20 Fevereiro 2024
Na quarta-feira, 14 de fevereiro, na nova sede da Federação de Imprensa, na via delle Botteghe Oscure, em Roma, Raniero La Valle e Michele Santoro apresentaram numa coletiva a nova entidade política "Pace Terra Dignità" e falaram do seu grito desesperado à Europa em vista das próximas eleições europeias, às quais pretende participar. Essa entidade política, nascida de um apelo assinado por La Valle e Santoro em setembro passado para “dar uma representação a três sujeitos ideais que ainda não a têm ou a perderam, a três bens comuns: a paz, a terra e a dignidade”, nasce no momento em que no massacre de Gaza a guerra, tal como foi pensada e institucionalizada até agora a partir do Ocidente, atingiu o ponto de queda final, para além da qual existe apenas a derrubada das políticas atuais ou a catástrofe.
*O texto da introdução de Raniero La Valle pode ser encontrado aqui.
A reportagem é publicada por Chiesa di Tutti Chiesa dei Poveri, 16-02-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
É necessário um esclarecimento sobre a utilização do termo genocídio, que se tornou motivo de escândalo na política italiana e nas tomadas de posição de Israel, quando a verdadeira questão não é aquela de regular o uso dessa palavra, mas pôr fim ao crime que ela significa, como o Tribunal Internacional de Justiça de Haia pediu com a máxima urgência. Os milhares de mortos, os milhões de pessoas encurraladas, em fuga e amontoadas no último pedaço da Faixa de Gaza e os próprios reféns israelenses ainda nas mãos do Hamas são indiferentes à forma como é chamado o seu holocausto, são apenas vítimas e ponto. Tanto mais que na insensata diatribe sobre o nome a ser dado à carnificina em Gaza e ao massacre de 7 de outubro que a provocou, depois de "56 anos de sufocante ocupação ", como recordou o Secretário-Geral da ONU Guterres, chegou-se a argumentar que o critério para decidir se é possível ou não falar de genocídio seria a “proporção” entre a extensão da ofensa e a extensão da represália ou vingança.
A partir de um determinado momento, até Biden, Macron e Tajani começaram a dizer que não há proporção entre o terrorismo de 7 de outubro e o terror das 19 semanas que se seguiram até agora, ainda que não tenha sido especificado em que ponto dessa singular contabilidade de custos e receitas, devia ser posto o limite: estaria certa a proporção de 1.500 para um pelas 1.400 vítimas entre mortas e reféns de 7 de outubro e os dois milhões e duzentas mil pessoas de toda a população de Gaza perseguida como culpada? Será justo o preço de 28.000 mortos palestinos em troca dos 105 reféns libertados graças à primeira negociação, 267 mortos palestinos para cada israelense vivo? Será apropriado arrasar uma grande parte de Rafah e pelo menos 70 mortos confirmados em troca da libertação de dois reféns? E Netanyahu tem razão quando diz que não vai parar até terminar o trabalho e libertar os 103 reféns restantes, um por um, contra o milhão de pessoas que mandou concentrar e transformou em alvo em Rafah, tornando-as assim os últimos “escudos humanos” do Hamas?
Até mesmo o Cardeal Parolin definiu como “certamente não proporcional, com 30 mil mortos, o direito à defesa invocado por Israel para justificar essa operação”, e o embaixador de Israel junto à Santa Sé classificou essa declaração como “deplorável”; mas ele próprio fez disso uma questão de proporção, reivindicando como justa a percentagem de vítimas de Gaza, que seria de "três civis para cada militante do Hamas morto", quando "nas guerras e nas operações passadas das forças da OTAN ou das forças ocidentais na Síria, Iraque ou Afeganistão, a proporção era de 9 ou 10 civis para cada terrorista", portanto três vezes superior "à percentagem do exército de Israel".
Quando se chega a esse tipo de contabilidade, significa que a alma do mundo está perdida, e se alargarmos o campo da crise, até incluir e ver as outras guerras e toda a crise mundial, descobrimos que toda realidade humana e física do mundo, e a sua própria dignidade está hoje a ponto de poder ser perdida. E justamente o “Osservatore Romano” replicou que “ninguém pode definir o que está acontecendo na Faixa como ‘dano colateral’ da luta contra o terrorismo. O direito à defesa, o direito de Israel de levar à justiça os responsáveis pelo massacre de outubro, não pode justificar essa carnificina”.
Pode-se assim voltar ao uso da palavra “genocídio”. É uma palavra nova que não existia mesmo que povos inteiros tivessem sido exterminados, desde os Índios estadunidenses até os Armênios na Turquia. Foi cunhada pelo jurista judeu polonês Raphael Lemkin, antes mesmo que viesse a definir o holocausto do povo judeu, razão pela qual foi adotada na Convenção da ONU para a prevenção e repressão do crime de genocídio, para que isso não nunca mais viesse a se repetir na forma de “destruição, no todo ou em parte, de um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal”. Genocídio é, portanto, uma palavra comum, enquanto Holocausto é a palavra específica que define aquele perpetrado contra os Judeus. Foi tal a ponto de não poder ser considerado comparável com qualquer outro, e para os próprios Judeus tornou-se uma palavra sagrada que não podia referir-se a nada além do seu holocausto.
Essa é a razão pela qual se pode compreender a ferida profunda que a palavra abre na consciência do mundo, e o risco de ser confundida com o antissemitismo, embora infelizmente seja adequada para nomear outras realidades. Mas é também a razão pela qual, por amor aos Judeus e pela amizade fraterna que se deseja manter com eles, se pode muito bem prescindir de usá-la, sem por isso fechar os olhos a outras tragédias. Mas, pela mesma prudência, seria necessário que o Estado de Israel não proporcionasse uma autorrepresentação de si mesmo, apresentada como expressão autêntica de todo Israel, que fizesse parecer um povo vítima de um genocídio como legitimado a infligi-lo a outros.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O genocídio e suas contas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU