20 Março 2024
Para desgosto dos redatores de manchetes em todo o mundo, o Papa Francisco voltou fortemente o foco do Sínodo para o processo, em sua carta ao cardeal Mario Grech, secretário-geral da Secretaria Geral do Sínodo. Ele anunciou a criação de 10 grupos de estudo para examinar questões específicas e teologicamente complicadas. A lista enfatizou a reforma da instituição, e não as questões polêmicas que dominaram a cobertura noticiosa do Sínodo do ano passado.
O comentário é de Michael Sean Winters, publicado em National Catholic Reporter, 18-03-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Aqueles que desejam que o Sínodo promulgue reformas abrangentes ficarão desapontados com o fato de o papa ter citado seu “quirógrafo” publicado em 16 de fevereiro, que afirmava, na parte relevante: “Os dicastérios da Cúria Romana colaborarão, ‘de acordo com suas respectivas competências específicas, na atividade da Secretaria Geral do Sínodo’, constituindo grupos de estudo que iniciarão, com método sinodal, o aprofundamento de alguns dos temas que surgiram na Primeira Sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos”.
Se você estiver familiarizado com o funcionamento da Cúria Romana, saberá que acelerar a reforma não é o modus operandi habitual dela. Como um prelado me disse depois de uma semana de reuniões dolorosas em Roma, “a razão pela qual Roma é chamada de ‘Cidade Eterna’ é porque tudo lá leva uma eternidade”.
A lista real de 10 áreas temáticas também está voltada tanto para dentro quanto para fora. É necessário estudar “alguns aspectos da relação entre as Igrejas orientais católicas e a Igreja latina”, como afirmava o relatório de síntese sinodal do ano passado, mas não foi isso que virou manchete. O mesmo vale para o estudo de “algumas questões teológicas e canônicas relativas a formas ministeriais específicas”. Isso poderia ser explosivo e prosaico.
O mesmo se aplica à “revisão, em perspectiva sinodal e missionária, dos documentos que disciplinam as relações entre bispos, vida consagrada e agregações eclesiais”. Sem dúvida, esse é um tema importante, vital para a vida da Igreja. Aquelas pessoas que estão na vida consagrada trazem sempre consigo a tradição da radicalidade cristã, a postura “Cristo contra a cultura” dos primeiros cristãos, para tomar emprestada a taxonomia de Niebuhr.
Mesmo assim, esse importante esforço de revisão não se compara, em termos de cliques recebidos, à bênção de pessoas em uniões do mesmo sexo.
“A missão no ambiente digital” é um tema extremamente complicado e também deprimente, infelizmente. Quanto mais testemunhamos os efeitos sobre o conhecimento e a percepção que a confiança nos meios digitais produzem, mais devemos temer pelas gerações futuras.
Aqueles que dependem do TikTok e dos tuítes para obter informações acabam sendo mal informados. A capacidade de qualquer pessoa publicar por conta própria poderia ser uma bênção para o diálogo democrático, mas na maioria das vezes não tem sido. A persuasão e o argumento são em grande parte desconhecidos da classe “tuiteira”. As opiniões são consideradas significativas porque são expressadas, e não porque resistam ao escrutínio.
O número 9 da lista – “Critérios teológicos e metodologias sinodais para um discernimento compartilhado de questões doutrinais, pastorais e éticas controversas” – provavelmente é onde estão os fogos de artifício. O que importa não é esta “batata quente” ou aquela. O que importa é que o grupo de estudo sinodal desenvolva uma defesa robusta daquilo que é indubitavelmente a contribuição mais significativa de Francisco para a Igreja universal, a elevação da teologia pastoral ao lado da teologia doutrinal nos ensinamentos e nas práticas da fé.
A Igreja sempre deve considerar o que ensina ou não, mas esse ensino não é uma peça de museu, posta sobre a prateleira, para ser desempoeirada de vez em quando. O que Francisco tem insistido é que a Igreja, suas lideranças, assim como as pessoas sentadas nos bancos se perguntem como esse ensino é percebido, como é recebido ou não.
A Igreja não pode abandonar seus ensinamentos assim como não pode abandonar um sacramento, mas a forma como um ensinamento é apresentado, como é inculturado em diferentes Igrejas locais, como um ensinamento se relaciona com outro, como o ensinamento da Igreja em um caso particular ajuda ou dificulta a salvação das almas, todas essas questões são matéria da teologia pastoral.
A maioria das controvérsias em torno de Francisco tem sua origem aqui, no fracasso de algumas pessoas de entenderem, e menos ainda de apreciarem, seu esforço para trazer a teologia pastoral para o primeiro plano. As pessoas temem que a consideração de como um ensinamento é recebido, possa resultar no enfraquecimento desse ensinamento. Uma mudança de ênfase é considerada o início de uma heresia.
A identidade católica, para os críticos papais, já não está centrada no coração do Evangelho, na proclamação da misericórdia divina conquistada para nós a um preço tão terrível no Calvário. Em vez disso, a identidade católica fica envolvida com as particularidades da moral sexual ou com outras questões que, por mais importantes que sejam, são derivadas do querigma central do Evangelho.
O papa espera que o processo sinodal produza uma Igreja em missão, e que essa missão seja proclamar o Evangelho de Jesus Cristo. O processo sinodal pode recomendar a mudança de quem pode ser ordenado, ou de quem pode receber uma bênção, ou a forma como os padres são formados, e uma série de outras questões importantes. Mas o principal é relacionar todas essas questões subsidiárias com a missão central da Igreja, e esses 10 grupos de estudo precisam se focar no modo como a instituição pode restaurar a evangelização a seu lugar central na vida da Igreja.
Isso pode não render grandes manchetes. Mas pode colocar fogo no mundo.
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Papa Francisco desloca o Sínodo para questões de processo, longe das polêmicas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU