13 Janeiro 2015
O Papa Francisco não é um defensor, é uma testemunha. Com uma tarefa mais difícil do que a do seu antecessor. A tarefa de Francisco é grande e impossível. Mas, na Europa, Francisco, no momento, é o único líder.
A opinião é do jornalista e ex-deputado italiano Furio Colombo, pelo Partido Democrático, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 11-01-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Muitos ficaram impressionados com a coincidência de dois fatos sangrentos horrendos e distantes: o massacre em Paris na redação de um jornal julgado blasfemo (12 mortos em uma sala, e o outro evento de sangue francês). E o massacre de ao menos duas mil pessoas assassinadas em poucas horas, entre vilarejos e campos, na fronteira com a Nigéria, por duas diferentes unidades militares treinadas e armadas de um novo fundamentalismo islâmico, no primeiro caso, um comando, no segundo, um exército. Emergem dois líderes, Al-Baghdadi e Boko Haram, que proclamam dois califados. Quer dizer, domínio absoluto, um do Oriente Médio em relação à Europa, o outro do centro da África em relação ao mundo.
Não sabemos nada sobre as relações entre os dois potentados no momento, mas sabemos que os dois potentados existem, e que a sua ameaça não é de palavras. Al-Baghdadi domina uma parte do Iraque e da Síria, com a sua capital, Mosul. O Boko Haram (que, lembrem-se, começou com o recrutamento forçado de crianças para seu exército e depois com o sequestro de 200 estudantes muito jovens para "converter" ao islamismo) é o chefe de vilarejos, cidades e campos em toda a parte norte da Nigéria, sobre os quais impõe e mantém um poder de sangue.
Se vocês relerem as linhas de resumo da situação acima, notarão que, à primeira vista, nada é novo ou diferente das histórias de violência a que a história contemporânea nos habituou às margens do império. Mesmo a grande ameaça, já várias vezes realizada, a partir do 11 de setembro, de atingir por dentro o império, é causa de um medo contínuo, mas não é mais um fato novo.
O que é novo é a emergência a posições de comando absoluto de novos personagens que são totalmente livres para anunciar e, depois, realizar iniciativas de violência louca, porque não pertencem a nenhuma classe dominante do passado, representam de modo arbitrário e autodefinido valores ambíguos que não devem justificar, mas apenas proclamar.
E assim nasce um suposto Islã fundamentalista que é um ótimo achado para desorientar os crentes dessa fé e uma boa jogada para chamar para a guerra crentes igualmente fingidos de um suposto mundo cristão.
Mas algo de novo aconteceu até mesmo em relação aos tempos que recentemente terminaram com uma irrupção de unidades especiais e a morte de Osama bin Laden. Aconteceu uma mudança de classe dirigente, que, de repente, se autoconferiu a liderança dos insurgentes de um mundo de fundamentalismo islâmico autoproclamado e que, na realidade, reúne todas as rebeliões extremas ao longo da linha inegociável de "revanche" e "reconquista", depois da guerra no Iraque e das suas muitíssimas vítimas, mas também de "diversidade" inventada e sustentada como tal pelo preconceito europeu.
O que entendo por "nova classe dirigente"? E como é que o mesmo fenômeno se manifesta com a mesma força destrutiva e aparentemente cega do Oriente Médio ao coração da África? Talvez, a explicação seja esta. Até há pouco tempos, ocupantes e resistentes, invasores e rebeldes, dominadores e dominados eram guiados, do mesmo modo, pelas classes cultas e pelo aparato dirigente, pelos grupos sociais das partes em causa.
Esse fato nunca evitou durezas, crueldades e violência, até mesmo extrema. Mas dispunha de instrumentos de comunicação e de entendimento recíproco, em caso de necessidade. E as duas partes adversárias buscavam, cada uma de modo diferente, compreensão e apoio em outras culturas e outros países do mundo.
Al-Baghdadi e Boko Haram representam um novo tipo de líder revolucionário que, entre as classes dirigentes do seu âmbito, ou do mundo, não buscam e não pedem nada. Não querem compreensão e não oferecem justificação. As suas raízes estão em outro lugar, no tempo (que é, obviamente, um mítico passado); nos lugares, que são vividos como totalmente desprovidos da estrutura civil e organizativa que começou com o colonialismo e, depois, se tornaram habituais; nas relações humanas, que buscam embaixo, e na pertença concebida como obediência e submissão; nas regras, que são livres de qualquer código e ditadas apenas por um oportunismo espetacular e eficácia emotiva, dando e recebendo a sensação de um poder que não deve tratar condições ou se submeter a deveres.
Mas outra mudança dramática marca este último período da vida política internacional. Do ponto crucial do equilíbrio mundial, saem os Estados Unidos, que tinham e ainda têm um poder desproporcionalmente grande. E entra a fraca e dividida Europa, que não tem uma política e não tem um guia, mas aparece como única guardiã e garantidora das regras do jogo.
A troca da guarda não foi planejado ou desejado. Aconteceu porque os EUA retiraram as suas opções de guerra. Acontece porque a agitação e a mudança da classe dirigente do Oriente Médio e da África, fatalmente, recaem sobre a Europa e sobre os europeus, como demonstrou o caso francês.
Em todos os casos, as razões da troca da guarda contam pouco. O que conta é que ela ocorreu. E afeta a inadequação da Europa unida e das suas instituições diante da tarefa de manter o equilíbrio do mundo livre e de manter de fora as pulsões violentamente agressivas. É essa situação que ditou as páginas, controversas e aparentemente apenas provocadoras, do livro Soumission de Houellebecq: uma França que se rende, que se torna islâmica e elege um presidente islâmico. Houellebecq não levou em conta o Papa Francisco.
Ele não é um defensor, é uma testemunha. Com uma tarefa mais difícil do que a do seu antecessor. De fato, a loucura, como um incêndio perigoso, parece vir de uma parte e de outra, da "nova classe dirigente" islâmica disposta a tudo, e do grupo Le Pen-Salvini, igualmente sem escrúpulos, a fim de se exibir.
A tarefa de Francisco é grande e impossível. Mas, na Europa, Francisco, no momento, é o único líder.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A Europa tem um único líder que pode frear o novo terror: Francisco. Artigo de Furio Colombo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU