12 Janeiro 2024
Para pedir condenação por genocídio, África do Sul apoia-se nas declarações das próprias autoridades israelenses. Processo é longo, mas Corte Penal Internacional pode exigir cessar-fogo já. Tel-Aviv e Washington temem isolamento desastroso.
A reportagem é de Medea Benjamin e Nicolas J. S. Davies, publicada por Codepink e reproduzida por Outras Palavras, 11-01-2024.
Neste 11 de janeiro, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) em Haia realizou sua primeira audiência no caso da África do Sul contra Israel sob a Convenção de Genocídio. A primeira medida provisória que a África do Sul solicitou à corte é ordenar o fim imediato dessa carnificina, que já matou mais de 23 mil pessoas, a maioria mulheres e crianças. Israel está tentando bombardear Gaza até apagá-la, e espalhar os sobreviventes aterrorizados pela Terra – o que atendendo, nos mínimos detalhes, à definição de genocídio da Convenção.
Como os países envolvidos em genocídios não declaram publicamente seu verdadeiro objetivo, o maior obstáculo legal para qualquer processo por genocídio é provar a intenção de praticá-lo. Mas, no caso extraordinário de Israel, cujo culto de direito divino é apoiado incondicionalmente pela cumplicidade dos EUA, seus líderes têm sido singularmente descarados sobre seu objetivo de destruir Gaza como refúgio da vida, cultura e resistência palestinas.
A petição de 84 páginas da África do Sul à CIJ inclui dez páginas (a partir da 59) com declarações de autoridades civis e militares israelenses que documentam suas intenções genocidas em Gaza. Incluem-se declarações do primeiro-ministro Netanyahu, presidente Herzog; do ministro da Defesa, Yoav Gallant; de outros cinco ministros, militares de alto escalão e membros do Parlamento. Ao ler essas declarações, é difícil não reconhecer a intenção genocida por trás da morte e devastação que as forças israelenses e as armas norte-americanas estão causando em Gaza.
Israeli writer Nadav Eyal via Yedioth Ahronoth: “There is no point in denying this... Yesterday was tough for Israel in The Hague, in fact one of the toughest days on the diplomatic level since the outbreak of the war... Israel has already lost in this situation, even if We… pic.twitter.com/eZFjsMrA0b
— S p r i n t e r (@Sprinter99800) January 12, 2024
A revista israelense +972 entrevistou sete oficiais de inteligência israelenses atuais e antigos, envolvidos em ataques anteriores a Gaza. Eles explicaram a natureza sistemática das práticas de mira de Israel e como os alvos da infraestrutura civil – eufemisticamente chamados de “alvos de energia” foram vastamente expandidos no atual ataque.
Os “alvos de energia” de Israel em Gaza incluem edifícios públicos como hospitais, escolas, bancos, prédios do governo e prédios residenciais. O pretexto público para destruir a infraestrutura civil de Gaza é que os civis culparão o Hamas por sua destruição, minando assim sua base civil de apoio. Essa lógica brutal foi comprovadamente desmentida em conflitos promovidos pelos EUA em todo o mundo. Em Gaza, não passa de uma fantasia grotesca. Os palestinos entendem perfeitamente quem os está bombardeando – e quem está fornecendo as bombas.
Oficiais de inteligência disseram ao +972 que Israel mantém estatísticas detalhadas de ocupação para cada edifício em Gaza e estimativas precisas de quantos civis serão mortos em cada edifício que bombardeia. Embora as autoridades israelenses e americanas menosprezem publicamente as contagens de vítimas palestinas, fontes de inteligência disseram ao +972 que os números de mortos palestinos são surpreendentemente consistentes com as próprias estimativas de Israel de quantos civis está matando. Para piorar, Israel começou a usar inteligência artificial para gerar alvos com escrutínio humano mínimo, e está fazendo isso mais rápido do que suas forças podem bombardeá-los.
Autoridades israelenses afirmam que cada edifício de apartamentos alto que bombardeiam tem alguma presença do Hamas, mas um oficial de inteligência explicou: “O Hamas está em toda parte em Gaza; não há prédio que não tenha algo do Hamas; por isso, se você quiser encontrar uma maneira de transformar um prédio alto em um alvo, será fácil.” Como resumiu Yuval Abraham do +972, “As fontes entenderam, algumas explicitamente e outras implicitamente, que o dano aos civis é o verdadeiro propósito desses ataques.”
Na véspera do Ano Novo, dois dias depois de a África do Sul pedir a aplicação da Convenção de Genocídio à CIJ, o ministro das Finanças de Israel, Bezalel Smotrich, declarou que Tel-Aviv deveria esvaziar a Faixa de Gaza de palestinos e trazer colonos israelenses. “Se agirmos de maneira estrategicamente correta e incentivarmos a emigração”, disse Smotrich, “se houver 100.000 ou 200.000 árabes em Gaza, e não dois milhões, todo o discurso sobre ‘o dia seguinte’ será completamente diferente.”
Quando repórteres confrontaram o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Matt Miller, sobre a declaração de Smotrich e declarações semelhantes do ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, Miller respondeu que o primeiro-ministro Netanyahu e outros funcionários israelenses garantiram aos Estados Unidos que essas declarações não refletem a política do governo israelense.
Mas as declarações de Smotrich e Ben-Gvir seguiram-se a uma reunião de líderes do Partido Likud no Natal, onde o próprio Netanyahu disse que seu plano era continuar o massacre até que o povo de Gaza não tivesse escolha a não ser sair ou morrer. “Em relação à emigração voluntária, não tenho problema com isso”, disse ele ao ex-embaixador israelense na ONU, Danny Danon. “Nosso problema não é permitir a saída, mas a falta de países dispostos a receber os palestinos. E estamos trabalhando nisso. Essa é a direção que estamos seguindo.”
Deveríamos ter aprendido com as guerras perdidas dos Estados Unidos que o assassinato em massa e a limpeza étnica raramente levam à vitória militar ou ao êxito político. Com mais frequência, alimentam ressentimentos profundos e desejos de justiça ou vingança que tornam a paz mais elusiva e o conflito endêmico.
Embora a maioria dos mártires em Gaza sejam mulheres e crianças, Israel e os Estados Unidos justificam politicamente o massacre como uma campanha para destruir o Hamas matando seus líderes seniores. Andrew Cockburn descreveu em seu livro Kill Chain: the Rise of the High-Tech Assassins [“Cadeia da Matança: o surgimento dos assassinos high-tech”] como, em 200 casos estudados pela inteligência militar dos EUA, a campanha do país para assassinar líderes da resistência iraquiana em 2007 levou, em todos os casos, à ampliação dos ataques contra as forças de ocupação dos EUA. Cada líder de resistência que mataram foi substituído em 48 horas, invariavelmente por novos líderes mais agressivos, determinados a provar sua valentia matando ainda mais soldados dos EUA.
Mas isso é apenas mais uma lição não aprendida, já que Israel e os Estados Unidos estão matando líderes da Resistência Islâmica em Gaza, Cisjordânia, Líbano, Iraque, Iêmen e Irã, arriscando provocar uma guerra regional e se tornando mais isolados do que nunca.
Se a Corte Internacional de Justiça emitir uma ordem provisória de cessar-fogo em Gaza, a humanidade deve aproveitar o momento para insistir que Israel e os Estados Unidos finalmente encerrem esse genocídio e aceitem que o domínio do direito internacional se aplica a todas as nações – inclusive a eles.
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Haia: Israel à beira de sua maior derrota - Instituto Humanitas Unisinos - IHU