22 Agosto 2023
Cerca de 50 pessoas percorreram o caminho de Trento a Sankt Radegund para lembrar esse homem que se recusou a aderir ao regime. Decapitado em 1943 por ordem de Hitler. Uma memória e também uma ferida.
A reportagem é de Antonio Gregolin, publicada por Avvenire, 19-08-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Há caminhos percorridos por peregrinos que não têm a visibilidade dos grandes guias, mas se assentam na espontaneidade de quem quer fazer "memória histórica". Um desses se localiza entre a Áustria e a Alemanha no coração da Baviera, onde há mais de uma década os peregrinos italianos percorrem um caminho da memória que de Trento, em 8-9-10 de agosto, leva à remota aldeia de Sankt Radegund, município austríaco no distrito de Braunau am Inn.
Nestes dias seguimos esse grupo de peregrinos. O grupo que partiu de carro é heterogêneo: pessoas do Trentino, Veneto, Piemonte, Lombardia, Romanha. A maioria são veteranos nessa experiência: são objetores de consciência, professores universitários, aposentados, professores de religião, profissionais liberais e alguns jovens. Nenhum guia oficial a seguir, apenas um sentido profundo de pacífica consciência civil. O destino continua sendo a igreja onde está enterrado o beato Franz Jägerstätter. Um nome que pode ser colocado ao lado daquele de Josef Mayr-Nusser de Bolzano (diretor da Ação Católica da arquidiocese de Trento, antinazista, que morreu ao ser deportado para um campo de concentração devido a espancamentos, fome e sede em fevereiro de 1945), ambos beatos, com um destino comum ligado ao período nazista.
Oitenta anos atrás, Jägerstätter sofreu um processo por desobediência pelos nazistas, que terminou em Berlim com a sentença de decapitação executada em 9 de agosto de 1943 sob pressão do próprio Hitler. A história começou a ser conhecida com a biografia escrita em 1964 pelo sociólogo e pacifista estadunidense Gordon Zahn, para se tornar o roteiro do filme de 2020 Uma vida oculta pelo diretor Terrence Malick. Pai de três filhas ainda vivas e marido de Franziska (falecida em 2013), Jägerstätter foi convocado três vezes pelas SS, opondo-se à obrigação militar por motivos éticos, tornando-se um caso de "objeção de consciência". Se para os detratores isso continua sendo um caso de idealismo religioso, seus escritos enviados da prisão para amigos e familiares, lançam luz sobre seu verdadeiro espírito de ação. Quem nos conta isso são Giampiero Girardi e Lucia Togni de Trento, que na Itália conservam a memória do beato camponês austríaco, com seu último livro Un esempio luminoso in tempi bui (Um exemplo luminoso em tempos sombrios, em tradução livre, editora Il pozzo di Giacobbe) lançado junto com a peregrinação de memória que eles promovem há mais de uma década.
Cerca de 50 caminhantes, a maioria italianos e os demais alemães e austríacos. Poucos os nativos, talvez porque muitos ainda pensam que “aquela escolha do futuro beato trouxe a vergonha da desonra e traição da comunidade” comentam alguns dos participantes da peregrinação. “Cada vez que volto é uma grande emoção – acrescenta a mais idosa do grupo, Gina Abbate de Merano – que nasce da biografia de Jägerstätter, onde ele diz: “Estou de mãos atadas, mas prefiro infinitamente esta condição, ao ver minha vontade acorrentada. Aqui estamos a 20 quilômetros do local de nascimento de Hitler e, aliás, também daquele do Papa Ratzinger, de forma que chegar é sempre um salto na história!”.
As bandeiras coloridas da Pax Christi deslizam entre as agulhas e folhas dos bosques onde passa o percurso de cerca de vinte quilômetros que o grupo está prestes a fazer, cruzando colinas, fazendas. Uma peregrinação de desarmante simplicidade, que parte pouco depois do meio-dia, para chegar à igrejinha de campo às 16 horas, na hora exata da decapitação do beato Franz. O caminho é aberto pela cruz processional que o próprio Franz usava quando oficiava como sacristão em sua igreja. Caminha-se livremente. E livres também são os discursos que se ouvem entre os participantes sobre guerra e paz, com o nome da Ucrânia repetido muitas vezes.
Entre os caminhantes também está Emanuel Curzel, professor de história do cristianismo na Universidade de Trento, que optou por pedalar 400 quilômetros chegando de bicicleta da Itália à Áustria para o momento: “Numa época de pressão pela uniformidade de pensamento e ação a serviço de uma ideia ou nação forte e prevaricadora, poder encontrar a coragem de se diferenciar é realmente heroico e filho daquela inspiração que tem como exemplos o de Jägerstätter ou Nusser, mártires cristãos e vítimas do nazismo”. Chove em alguns momentos sobre os caminhantes, enquanto após três horas de caminhada se chega ao seu túmulo, com o grande sino comemorativo que toca pela ação de três mulheres, enquanto na igreja para receber o grupo, estão as filhas idosas do beato, com mais de oitenta anos, ponte ideal entre a história e a fé.
Laicidade e religiosidade de um caminho pouco conhecido, iluminado pela luz das velas colocadas sobre o túmulo do beato, como quer a tradição.
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Peregrinação nas pegadas de Jägerstätter. Mártir do nazismo, defendeu seus princípios - Instituto Humanitas Unisinos - IHU