08 Dezembro 2023
"Gianfranco Ravasi explica, com absoluto domínio do assunto e grande maestria comunicativa, as cem e mais palavras-chave da Bíblia, ajuda-nos a descobrir as antigas e sempre novas riquezas daquele tesouro, como aquele escriba bem treinado nas coisas do reino de Deus, de que Jesus fala no Evangelho (Mateus 13, 52)", escreve Paolo Ricca, teólogo, pastor valdense italiano e professor emérito da Faculdade Valdense de Teologia, em artigo publicado por Riforma, revista semanal das igrejas evangélicas batista, metodista e valdense, 08-12-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Conta um midrash (antigo comentário rabínico sobre as Escrituras) que, antes da criação de mundo, Deus, numa espécie de prelúdio à criação, teria criado o alfabeto hebraico. De fato, o primeiro ato criativo de Deus foi falar, e as primeiras palavras proferidas por Deus foram: “Haja luz!" E houve luz (Gênesis 1, 2). Ecoa isso no Novo Testamento o evangelista João, que começa o seu evangelho, isto é, a sua história de Jesus, dizendo: “No princípio era o Verbo” (1, 2).
"Tudo bem", diria o antigo rabino que escreveu o midrash citado acima, "mas cada palavra, seja o que for e qualquer seja a linguagem utilizada, é feita de letras; não há palavra sem letras, que obviamente precedem a palavra, que só pode ser pronunciada porque antes dela existem as letras que a compõem. Portanto", conclui o antigo rabino, "para poder falar, Deus deve ter primeiro criado o alfabeto" - o hebraico neste caso. Falamos de bom grado sobre a “primazia da Palavra”, e é justo fazê-lo, mas é precedida por aquela da Letra.
L’alfabeto di Dio é o título de um livro de Gianfranco Ravasi, recém-lançado pela Edizioni San Paolo*. Na realidade essa obra é muito mais que um discurso sobre dois grandes alfabetos bíblicos: o hebraico e o grego. Sobre aquele judaico falou e escreveu páginas cativantes há alguns anos Paolo De Benedetti, até em uma série de episódios de rádio para o programa Uomini e Profeti da RadioTre, dirigido por Gabriella Caramore.
L'alfabeto di Dio
Gianfranco Ravasi também estuda as letras dos dois alfabetos bíblicos, mas a partir das palavras: o seu caminho vai da palavra às letras, e não das letras para a palavra. A partir desta última, ele desce em direção às letras e, cavando nelas, desvenda seus múltiplos significados, sempre muito ricos, que conferem à palavra o seu pleno significado e valor. A palavra não tem outra substância nem outra mensagem além daquela das letras que a compõem. Portanto, primazia da palavra, sim, mas escondida, como uma pérola em sua concha, nas letras de que é feita. Sem conhecimento profundo da letra, a palavra é muda.
Ora resulta (Ravasi nos conta na introdução do livro) que as palavras do Antigo Testamento, incluindo os livros apócrifos ou deuterocanônicos (nomes, pronomes, verbos, advérbios, sinais gramaticais etc.) somam 300.613 no total, enquanto os termos usados são 5.750. Dentre estes, o Autor escolheu 55, que são aqueles fundamentais, no sentido de que neles se encontra resumida e formulada a mensagem essencial de fé do Antigo Testamento.
Cada um dessas 55 palavras é escrita em hebraico e é precedida da tradução para o italiano; depois é explicada e valorizada em seus conteúdos e significados essenciais; toda explicação é relativamente curta (uma página e meia ou pouco mais); nos é contado apenas o que é indispensável saber para entender e, portanto, conhecer cada uma daquelas 55 palavras. Como diziam os latinos: multum in paucis, isto é: muito (conteúdo) em poucas (palavras). O autor não nos esconde a grande dificuldade que acompanha cada tradução de uma palavra de uma língua para outra: é quase impossível traduzir na nova língua toda a riqueza que uma palavra possui na língua originária. Traduzir é uma arte difícil de aprender e praticar, mas é uma empreitada providencial e benéfica. Todas as línguas faladas pela humanidade, e mesmo aquelas que ninguém mais fala, podem ser traduzidas para todas as outras línguas humanas. Esse é um fato muito importante porque também demonstra a unidade substancial do gênero humano.
Para o Novo Testamento, o total de palavras é 138.020, enquanto os termos usados são 5.433.
Ravasi escolheu 54 deles, que são reproduzidos em grego, precedidos da tradução para o italiano e transliterados, ou seja, apresentados de acordo com a pronúncia italiana. Aqui também encontramos todas as palavras mais importantes do Novo Testamento, nas quais se encontram os conteúdos fundamentais da mensagem e da fé cristã. Cada palavra é explicada e ilustrada nas suas raízes e nas suas implicações para a nossa vida. Descobrimos tantas coisas belas e preciosas e percebemos o tesouro inestimável que as Escrituras são para cada geração.
Gianfranco Ravasi explica, com absoluto domínio do assunto e grande maestria comunicativa, as cem e mais palavras-chave da Bíblia, ajuda-nos a descobrir as antigas e sempre novas riquezas daquele tesouro, como aquele escriba bem treinado nas coisas do reino de Deus, de que Jesus fala no Evangelho (Mateus 13, 52).
Concluindo, esse "alfabeto" é na verdade um excelente compêndio de teologia bíblica que, de forma simples e fluida, nos ajuda a apreciar e também a amar as palavras que, com a sua mensagem, geram e alimentam a nossa fé e que, portanto, não nos cansamos de ouvir, segundo a antiga promessa: “ouvi, e a vossa alma viverá” (Isaías 55, 3).
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As palavras para entrar no mundo da Bíblia. Artigo de Paolo Ricca - Instituto Humanitas Unisinos - IHU