24 Janeiro 2024
"O fanatismo nacional-jihadista do Hamas é algo diferente, tem outras raízes, do que o nazi-fascismo europeu. Tachar o inimigo de nazismo, como Putin faz com os ucranianos e como Erdogan faz com Netanyahu, não só é uma arma cega, mas banaliza a memória do Holocausto que hoje corre o risco de ser destruída ao fazer as contas com a tragédia da guerra de Gaza. A memória histórica é preciosa precisamente porque é incômoda", escreve Gad Lerner, jornalista, em artigo publicado por Il Fatto Quotidiano, 23-01-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Há alguns dias Paolo Mieli, divulgador de história na TV e amante de comparações sugestivas, vem repetindo que a carnificina perpetrada pelo Hamas dentro do território israelense em 7 de outubro de 2023 encontraria seu "precedente novecentista" na Kristallnacht de 9 de novembro de 1938 na Alemanha, quando os nazistas invadiram casas, sinagogas e instituições judaicas.
E Mieli lastima que, com a aproximação do Dia da Memória (próximo sábado), grande parte da opinião pública não perceba a analogia e manifeste incompreensão quanto ao duradouro sofrimento dos judeus. A incongruência de tal comparação histórica deveria resultar evidente: em 1938 Hitler estava no poder há 5 anos e já havia promulgado as famigeradas leis raciais de Nuremberg.
A ação terrorista do Hamas, ao contrário, foi lançada a partir de fora. Lembrar isso não implica absolutamente subestimar o atroz salto qualitativo numa guerra agora quase centenária. A luta contra o antissemitismo não se beneficiará em nada com tais saídas propagandistas.
O fanatismo nacional-jihadista do Hamas é algo diferente, tem outras raízes, do que o nazi-fascismo europeu. Tachar o inimigo de nazismo, como Putin faz com os ucranianos e como Erdogan faz com Netanyahu, não só é uma arma cega, mas banaliza a memória do Holocausto que hoje corre o risco de ser destruída ao fazer as contas com a tragédia da guerra de Gaza. A memória histórica é preciosa precisamente porque é incômoda.
Se seguir esse caminho, Mieli acabará acusando de antissemitismo também o Alto representante da política externa da UE, Josep Borrell, que ontem denunciava: “Vítimas civis, quando é demais é demais. Qual é a solução de Israel? Expulsar as pessoas de Gaza? Matar todos?". Quem se preocupa com o futuro de Israel e com o destino dos judeus, deve evitar a escolha suicida de uma guerra prolongada em eterno contra o “inimigo absoluto”.
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Hamas igual ao nazismo? Assim se ofende a memória. Artigo de Gad Lerner - Instituto Humanitas Unisinos - IHU