonadas, sem cumprir sua função social. Pior! As mineradoras exigem judicialmente o despejo, porque têm projeto para transformar as fazendas em Terminal de carga de minério de ferro – porto seco para pelotização -, o que é inaceitável, pois se a mineração na Região Metropolitana de BH não for reduzida drasticamente, os 6 milhões de habitantes de Belo Horizonte e das 34 cidades da RMBH ficarão sem água, porque as mineradoras estão dizimando todas as nascentes e mananciais.
Na celebração macroecumênica que fizemos pudemos experimentar a presença do Deus da vida, invocado sob tantos nomes, e de Jesus Cristo no meio do povo Sem Terra. O almoço comunitário feito na Cozinha Solidária inaugurada, além de delicioso, foi expressão da partilha e da fraternidade que reina entre os membros da comunidade Sem Terra e entre os amigos e amigas do MST que constroem uma Rede de Apoio imprescindível.
Resistindo às mineradoras e cultivando a terra, o povo Sem Terra de fato, na unha e na raça, com espiritualidade libertadora transforma pedra em flor e “tira leite da pedra”. Gratidão ao MST e a todos/as amigos e amigas que fortalecem esta e tantas outras lutas por direitos necessários e urgentes.
Enfim, um mundo melhor é necessário e possível, mas isso só vai acontecer a partir das lutas dos pequenos e de todas as pessoas de boa vontade que se unem a essas lutas. A mudança a partir de ações dos representantes eleitos, mesmo que "democraticamente", está cada vez mais distante... Nosso sistema eleitoral é injusto e a “conciliação de classes” segue a todo vapor e sempre a serviço dos poderosos. Para os empobrecidos, migalhas... Entretanto, como dizia dom Hélder Câmara: “Eu acredito que o mundo será melhor, quando o menor que padece acreditar no menor”. O MST acredita nos menores. Marta, Sem Terra deficiente visual e LGBTQIA+, cantou maravilhosamente no Encontro de Amigos e Amigas do MST. Zé Pinto, Nina Flor e outros/as artistas do MST cantaram e nos encantaram. Saímos oxigenados e de tanque cheio para seguirmos nas lutas por direitos.
Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.
1 - QUE BELEZA O MST NO ACAMPAMENTO ZEQUINHA NUNES (240 famílias), em São Joaquim de Bicas/MG. vídeo 1
2 - MÍSTICA INÍCIO CELEBRAÇÃO NO ACAMPAMENTO ZEQUINHA NUNES, DO MST, São Joaquim de Bicas/MG. Vídeo 2
3 - Missa, PERDÃO, Jo 18,33-37 e HOMILIA DE FREI GILVANDER: “Como é reinado de Jesus Cristo?” vídeo 3
4 - Acampamento Zequinha/MST/São Joaquim de Bicas/MG: Famílias lutam por terra/dignidade/Vídeo 1/26/1/2020
5 - Acampamento Zequinha/MST/ S. Joaquim de Bicas/MG: Trabalho/Alegria/Saúde/Despejo, não/Vídeo 2 - 26/1/20
6 - Produção florestal e proteção de nascentes: Acamp. Zequinha, MST, em São Joaquim de Bicas/MG–Vídeo 1
7 - Luta pela terra organizada no Acampamento Pátria Livre/MST/São Joaquim de Bicas/MG. Vídeo 3 -13/7/19
8 - Produção agroecológica no Acampamento Maria da Conceição, do MST, Itatiaiuçu, MG: inspeção. Vídeo 4
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MST, Pedra em flor: “tirando leite da pedra”. Artigo de Gilvander Moreira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU