09 Abril 2024
"Bem, eu pessoalmente discordo profundamente de qualquer boicote de uma universidade contra uma outra, mas sou contra justamente porque as universidades não dependem dos governos de seus países e não os representam. As universidades são, desde a Idade Média, o local onde se cultivam um internacionalismo, um pensamento crítico e um dissenso sistemático que são o melhor antídoto aos nacionalismos e às guerras".
O comentário é do historiador da arte Tomaso Montanari, professor da Universidade Federico II de Nápoles., em artigo publicado por il Fatto Quotidiano, 05-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
As matérias de imprensa da semana passada levantam uma questão não marginal: mesmo considerando a propaganda e a má-fé de não poucos jornalistas, o que chama a atenção é a ignorância quase universal sobre a própria natureza da universidade. Sejamos claros: a culpa desse eclipse é em grande parte dos próprios professores, que se curvaram ao aceitar a condição tão lucidamente descrita por Filippomaria Pontani neste jornal na sexta-feira passada: a universidade desistiu tantas vezes e de tamanha forma de defender a sua própria liberdade, que quando hoje timidamente a reivindica quase ninguém entende do que se está falando.
Vamos tomar o caso da Scuola Normale de Pisa, que foi crucificada durante dias pelos editoriais dos maiores jornais italianos, e pelo coro praticamente unânime da política e até pela associação dos seus (belos) amigos, porque teria "fechado relações com Israel” (esse é uma manchete do Repubblica).
Pois bem, nenhum daqueles que comentaram nesse sentido parece ter lido o que estava comentando: a moção do Conselho Acadêmico da Scuola, que não fechava nenhuma relação, mas pedia ao Maeci (Ministério dos Assuntos Exteriores e Cooperação Internacional) que “reavaliasse”, à luz do artigo 11 da Constituição, que repudia a guerra, o edital “para a realização de projetos conjuntos de pesquisa para o ano de 2024, com base no Acordo de Cooperação Industrial, Científica e Tecnológica entre Itália e Israel”.
Então, onde está o fechamento de relações com as universidades israelenses? Não há nenhum fechamento, porque se pede ao Ministério das Relações Exteriores que reavalie um determinado protocolo: e nem se citam as universidades. Porque, e esse é o ponto crucial, aqui não se trata de convenções e acordos entre universidades livres, mas entre dois governos: aquele de Meloni e aquele de Netanyahu. E num momento em que o Conselho dos Direitos Humanos da ONU faz um apelo para a condenação de Israel por crimes de guerra em Gaza, como seria possível colaborar acriticamente não com as livres universidades daquele país, mas justamente com o governo responsável por tais crimes? Como condenar a Universidade de Turim que decidiu não aderir àquele edital?
É por isso que considero profundamente errado o apelo a Tajani feito pela Associação dos Acadêmicos e Cientistas de origem italiana em Israel, que pede a criação de uma fundação em parceria dos Estados italiano e israelense que financie projetos científicos, "em todas as disciplinas, não apenas científicas, mas também de humanidades, porque se sabe que a maioria dos boicotes contra a Academia Israelense provêm de faculdades de humanidades, portanto, nunca como neste momento seria vital a criação de tal Fundação." Vamos imaginar qual teria sido a reação se acadêmicos italianos na Rússia tivessem pedido ao governo italiano para criar, juntamente com aquele de Putin, uma fundação desse tipo para contornar o boicote das universidades russas.
Bem, eu pessoalmente discordo profundamente de qualquer boicote de uma universidade contra uma outra, mas sou contra justamente porque as universidades não dependem dos governos de seus países e não os representam. As universidades são, desde a Idade Média, o local onde se cultivam um internacionalismo, um pensamento crítico e um dissenso sistemático que são o melhor antídoto aos nacionalismos e às guerras: por essa razão, toda tentativa de ligar a pesquisa a acordos entre governos desmente e nega aquela liberdade acadêmica que é a verdadeira razão para não boicotar as universidades. O pedido dos estudiosos italianos em Israel, além disso, tem uma motivação que não é digna de quem deveria cultivar o pensamento crítico: “O boicote como o anti-israelismo são filhos de um antissemitismo que também está despertando na Itália". Esse não é apenas um juízo sumário e factualmente errado, mas também intelectualmente desonesto. Repito: sou contra qualquer boicote acadêmico, mas se uma universidade italiana decidisse livremente anular qualquer um de seus acordos com universidades israelenses (ou russas, ou chinesas, ou turcas, ou... estadunidenses) faria uma escolha legítima, que ninguém poderia acusar de racismo. E isso vale, deve valer, também para Israel.
Esse uso extensivo, impróprio e instrumental da categoria do antissemitismo (um uso que as próprias universidades infelizmente partilharam implicitamente, quando a Conferência de Reitores adotou a inaceitável definição de antissemitismo da IHRA, que considera antissemitas até mesmo aqueles que dizem que em Israel se pratica uma forma de apartheid: o que é um dado de fato) visa impedir um debate livre e é irresponsável porque corre o risco de banalizar o verdadeiro antissemitismo, que existe e é bastante perigoso.
A universidade faz o seu trabalho quando alimenta dúvidas, distingue, discute, argumenta: não quando amaldiçoa ou interdita. E sobretudo não quando obedece aos governos, ou pior, quando se torna um seu dócil instrumento. Falamos que queremos defender os valores ocidentais a todo custo: uma universidade verdadeiramente livre é um deles.
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Quem fala em “antissemitismo” não sabe o que é a universidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU