08 Outubro 2024
"Mas não foi isso que aconteceu. O lado ruim da campanha de 2024 em São Paulo é que ela mostrou, de maneira particularmente aguda, a crise por que passa a direita brasileira desde o fim do PSDB", escreve Celso Rocha de Barros, Servidor federal, doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra) e autor de "PT, uma História", em artigo publicado por Folha de S.Paulo, 05-10-2024 e reproduzido na página do Facebook de André Vallias, 06-10-2024.
Como a eleição de São Paulo virou isso?
São Paulo foi o berço dos dois grandes partidos da Nova República, o PT e o PSDB. As direções dos dois partidos sempre foram pesadamente paulistas, e ambos tinham suas cotas de professores da USP e de colunistas da Folha e do Estadão. A classe média que aderiu ao PSDB e os sindicatos que aderiram ao PT nasceram no mesmo processo de modernização ocorrido ao longo do século 20. O centro desse processo foi São Paulo.
O lado bom da campanha de 2024 é que ela mostrou que as forças modernizantes em São Paulo continuam gerando bons quadros nessas duas tradições políticas.
Pela esquerda, Guilherme Boulos é o único candidato com chance de vitória nas grandes capitais que já liderou um movimento social. Em 2024, aproximou-se do centro e contou com o apoio de Lula. É interessante saber o que ele tem a dizer à cidade.
Em um mundo ideal, conforme a campanha se desenrolasse, os paulistanos que não querem votar na esquerda dariam uma chance ao prefeito Ricardo Nunes e parariam para pensar sobre seu legado. Depois de pensar, concluiriam que seu legado é mesmo ruim e votariam na terceira colocada, que era Tabata Amaral.
Tabata é uma versão atualizada do PSDB raiz, com vários upgrades: é uma jovem de origem pobre que chegou a Harvard e teve atuação parlamentar destacada. Seria a candidata natural de todos os antigos eleitores do PSDB que diziam que só votavam em Bolsonaro porque a única alternativa era o PT.
Mas não foi isso que aconteceu. O lado ruim da campanha de 2024 em São Paulo é que ela mostrou, de maneira particularmente aguda, a crise por que passa a direita brasileira desde o fim do PSDB.
Metade da direita olhou para o legado de Nunes e pensou, ok, aceito rebaixar minhas expectativas. Para compensar sua baixa popularidade, Ricardo Nunes abraçou o discurso golpista de Bolsonaro. O falecido PSDB lançou Datena. Chega a ser risível como, em junho, acreditamos que Datena era o pior que podia acontecer com o nível da campanha deste ano.
Segundo o Datafolha, cerca de metade dos eleitores de Bolsonaro pretende votar em Pablo Marçal, o neto que Jair teria se Carluxo tivesse engravidado Satã. Seus crimes, inclusive os que o colocaram na cadeia, são conhecidos. As baixezas que pronunciou contra seus adversários já foram desmentidas. Sua pose de valente acabou no dia em que fingiu estar morrendo na ambulância depois de apanhar de um idoso.
Como chegamos aqui?
PT e PSDB foram os partidos que mais apanharam durante a crise da Lava Jato, porque disputar a Presidência lhes dava maior visibilidade. O PT ainda sobrevive, mesmo que enfraquecido. O PSDB acabou. Quem venceu a Lava Jato foi o centrão, a turma que deu a tucanos e petistas o número de telefone do cartel das empreiteiras.
Em São Paulo, a nave-mãe do velho PSDB, o estado onde a disputa local refletia mais perfeitamente a disputa nacional, era natural que o fim do PSDB tivesse efeitos mais traumáticos. Aqui o vazio é maior.
Mas a crise entre Nunes e Marçal mostra um fenômeno mais geral da direita pós-tucanos no Brasil: a oscilação constante entre o centrão e outsiders cada vez mais obviamente estelionatários, um processo de seleção dos piores que torna o lado mais forte da política brasileira incapaz de debate sério.
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O que aconteceu, São Paulo? Artigo de Celso Rocha de Barros - Instituto Humanitas Unisinos - IHU