13 Março 2024
"É perfeitamente legítimo discutir o ponto de vista do Papa. Observo apenas que, entre seus críticos (não todos), não é incomum encontrar aqueles que, depois de mais de dois anos, se contentam em recitar o mesmo mantra e não parecem se questionar sobre como sair dele. Enquanto isso, a tragédia vai piorando", escreve Franco Mônaco, ex-deputado e ex-senador italiano, em artigo publicado por Domani, 12-03-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo o Papa Francisco, em relação à Ucrânia, a coragem de negociar não é uma rendição, também a fim de evitar que a situação se degenere ainda mais com os decorrentes custos exorbitantes.
Pessoalmente concordo. Ainda mais: gostaria de salientar que o Papa, por sua vez, demonstra coragem quando profere palavras que, no clima belicista que se criou, desafiam o pensamento hoje dominante.
Estando certamente ciente de que tais palavras teriam gerado dissensos e polêmicas. Na minha opinião, paradoxalmente, ele Papa, dando prova de uma laicidade bem entendida. Isto é, de um pensamento crítico, realista e racional. Deixe-me explicar.
Ele parte da consideração objetiva dos dados da realidade. Dois em particular: a situação no teatro de guerra, que marca a prevalência lenta e progressiva do exército russo, previsivelmente não suscetível a ser empurrado para trás; o enfraquecimento mal disfarçado de um apoio concreto e eficaz dos EUA e da Europa. Cujas opiniões públicas e cujos governos parecem absorvidos por dinâmicas políticas internas.
Pode ser decepcionante, mas, repito, esses são dados da realidade. Removê-los não ajuda. Na verdade, reflete uma certa hipocrisia, que apenas os observadores confortavelmente distantes podem se permitir, não tocados pessoalmente pela tragédia da guerra. Claro, não o Papa que, desde o primeiro dia, apesar dos seus críticos, privilegiou o ponto de vista das vítimas. Todas.
Mas, além da abordagem laica (no sentido mencionado), o ponto de vista do pontífice pode ser lido em um horizonte menos extemporâneo, mais organicamente atribuível à evolução do magistério de Igreja sobre a paz e a guerra.
Como se sabe, ela passou - menciono apenas os dois extremos - da "doutrina da guerra justa" (hoje soa como um oximoro) à tese da legítima defesa das fronteiras cada vez mais rigorosamente circunscritas.
Não é nenhum mistério que a entrada na era atômica, isto é, das armas de destruição maciça, tenha representou um ponto de virada para o magistério. Quando João XXIII, com a Pacem in terris, no início dos anos 1960, chegou a proclamar que “alienum est a ratione bellum” (a guerra é estranha à razão).
O próprio Catecismo Universal da Igreja Católica, que fixa da maneira mais autorizada a sua doutrina “oficial”, enuncia com precisão as condições em que pode se dar a legitimidade ao exercício da legítima defesa.
São cinco:
1. que seja declarado pela autoridade legítima,
2. que exista uma causa justa,
3. que represente para todos os efeitos uma extrema ratio (ou seja, que todas as vias de negociação e políticas tenham primeiro se esgotado),
4. o princípio de proporcionalidade (ou seja, que mal inexoravelmente causado não seja superior ao que se entende remediar) e
5. finalmente as “possibilidades de sucesso”.
Curiosamente, esta última condição é muitas vezes ignorada. Mas, no entanto, é importante no caso em questão.
Sucesso talvez seja uma palavra imprópria. Como se pode falar de sucesso em relação a ações bélicas?
Mas o sentido parece-me claro diante de uma situação que, por razões bem fundamentadas, só pode piorar. Onde o fator tempo (Francisco o menciona explicitamente) não é absolutamente indiferente, tratando-se certamente de um tempo carregado de mortes, feridos e destruição. Maiores e inúteis, justamente sem chance de sucesso.
Afinal, pode ser lida como a weberiana “ética das responsabilidades” que se encarrega das consequências concretas.
Muitas vezes se invoca a “paz justa”. Quem poderia objetar?
Mas atenção: por mais desagradável que possa parecer, para pôr fim aos conflitos, muitas vezes (sempre?), a paz concretamente possível não é a paz integralmente justa. Passa por um compromisso que exige o sacrifício de algo que, em princípio e em condições normais, não seria justo sacrificar.
Não me interpretem mal, mas muitas vezes a única paz possível é uma paz que comporta alguma injustiça, entendida literalmente a justiça como “dar a cada um o que lhe é devido”.
É perfeitamente legítimo discutir o ponto de vista do Papa. Observo apenas que, entre seus críticos (não todos), não é incomum encontrar aqueles que, depois de mais de dois anos, se contentam em recitar o mesmo mantra e não parecem se questionar sobre como sair dele. Enquanto isso, a tragédia vai piorando.
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A coragem laica de negociar do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU