12 Novembro 2024
Era 17-09-1974 quando, ao intervir durante um debate na festa de L'Unità, Pier Paolo Pasolini explicava duas das razões fundamentais para a vitória de Donald Trump – 50 anos e dois meses depois. Naquela noite, Pasolini falou de um tema muito importante, o genocídio, mas aquele sem sangue, sem mortos.
O artigo é Riccardo Cristiano, jornalista italiano, publicado por Settimana News, 10-11-2024.
Do que ele falou foi do genocídio cultural: "Hoje, a Itália está vivendo de maneira dramática pela primeira vez esse fenômeno: amplos setores, que tinham ficado por assim dizer fora da história — a história do domínio burguês e da revolução burguesa — sofreram esse genocídio, ou seja, essa assimilação ao modo e à qualidade de vida da burguesia. Como ocorre essa substituição de valores? Eu sustento que hoje ela ocorre clandestinamente, através de uma espécie de persuasão oculta". Os três exemplos que ele dá pouco depois são surpreendentes, dramáticos, evidentes.
"Por exemplo, há o modelo que preside um certo hedonismo interclassista, que impõe aos jovens que inconscientemente o imitam, a se adequarem no comportamento, no vestir, nos sapatos, na forma de pentear ou de sorrir, de agir ou gesticular ao que veem na publicidade dos grandes produtos industriais: publicidade que se refere, quase de forma racista, ao modo de vida pequeno-burguês. Os resultados são evidentemente penosos, pois um jovem pobre de Roma ainda não é capaz de realizar esses modelos, e isso cria nele ansiedades e frustrações que o levam às portas da neurose.
Ou então, há o modelo da falsa tolerância, da permissividade. Nas grandes cidades e nas zonas rurais do centro-sul, ainda prevalecia um certo tipo de moral popular, bastante livre, claro, mas com tabus que eram seus e não da burguesia, não a hipocrisia, por exemplo, mas simplesmente uma espécie de código ao qual todo o povo se atentava. A certo ponto, o poder precisou de um tipo diferente de súdito, que fosse antes de tudo um consumidor, e ele não era um consumidor perfeito se não lhe fosse concedida certa permissividade no campo sexual. Mas também a esse modelo o jovem da Itália atrasada tenta se adequar de forma desajeitada, desesperada e sempre neurotizante. Ou, por fim, um terceiro modelo, aquele que chamo de afasia, da perda da capacidade linguística.
Toda a Itália centro-meridional tinha suas próprias tradições regionais ou locais, de uma língua viva, de um dialeto que era regenerado por contínuas invenções, e dentro desse dialeto, de gírias ricas – de invenções quase poéticas: às quais todos contribuíam, dia após dia, toda noite surgia uma nova piada, uma tirada espirituosa, uma palavra inesperada; havia uma maravilhosa vitalidade linguística.
O modelo agora colocado ali pela classe dominante os bloqueou linguisticamente: em Roma, por exemplo, não se é mais capaz de inventar, caiu-se numa espécie de neurose afásica; ou se fala uma língua falsa, que não conhece dificuldades e resistências, como se tudo fosse facilmente falável – expressa-se como nos livros impressos – ou chega-se até mesmo à verdadeira afasia no sentido clínico da palavra; é-se incapaz de inventar metáforas e movimentos linguísticos reais, quase se resmunga, ou se empurra, ou se gargalha sem saber dizer outra coisa".
Lendo, parece que finalmente entendemos o que vem acontecendo ao nosso redor há anos, mas que nem todos, ao menos eu e talvez alguns outros, havíamos entendido tão completamente. Neste ponto, devemos citar o que Pasolini escreveu cinquenta anos atrás sobre a cisão entre progresso e desenvolvimento.
"A classe dominante separou claramente "progresso" e "desenvolvimento". A ela interessa apenas o desenvolvimento, porque só daí extrai seus lucros. É preciso fazer uma vez por todas uma distinção drástica entre os dois termos: "progresso" e "desenvolvimento". Pode-se conceber um desenvolvimento sem progresso, coisa monstruosa que é o que vivemos em cerca de dois terços da Itália; mas, no fundo, também se pode conceber um progresso sem desenvolvimento, como ocorreria se, em certas zonas rurais, fossem aplicados novos modos de vida cultural e civil, mesmo sem ou com um mínimo de desenvolvimento material".
O assim chamado "problema woke" de Kamala Harris, em certo sentido, está aqui e o encontramos perfeitamente nestas palavras:
"Está em curso em nosso país, como eu disse, uma substituição de valores e modelos, sobre a qual tiveram grande peso os meios de comunicação de massa e, em primeiro lugar, a televisão. Com isso, não sustento de forma alguma que tais meios sejam em si negativos: estou de acordo, inclusive, que poderiam constituir um grande instrumento de progresso cultural; mas até agora têm sido, da forma como foram utilizados, um meio de terrível regressão, de desenvolvimento justamente sem progresso, de genocídio cultural para ao menos dois terços dos italianos. Vistos sob essa luz, também os resultados de 12 de maio contêm um elemento de ambiguidade.
Segundo penso, a televisão também contribuiu poderosamente para os "não", pois, por exemplo, nestes vinte anos, desvalorizou nitidamente qualquer conteúdo religioso: oh sim, vimos muitas vezes o Papa abençoar, os cardeais inaugurar, vimos procissões e funerais, mas eram feitos contraproducentes para os fins da consciência religiosa. De fato, ocorria ao invés, ao menos em nível inconsciente, um profundo processo de secularização, que entregava as massas do centro-sul ao poder dos meios de comunicação e, através desses, à ideologia real do poder: ao hedonismo do poder consumista.
É impactante ler sobre um referendo que quase todos consideram um valor adquirido sendo questionado, certamente de forma parcial, sobre um tipo de aquisição consumista. E assim prossegue: Por isso, aconteceu de eu dizer – de maneira talvez violenta e exaltada demais – que no "não" há uma dupla alma: de um lado, um progresso real e consciente; do outro, um falso progresso, pelo qual o italiano aceita o divórcio pelas exigências secularizantes do poder burguês: pois quem aceita o divórcio é um bom consumidor. É por isso que, por amor à Verdade e por um senso dolorosamente crítico, posso chegar até mesmo a uma previsão de tipo apocalíptico, que é esta: se na massa dos "não" prevalecer a parte que teve o poder, será o fim de nossa sociedade".
O ponto é, a meu ver, o desaparecimento das culturas em que nos reconhecíamos, cultura burguesa, operária e cultura camponesa, e aquela única em que hoje nos reconhecemos, a cultura consumista. Em outro texto, do ano seguinte, entrevistado por Furio Colombo, Pasolini voltava ao tema das culturas: “A cultura de uma nação é o conjunto de todas essas culturas de classe: é a média delas.
E seria, portanto, abstrata se não fosse reconhecível – ou, para melhor dizer, visível – no vivido e no existencial, e se não tivesse, consequentemente, uma dimensão prática. Por muitos séculos, na Itália, essas culturas foram distinguíveis, mesmo que historicamente unificadas. Hoje – quase de repente, numa espécie de Advento – distinção e unificação histórica deram lugar a uma homogeneização que realiza quase miraculosamente o sonho interclassista do velho Poder.
A que se deve essa homogeneização? Evidentemente a um novo Poder. Conheço, inclusive porque as vejo e as vivo, algumas características desse novo Poder ainda sem rosto: por exemplo, sua rejeição do velho sanfedismo e do velho clericalismo, sua decisão de abandonar a Igreja, sua determinação (coroada de sucesso) de transformar camponeses e subproletários em pequenos burgueses, e, sobretudo, sua ânsia, por assim dizer cósmica, de realizar até o fim o "Desenvolvimento": produzir e consumir”.
Pouco depois o discurso nos leva a algo que parece caber ao suposto dilema americano:
"O retrato desse rosto ainda branco do novo Poder atribui vagamente a ele traços "moderados", devido à tolerância e a uma ideologia hedonista perfeitamente autossuficiente; mas também traços ferozes e substancialmente repressivos: a tolerância é, de fato, falsa, pois na realidade nenhum homem jamais teve que ser tão normal e conformista como o consumidor; e quanto ao hedonismo, ele esconde evidentemente uma decisão de pré-ordenar tudo com uma crueldade que a história nunca conheceu”. A conclusão é esta: “Seu fim é a reorganização e a homogeneização brutalmente totalitária do mundo".
Talvez valha a pena refletir sobre isso.
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Pasolini explica Trump. Artigo de Riccardo Cristiano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU