"Diante dos setores eclesiásticos que defendem um cristianismo dogmático, moralmente repressivo, distante do mundo da marginalização, hierárquico-piramidal na Igreja, patriarcal e clerical, que acusam o Papa Francisco de herege, e diante de coletivos políticos da direita e da extrema-direita, que o rotulam de antipapa e o insultam por sua crítica ao neoliberalismo, que considera injusto em sua raiz, uno-me à campanha em sua defesa e em sua proposta de Igreja em saída e de hospital de campanha, que sai às periferias com atitude compassiva e solidária com os setores empobrecidos, os coletivos sociais mais vulneráveis e os povos oprimidos. E faço isso precisamente quando se completam 11 anos de sua eleição como Papa, mas não ingenuamente, e sim de maneira dialética, destacando seus avanços inegáveis, mas também seus limites na reforma da Igreja".
O comentário é de Juan José Tamayo, em artigo publicado por Religión Digital, 14-03-2024.
Acabo de retornar do México, onde ministrei vários cursos em diferentes universidades na cidade de Monterrey. Tive um dos encontros mais emocionantes e instigantes da minha vida com mais de duzentos presos do presídio de Apodaca, focando na compaixão, uma virtude a ser praticada de maneira especial com a população carcerária, a mais necessitada dessa virtude.
A compaixão com a população carcerária exige defender a presunção de inocência, o direito a julgamentos justos, a afirmação de sua dignidade, a defesa de seus direitos inalienáveis e a exigência de condições de vida dignas nas prisões e seus direitos. O simples gesto de visitá-los e compartilhar suas experiências já constitui um ato de compaixão. No encontro, transmiti-lhes os três mensagens expressadas pelo Papa Francisco em sua visita ao presídio de Ciudad Juárez alguns anos antes: erguer a cabeça, olhar para o futuro e recuperar sua liberdade.
Encontrei-me com grupos cristãos e líderes eclesiásticos que mostram oposição ao Papa, mas também com grupos cristãos de base e líderes que o apoiam não apenas com palavras e institucionalmente, mas também colocando em prática suas reformas e denúncias contra o neoliberalismo e a corrupção.
Diante dos setores eclesiásticos que defendem um cristianismo dogmático, moralmente repressivo, distante do mundo da marginalização, hierárquico-piramidal na Igreja, patriarcal e clerical, que acusam o Papa Francisco de herege, e diante de coletivos políticos da direita e da extrema-direita, que o rotulam de antipapa e o insultam por sua crítica ao neoliberalismo, que considera injusto em sua raiz, uno-me à campanha em sua defesa e em sua proposta de Igreja em saída e de hospital de campanha, que sai às periferias com atitude compassiva e solidária com os setores empobrecidos, os coletivos sociais mais vulneráveis e os povos oprimidos. E faço isso precisamente quando se completam 11 anos de sua eleição como Papa, mas não ingenuamente, e sim de maneira dialética, destacando seus avanços inegáveis, mas também seus limites na reforma da Igreja.
Durante os onze anos de seu pontificado, Francisco mudou o curso da Igreja Católica com o desenvolvimento de um pensamento socioeconômico, político e ecológico "revolucionário" e o desenvolvimento de um programa eclesial moderadamente renovador, embora mantenha quase intacta a estrutura hierárquico-piramidal, clerical e patriarcal dentro da Igreja Católica.
As propostas de Francisco no campo político, socioeconômico e de relações internacionais vão além da doutrina social da Igreja de seus predecessores, e até mesmo da teoria e prática social-democrata, que frequentemente desembocam em políticas social-liberais. Um amigo italiano me contou recentemente que o Papa é o político mais de esquerda da Itália. E eu acredito nisso. Sua exortação apostólica A Alegria do Evangelho é uma das críticas mais severas ao capitalismo. Os papas anteriores o criticavam por considerá-lo injusto em suas consequências. Francisco afirma que é injusto em sua raiz.
Ele denuncia a globalização da indiferença, que nos torna "incapazes de nos compadecer dos clamores dos outros" e de chorar diante "do drama dos outros", a "anestesia da cultura do bem-estar". Ele critica severamente a cultura do descarte, que considera as pessoas e os coletivos excluídos como lixo e população excedente, deixados para morrer impiedosamente. Essa ideia me lembra a teoria da necropolítica, de Achille Mbembe, que consiste na aliança de todos os poderes para decidir quem deve viver e quem deve morrer. É a nova e mais perversa prática do antigo "darwinismo social".
Francisco interpreta a crise econômica como resultado de um capitalismo selvagem dominado pela lógica do lucro a qualquer preço e pronuncia quatro "nãos" que deveriam temperar o sistema: não a uma economia de exclusão e desigualdade, não à nova idolatria do dinheiro, não a um dinheiro que governa em vez de servir, não à desigualdade que é a raiz dos males sociais e gera violência.
Mas suas críticas não levam ao derrotismo, mas sim propõem alternativas econômicas e políticas. A economia a ser praticada é integrada em um projeto político, social, cultural e popular guiado pelo bem comum, expressão que ele pronuncia em cada um de seus discursos e documentos. A verdadeira política é aquela que tem capacidade para reformar as instituições, superar as pressões plutocráticas e gerar boas práticas de justiça e equidade. E isso em sintonia com os movimentos populares, que ele define como "semeadores da mudança" e "poetas sociais" que possibilitam um desenvolvimento humano integral. Ele se reuniu com eles várias vezes, adotando suas reivindicações das 3Ts: "Teto, Terra e Trabalho".
Sem os movimentos sociais, afirma, "a democracia se atrofia, se torna nominalista e perde representatividade". Eu concordo plenamente. Eu mesmo participo de diferentes movimentos sociais feministas, pacifistas, ecologistas, alterglobalizadores com o objetivo de salvar a democracia, ameaçada pelos diferentes sistemas de dominação, pelo capitalismo, supremacismo, colonialismo, patriarcado, racismo, xenofobia, etc. Mas não apenas a democracia formal e representativa, mas sim a democracia real, participativa, paritária, social, econômica, trabalhista, familiar...
A ecologia é uma das opções fundamentais de Francisco, o primeiro papa a dedicar ao tema uma encíclica: Laudato si' - sobre o cuidado da casa comum. Nela, ele critica o antropocentrismo moderno, que considera o ser humano como dono e senhor absoluto da natureza e exerce um comportamento despótico sobre ela. A crítica se estende à apresentação inadequada da antropologia cristã, que transmite "um sonho prometeico sobre o mundo que causou a impressão de que o cuidado da natureza é coisa de fracos". Seguindo seu magistério ecológico, permiti-me incorporar um novo neologismo: a "cuidadança", que se traduz no cuidado da natureza, da qual fazemos parte, inseparável da cidadania, que consiste em reconhecer como cidadãs do mundo todas as pessoas com os mesmos direitos e a mesma dignidade, independentemente de sua origem, classe social, etnia, cultura, religião, gênero, identidade sexual, etc.
Francisco critica igualmente o poder da tecnologia, que coloca a ética a seu serviço, e convida a buscar outros modos de entender a economia e o progresso, um novo modo de vida eco-humana e um modelo de desenvolvimento sustentável e integral. Como alternativa, destaca a relação inseparável entre ecologia e antropologia: "não há ecologia sem antropologia", escreve. A degradação ambiental e a degradação humana andam juntas. Por isso, estabelece uma relação intrínseca entre a vulnerabilidade do ser humano e a fragilidade da terra e considera inseparáveis o cuidado da natureza e o das pessoas empobrecidas, a justiça econômica e a ecológica.
Francisco tem promovido o diálogo inter-religioso, especialmente com o islamismo. Ele visitou inúmeros países de maioria muçulmana e teve encontros com seus líderes religiosos. Um dos mais significativos ocorreu em Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos) em fevereiro de 2019 com o Grande Imã e reitor da Universidade Al-Azhar, Ahmad Al-Tayyeb, com quem assinou o Documento sobre a fraternidade humana pela paz e a convivência comum, que inspirou o estabelecimento, pela ONU, do Dia Internacional da Fraternidade Humana em 4 de fevereiro sob os princípios da solidariedade e da compaixão.
Papa Francisco com Ahmad Al-Tayyeb em 2019. (Foto: Reprodução | Vatican News)
Ele advoga pelo diálogo intercultural no qual os povos indígenas sejam os principais interlocutores. Isso requer, previamente, o respeito e o reconhecimento de suas culturas, línguas, tradições, direitos e espiritualidades. O diálogo e o reconhecimento constituem o melhor caminho para a transformação das relações marcadas pela exclusão e discriminação em relações igualitárias. Ele compartilha sua cosmovisão do bem viver e do bem conviver, defende seu direito ao território e denuncia a apropriação que as multinacionais extrativistas fazem dele.
Ao contrário de João Paulo II e Bento XVI, acusados de cumplicidade com os pedófilos, Francisco condenou categoricamente esse crime e mostrou sua solidariedade, às vezes através de chamadas pessoais às vítimas, incentivando-as a denunciar os crimes vis, como Francisco os chama, às autoridades religiosas e jurídicas. Ele exigiu dos bispos e das congregações religiosas uma investigação rigorosa dos casos de pedofilia e tolerância zero com os agressores sexuais dentro da Igreja Católica. No entanto, muitos episcopados fizeram ouvidos moucos às suas demandas.
O Papa adota uma postura um pouco mais aberta do que seus predecessores em questões relacionadas ao divórcio e à homossexualidade. Ele abriu a porta para que pessoas divorciadas e recasadas possam participar da eucaristia, mas continua defendendo que o casamento é a união indissolúvel entre um homem e uma mulher e rejeitando o casamento igualitário, legalmente reconhecido em vários países.
Ele mostrou uma atitude de respeito em relação às pessoas homossexuais. "Se uma pessoa é gay, busca o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?", declarou no retorno do Brasil em julho de 2013. "As leis que criminalizam a homossexualidade são injustas", disse no avião de volta do Congo em fevereiro de 2023. Mas ele continua defendendo que a homossexualidade é um pecado e negando o sacramento do casamento a pessoas divorciadas e recasadas e a casais homossexuais, a quem considera "em uma situação irregular" e se limita a conceder-lhes uma bênção em uma cerimônia de dez ou quinze segundos, uma bênção que eu qualifico como clandestina e vergonhosa. Convido Francisco a rever essa concepção tão estreita de casamento, de relacionamentos amorosos, reconhecendo o amor como principal valor.
Eu acredito que a reforma eclesial está progredindo muito lentamente e tem seus limites, que gostaria de apontar para que possam ser corrigidos. Na Igreja Católica, a estrutura hierárquica e patriarcal persiste, com poucas mudanças significativas e apenas revestimentos superficiais. Os bispos continuam sendo nomeados pelo Papa sem participação da comunidade cristã. Os padres são designados pelos bispos para as paróquias sem consulta aos paroquianos. Ouvi o Papa fazer as críticas mais severas contra o clericalismo, ele está certo, mas na prática essa desvirtuação continua quase intacta ao colocar os clérigos no centro da vida cristã.
Mesmo fazendo alguns gestos para as mulheres ao nomeá-las para alguns cargos administrativos na Cúria Vaticana e nas cúrias diocesanas, elas continuam sofrendo discriminação e injustiça de gênero, o que se traduz na exclusão da maioria dos ministérios eclesiásticos, das responsabilidades de liderança, do acesso direto ao sagrado, da formulação do pensamento teológico e moral e na negação ou, pelo menos, na limitação dos direitos sexuais e reprodutivos.
Francisco deixou claro a recusa ao acesso das mulheres ao ministério presbiteral, justificando apelando para a vontade exclusiva de Cristo, que assim coloca do lado do patriarcado, o que me parece contrário ao movimento igualitário de Jesus de Nazaré.
A filósofa feminista estadunidense Mary Daly afirmava que "Se Deus é homem, o homem é Deus". A filósofa Kate Millet dizia que "o patriarcado sempre tem Deus do seu lado". Ambas têm razão. Convido o Papa a desmentir essas afirmações reconhecendo na prática o protagonismo que as mulheres merecem na comunidade cristã, de acordo com sua própria declaração de que "é preciso desmasculinizar a Igreja", pronunciada na reunião da Comissão Teológica Internacional, onde dos 30 membros apenas cinco são mulheres, o que ele lamentou naquele discurso. Para essa "desmasculinização", é necessário "desmasculinizar Deus", porque, como disse Rafael Sánchez Ferlosio, enquanto os deuses não mudarem, nada mudará".