08 Dezembro 2023
"Há um crescente e justificado descrédito com relação à conferência sobre aquecimento climático, realizada no ano mais quente da história em 128 mil anos", escreve Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), em artigo publicado por ((o))eco, 05-12-2023.
Em plena COP 28, que acontece até o dia 12 nos Emirados Árabes Unidos, o ministro Alexandre Silveira, das Minas e Energia, abraçou a Opep+ e disse que isso poderia ajudar os pobres. Certamente, trata-se de profundo paradoxo, um filosofar sobre extremos. Afinal, Sócrates proferiu a frase: “Só sei que nada sei”.
Mas o paradoxo dos fósseis, a princípio negado, acabou ratificado pelo presidente Lula, que calou aplausos da sociedade civil ao dizer o quão chique achava o termo Opep Plus (+).
Como consequência, o prêmio Fóssil do Dia instituído pela Climate Action Network (CAN), que representa mais de 1,3 mil organizações não-governamentais, concedeu a categoria de “lógica distorcida” para o Brasil.
“O Brasil é o vencedor do dia por aparentemente confundir produção de petróleo com liderança ambiental”, afirmou a CAN durante cerimônia realizada na entrada do Expo City Dubai, na COP 28.
O que aconteceu em Dubai é extremamente grave. Não foram apenas gestos. O Brasil está escorregando, de forma mensurável, para as sombras de onde emerge o negacionismo climático. Um dia depois do término da COP 28, em 13 de dezembro, o Brasil promoverá leilões de poços de petróleo, muitos em áreas consideradas ambientalmente frágeis como o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha e da Reserva Biológica do Atol das Rocas.
A Agência Internacional de Energia (AIE) informou, em relatório publicado em novembro, que o Brasil é um dos países com a produção de petróleo que mais cresce, especialmente nos últimos seis anos.
O Brasil está pegando o bonde de décadas atrasado. A realidade global é outra. Muitos já percebem o engodo e a sedução dos fósseis, remanescentes da velha economia que está literalmente destruindo o planeta, mas com poder econômico para neutralizar, de forma lobística, as conferências climáticas e seduzir retardatárias economias em ascensão.
“Este ano, Dubai é um engano total“, diz Romain Grard, do centro estratégico internacional da Scientist Rebellion. “Precisamos abrir outros espaços de reflexão com o público em geral, para tentar criar uma ponte entre a reflexão e a ação”, afirmou. Na França, outras contra-COPs locais estão ocorrendo: Paris, Bordeaux, Nantes, Lyon e Nîmes.
A COP 28 de Dubai impressiona pelo contexto paradoxal. Al-Jaber, CEO da petroleira nacional dos Emirados Árabes, a ADNOC, protagoniza um colossal conflito de interesses, pois também preside a COP 28. Defende, pela empresa, o aumento da produção de petróleo – e em nome da conferência sua redução.
Há crescente e justificado descrédito com relação à conferência sobre aquecimento climático, realizada no ano mais quente da história em 128 mil anos. Jérôme Santolini, diretor de pesquisa em bioquímica do CEA (Pesquisa e Desenvolvimento Científico), de Paris, afirma: “O alarme soa há mais de cinquenta anos, os relatos se acumulam, mas há sempre um desacoplamento entre o conhecimento científico e a ação das esferas política e diplomática”.
Para os brasileiros, especialmente os vinculados à área climática, é teste de paciência acompanhar a “lógica invertida” do improvisado ativismo governamental Macunaíma. A realidade insólita nos leva a refletir sobre paradoxos e suas matrizes. A ânsia pelo poder econômico da geopolítica global, à qual não está imune o Brasil, revela o paradoxo do reino de Midas, levado à inanição por sua própria ganância.
O mesmo Brasil que, sob regime militar, devastou a floresta com a Transamazônica, depois de duramente atingido pelas críticas internacionais, recuperou espantosamente credibilidade e sediou, como líder global, a Conferência Rio 92, que deu origem à Convenção do Clima.
Pouco mais de duas décadas se passaram para que entrasse, sob o comando de Jair Bolsonaro, em estado de pouco disfarçado negacionismo climático. A retomada pelo governo Lula das promessas climáticas soou como um alento aos olhos internacionais mais progressistas, para movimentos sociais e representantes da ciência. Mas agora colhemos novamente o paradoxo.
A pergunta que fica no ar é: como solucionar essa crise de identidade à qual o Brasil é constantemente submetido, em que pese sua Constituição Federal, que encampou uma Política Nacional de Meio Ambiente ecológica e robusta.
Essa gênese de Macunaíma, herói sem nenhum caráter, precisa ser superada. O Brasil deve abandonar as seduções do velho modelo fóssil, paradoxo que sobrevive de defesas falaciosas acientíficas. Deve reconhecer seu DNA ambiental. Deve deixar de subestimar a inteligência da sociedade e afastar-se do proselitismo que não encontra mais espaço nessa modernidade adversa do antropoceno e na inegável realidade das mudanças climáticas.
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O paradoxo da COP28 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU