16 Agosto 2021
Um trecho do novo livro de Francesco Solo contro Hitler. Franz Jägerstätter, il primato della coscienza (Sozinho contra Hitler. Franz Jägerstätter, o primado da consciência, em tradução livre, Editrice missionaria italiana, p. 176, euro 16), nas livrarias a partir de 2 de setembro. No texto que aqui apresentamos, Comina conta como a notoriedade do objetor de consciência antinazista, decapitado em 9 de agosto de 1943 na prisão de Tegel (a mesma onde Dietrich Bonhoeffer foi preso), se enraizou nos Estados Unidos graças ao interesse do monge e escritor Thomas Merton e da ativista pacifista Dorothy Day. Durante o próximo Encontro de Rimini, Francesco Comina apresentará a exibição do filme de Terrence Malick Uma vida oculta, dedicado à figura de Franz Jägerstätter, beatificado em Linz em outubro de 2007.
O texto é de Francisco Comina, publicado por Avvenire, 14-08-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
No início de década de 1960 a história de Franz Jägerstätter atravessa o oceano e a partir daí desperta grande interesse entre os líderes daquele imponente movimento contra a Guerra do Vietnã, que desde as primeiras ações públicas de objeção de consciência em maio de 1964 em Nova York, com as fogueiras das cartas de convocação queimadas em protesto, se desenvolverá em todos os EUA. A "nova fronteira" aberta por John F. Kennedy relança a esperança de um processo democrático chamado a enfrentar os grandes desafios da época: o desarmamento nuclear, a luta contra a pobreza e o desemprego, o crescimento econômico, a utopia da paz, o fim do opróbrio representado pelo sistema de segregação racial. O sonho diurno de Martin Luther King Jr., I have a dream, funde-se com o hino à paz de Joan Baez We Shall Overcome, enquanto explodem no caos da transição política confrontos, atos de terrorismo e atentados aos líderes da mudança, como em novembro de 1963, quando Kennedy foi assassinado por um atirador durante uma visita a Dallas. E depois em 1968 com o assassinato de Martin Luther King e Bob Kennedy.
São os anos em que brilha a estrela de Thomas Merton, um monge trapista da abadia de Nossa Senhora do Gethsêmani em Bardstown no Kentucky, um escritor prolífico, amante do jazz, famoso em todo o mundo por seus escritos apaixonados, que animam os jovens da contestação a buscar Deus nas trilhas poeirentas da história. Merton é uma das referências mais importantes do variegado povo que luta contra a Guerra do Vietnã, pela afirmação da igualdade de direitos civis da população negra, pelo diálogo ecumênico e inter-religioso. [...] Em 1965, o monge lança um livro contra a guerra intitulado Fé e Violência, no qual tenta dar sentido às demandas do dissenso estadunidense. A intenção é clara desde o início: “Estou do lado das pessoas que são queimadas, cortadas em pedaços, torturadas, mantidas reféns, asfixiadas com gás, arruinadas, destruídas ... Estou do lado das pessoas que estão cansadas da guerra e querem a paz para reconstruir o país”.
E lança, desde as primeiras páginas, a figura de Franz Jägerstätter como modelo de homem que teve a força e a coragem de se opor ao regime mais impiedoso da história, colocando-se no meio de uma guerra injusta e cruel. Um "inimigo do estado" morto da maneira mais feroz. Para o monge trapista estadunidense, Franz é um ícone do Concílio Vaticano II, o símbolo de um Cristianismo militante, que interpreta de maneira autêntica a novidade de uma Igreja não-violenta e pacifista, uma Igreja que levanta uma barreira contra a legitimidade de qualquer conflito e que coloca a guerra como "alheia a ratione": fora das lógicas racionais. Em suma, a igreja do Papa João XXIII e da sua encíclica Pacem in terris.
Na visão de Merton, Franz é um profeta desses tempos atormentados que anseiam por paz. Ele escreve em seu livro: “A história de Franz Jägerstätter tem uma importância verdadeiramente particular quando a Igreja Católica enfrenta o problema moral das armas nucleares no Concílio Vaticano II. Esse camponês austríaco não era apenas católico e um objetor de consciência, mas também um católico fervoroso, tão fervoroso que alguns que o conheceram pensam que tenha sido um santo. Sua recusa firme e fundamentada de lutar pela Alemanha na Segunda Guerra Mundial era a consequência direta de sua conversão religiosa. Era a maneira de cumprir politicamente seu desejo de ser um cristão perfeito. Franz Jägerstätter renunciou à sua própria vida em vez de tirá-la de outros, na que ele considerava uma ‘guerra injusta’.
Ele aderiu a esse credo contra qualquer possível objeção não apenas do exército e do estado, mas também de seus companheiros católicos, do clero católico e, claro, de sua própria família. Ele praticamente teve que contrapor todo argumento ‘cristão’ a favor da guerra. Ele foi tratado como rebelde, desobediente à autoridade legal, como um traidor da pátria. Ele foi acusado de ser egoísta, obstinado, de não levar em consideração sua família e negligenciar seu dever para com seus filhos ... Também lhe foi dito que o que ele sabia não era suficiente para julgar se a guerra fosse justa ou não. Que era obrigado a se submeter ao juízo superior do estado. O governo e o Führer sabiam muito mais ... Um padre mostrou-lhe que nas forças armadas ele teria muitas oportunidades de praticar a virtude cristã e o apostolado do bom exemplo ... O camponês não se rendeu a nenhum desses argumentos”.
Merton ficou conhecendo a história de Franz pelos livros do sociólogo e jornalista pacifista Gordon Zahn, ligado ao Movimento dos Trabalhadores Católicos, fundado em Nova York por Dorothy Day e Peter Maurin. Entre 1956 e 1957, Zahn esteve na Alemanha para analisar o comportamento da Igreja em relação ao nazismo e para descobrir se houve casos de objeção de consciência ao regime. Ele estava particularmente interessado na Friedensbund Deutscher Katholiken, a Liga pela Paz dos católicos alemães. Sua intenção era trabalhar em um livro, que será publicado em 1962 com o título German catholics and Hitler’s wars. A study in social control.
Zahn recolheu os testemunhos de alguns sacerdotes e de alguns bispos que tiveram a coragem de se opor a Hitler. Mas foi lendo um memorial dedicado a Franz Reinisch que ele se deparou com a história de Jägerstätter. Ficou impressionado a ponto de pensar em um segundo livro, inteiramente dedicado ao camponês austríaco. No verão de 1961, Zahn partiu para Sankt Radegund, a cidade de Jägerstätter, onde ficou por cinco semanas para coletar todos os testemunhos diretos possíveis, que seriam utilizados para escrever In solitary witness: The life and death of Franz Jägerstätter, que seria lançado em 1964 (o livro foi traduzido para o italiano em 1968 com o título Il testimone solitario. Vita e morte di Franz Jägerstätter). [...] A história de Zahn sobre Jägerstätter também foi publicada em capítulos na "Catholic Worker" (revista do movimento, muito difundida na época) e despertou o interesse de Dorothy Day, que fala a respeito em seus diários de 25 de maio de 1965, contando ter ficado imersa na leitura do livro de Gordon Zahn, e depois em 23 de fevereiro de 1967, citando o testemunho do objetor de consciência austríaco como um daqueles sinais de um tempo oportuno, o kairós, tempo de semeadura de um movimento católico contra a guerra com raízes profundas.
“Este - escreve Dorothy Day em seus diários - é o momento de se conectar em todos os lugares com pessoas que estão potencialmente interessadas e fazer algo. Fazer com que falem e ajam concretamente ali onde vivem e explicar os fundamentos de um movimento católico pela paz nos termos mais simples e universais: Pacem in terris, o Concílio e o tema da guerra, o objetor de consciência austríaco Franz Jägerstätter, o Papa Paulo VI, etc.".
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Assim Jägerstätter “conquistou” os EUA - Instituto Humanitas Unisinos - IHU