Por: Jonas | 15 Abril 2015
“O Papa não é Obama para se acovardar”. Kissag Mouradian, arcebispo primaz da Igreja Apostólica Armênia na Argentina, estava seguro, desde o início, que Francisco usaria o termo “genocídio armênio”. E sabia que o governo turco iria responder com dureza. Em entrevista ao Vatican Insider explicou o motivo pelo qual Ancara insiste em negar o extermínio sistemático e planejado contra esse povo, perpetrado pelo Império Otomano em 1915.
A entrevista é de Andrés Beltramo Álvarez, publicada por Vatican Insider, 14-04-2015. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Qual a importância da comunidade armênia da Argentina na diáspora?
A importância da comunidade armênia na Argentina está nas escolas. Através das escolas podemos preservar as tradições, o idioma, a religião e a história. Em outras partes, como França e Estados Unidos, talvez exista maior poder econômico, mas não possuem as estruturas que nós temos. Eles têm as igrejas e não as escolas, ao contrário, nós temos instituições educativas desde 1927.
Como era a relação de vocês com o cardeal Bergoglio?
Passamos a nos conhecer quando ele era bispo auxiliar de Buenos Aires e depois foi eleito cardeal primaz da Argentina. Começamos com encontros ecumênicos, orações e celebrações que continuaram quando se tornou arcebispo.
Ele sempre teve a convicção do genocídio armênio?
Claro. Nós, todos os dias 24 de abril, temos uma cerimônia na catedral metropolitana de Buenos Aires onde existe uma cruz de pedra e fazemos o responsório. Na primeira vez que ele presidiu esta cerimônia, falou do genocídio e pediu que a Turquia reconhecesse este crime para melhorar a situação dos dois povos, tanto armênio como turco. Porém, a negação é uma política turca, pois eles sabem muito bem que após o reconhecimento vem a segunda parte, que é discutir os temas territoriais.
Então, é um problema geopolítico?
É, porque não perdemos somente vidas. Não é a questão de um milhão e meio ou dois milhões de massacrados. Eles não voltarão, a questão é que devolvam o território onde essas pessoas viviam. Esses espaços não eram turcos, mas faziam parte de nossa pátria. A minha opinião é que eles não querem reconhecer a existência do genocídio para não chegar a esse momento da reivindicação territorial. Por isso, nosso lema para este centenário é “memória e reivindicação”, porque não basta somente a recordação.
Vocês perceberam a missa solene em São Pedro como um definitivo reconhecimento do genocídio?
Sim, por isso os turcos estão irritados com o Papa. Porém, buscar a justiça não é irritar, e infelizmente nós sabemos que a justiça nunca é dada, a justiça sempre se conquista. Quando falamos de problemas territoriais, de reivindicação, de história, muitas vezes as coisas vem com sangue, infelizmente. Nesse momento, não nos move o espírito revanchista, mas, sim, a busca da justiça.
Esse foi o sentido da missa?
Foi. Procurando sempre a justiça, caso contrário, o outro caminho é a guerra, mas não queremos nem a guerra, nem a violência. Se há formas para solucionar pacificamente uma contenda, a primeira reivindicação é que os crimes sejam reconhecidos. Se eu me aproprio de sua casa e tomo o que é seu, não há como você falar se estou negando tudo.
Não veem possibilidade de mudança na postura turca?
A Turquia tentou esconder o centenário do genocídio, mas a realidade do genocídio armênio é mais forte do que qualquer outra coisa. Por isso, não funcionou a estratégia de (Recep Tayyip) Erdogan (presidente turco) e, infelizmente, não se pode esconder o crime, porque houve uma injustiça que não teve sua reparação. Então, comecemos por aí. Afinal de contas, negar também é aceitar, eu nego algo do qual duvido de sua existência. Se não tivesse ocorrido nada, o que eu poderia negar?
O Papa não sabia que suas palavras poderiam irritar os turcos?
O Papa nunca se preocupa se incomoda ou não incomoda alguém, o importante para ele é a justiça e a verdade, sempre teve estes dois valores. Francisco não é (Barack) Obama para se acovardar. O presidente dos Estados Unidos têm seus problemas políticos, seus interesses e pode se acovardar, ele prefere usar a palavra armênia “metz yeghèrn”, que significa “a grande matança”, mas grande matança não significa genocídio, conceitualmente há uma diferença entre ambas.
O que esperam depois deste passo?
Antes de qualquer coisa, nós devemos preservar nossa identidade, se não reconheço a mim mesmo, não vou reconhecer meus problemas. Devemos continuar mantendo nossa consciência de ser armênios e cristãos, de defender uma causa. Essa causa não termina com o recordar e reparar aqueles que foram martirizados, termina quando se senta para falar sobre a questão geopolítica, sobre a reivindicação real. Nós continuaremos nessa brecha, manteremos a realidade e a verdade. Enquanto eles não reconhecerem essa verdade, continuarão com a mesma culpa que sentem, uma culpa que estão procurando negar permanentemente.
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Genocídio armênio. “Buscar a justiça não é irritar” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU