"Assim como é livre para chamar quem quiser, Deus é livre para salvar quem ele quiser. A liberdade de Deus é certamente a liberdade de amar (Ele é “Aquele que ama na liberdade” [5]), portanto também liberdade de salvar, a maior e mais gloriosa liberdade que existe. Dessa forma, a palavra final sobre o destino sobrenatural de cada pessoa, começando por nós mesmos, pertence a Deus", escreve Paolo Ricca, teólogo, pastor valdense italiano e professor emérito da Faculdade Valdense de Teologia, em artigo publicado por Êxodo, maio de 2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
As perguntas que me pediram para responder são duas: (1) Jesus é o único e definitivo Salvador, crentes de outras religiões e não crentes entram na salvação anunciada e levada a cumprimento por Jesus? (2) A fé em Jesus exclui do Reino aqueles que não acreditam na sua palavra e na sua ressurreição? São duas perguntas, mas na realidade duas faces da mesma moeda porque o problema é um só: trata-se de ver se a salvação anunciada e realizada por Jesus diz respeito a toda a humanidade, se é universal ou não; em segundo lugar quais e quantos são para cada homem os caminhos de acesso a essa salvação; finalmente deve-se ver que lugar e papel a liberdade de Deus desempenha em toda a questão. A resposta às duas perguntas, portanto, ocorrerá em três etapas, a primeira mais longa, as outras duas mais curtas.
Que Jesus seja o Salvador de todos, sem exceções nem limites de qualquer tipo, é uma convicção comum dos autores do Novo Testamento e do próprio Jesus, que diz, entre outras coisas: “quando eu for levantado da terra, atrairei todos a mim" (João 12,32); a sua obra de reconciliação, perdão e a paz aconteceu "para o mundo", isto é, para toda a humanidade. Isso é afirmado com muita insistência especialmente no Evangelho de João. João Batista, logo que vê Jesus, declara: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo" (1,29). E o evangelista escreve: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele" (3,16-17). E várias vezes o próprio Jesus se declara a "luz do mundo" (8,12; 9,5; 11.9; 12,46). O apóstolo Paulo repete várias vezes a mesma coisa, em diferentes contextos: “Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando [evidentemente a todos] os seus pecados; e pôs em nós [nós apóstolos e, em sentido mais amplo, nós cristãos] a palavra da reconciliação”. E logo em seguida: “Àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus (2 Coríntios 5,19-21). Aqui também "por nós" significa "por nós homens", sem distinções ou limites. [Jesus] é a vítima expiatória por nossos pecados, e não somente pelos nossos [de nós cristãos], mas por aqueles do mundo inteiro" (2,2).
Os Samaritanos, evangelizados por seu concidadão, depois de passarem dois dias com Jesus, dizem à mulher: “Já não é pelo teu dito que nós cremos; porque nós mesmos o temos ouvido, e sabemos que este é verdadeiramente o Cristo, o Salvador do mundo" (João 4,42).
Portanto, é absolutamente claro que a salvação trazida por Jesus ao mundo é para o mundo inteiro, isto é, para toda a humanidade e para cada pessoa humana, sem distinções nem discriminações.
Portanto, é mais do que fundamentada a afirmação do Apóstolo Paulo: "Deus quer que todos os homens se salvem e venham ao conhecimento da verdade" (1 Tim 2,4). Qual é a verdade? É aquela já amplamente testemunhada pelo povo de Israel ao longo do Antigo Testamento e que depois apareceu com toda clareza na pessoa e na história de Jesus de Nazaré contada nos Evangelhos, dos quais emerge um Deus muito diferente de tudo o que costuma ser associado à ideia de divindade: um Deus que ama o que nós não amamos (pecadores), que perdoa o que nós não perdoaríamos, que coloca em primeiro lugar o que nós colocamos por último, um Deus que escolhe o que tínhamos rejeitados, que chama de "bem-aventurados" aqueles que nós consideramos infelizes ou desafortunados, um Deus que acolhe aqueles que nós havíamos excluído, enfim, um Deus que não agrada a todos e nem mesmo a nós, e no final não agrada a mais ninguém.
Tanto que acaba numa cruz, não entre dois discípulos, mas entre dois salteadores, como um criminoso comum, como um pobre exaltado que pretendia mudar o mundo mudando o homem, como o rei de um reino que não existe, ou como um subversivo perigoso. Os ídolos não incomodam, pelo contrário, adornam a cidade e encantam o povo; Deus, por outro lado, é extremamente incômodo: sua presença e sua voz não são toleradas por muito tempo. Assim, a verdade que devem conhecer "todos" a quem Deus quer salvar, é uma verdade crucificada. Mas talvez nem todos estejam dispostos a percorrer até o fim aquela estrada estreita e íngreme. No entanto, a vontade de Deus é que todos sejam salvos.
Existem muitos outros vestígios dessa vontade divina de salvação universal no Novo Testamento: levaria muito tempo para enumerar todos eles. Basta aqui recordar a visão do Apocalipse segundo a qual ao redor do trono de Deus e do Cordeiro, juntamente com os 144.000 membros de todas as tribos dos filhos de Israel (12.000 para cada tribo), há “uma multidão, a qual ninguém podia contar, de todas as nações, e tribos, e povos, e línguas, que estavam diante do trono, e perante o Cordeiro, trajando vestes brancas e com palmas nas suas mãos” (Apocalipse 7,9) Também não se pode esquecer a descrição da Jerusalém celestial, iluminada não mais pelo sol, mas pela glória de Deus e pelo Cordeiro, que "é a sua luz"; as suas portas nunca se fecharão e “a ela trarão a glória e honra das nações" (21,23-26). Como se pode ver, é difícil imaginar uma perspectiva mais universalista do que essa.
Muito importante é a motivação que o Novo Testamento apresenta da universalidade da salvação oferecida por Jesus. A motivação é esta: “Há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem. O qual se deu a si mesmo em preço de redenção por todos" (1 Timóteo 2,5- 6). É claro: a razão da universalidade da salvação está na unicidade do Salvador; só existe ele capaz de salvar, portanto a sua salvação deve valer para todos; a humanidade não pode recorrer a outros, porque não existem outros. Como disse Pedro, conduzido com João perante o Sinédrio nos dias que se seguiram ao Pentecostes: “Em nenhum outro [exceto em Jesus Cristo] há salvação, porque também debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos" (Atos 4,12). Essa convicção é uma pedra angular da mensagem e da fé cristã, e é tem sido, ao longo dos séculos, o principal motor de toda a vasta e variegada obra missionária no mundo [1].
A salvação – vamos repetir mais uma vez - é para todos. No entanto, isso não significa que todos gostem ou aceitem ela. Existem muitas palavras tanto nos evangélicos, bem como nas cartas apostólicas (também de Jesus) que deixam entender que nem todos se apropriam de uma salvação que é e fica disponível para todos. Efetivamente, há dois fatores que entram em jogo aqui: o primeiro é a eleição divina, o segundo é a vontade humana. Quanto ao primeiro fator, podem ser citadas duas palavras de Jesus e uma do apóstolo Paulo. As duas de Jesus: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer" (João 6,44), e "Muitos são chamados, mas poucos escolhidos" (Mateus 22,14). A palavra de Paulo: "[A eleição divina] não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus usa de misericórdia" (Romanos 9,16). Assim: se Deus não nos atrai a Cristo, nós, por nossa própria iniciativa, não o fazemos. A escolha divina é um ato de graça que não depende de nós, mas de Deus; ninguém a merece, e chega de forma inesperada e imotivada; aqueles que são escolhidos não sabem porque são escolhidos, e não sabem porque outros não o são, nem por que todos não o são.
Aqui entra em jogo a liberdade de Deus de chamar ou não chamar uma pessoa. Podemos pensar que seria justamente pensando nessa liberdade que Jesus, em duas de suas palavras-chave, fala de "muitos" e não de “todos". A primeira: “O Filho do homem veio [...] para dar a vida em resgate por muitos". A segunda, distribuindo o vinho da Ceia: “Isto é o meu sangue, o sangue da nova aliança, que é derramada por muitos" (Marcos 10,45 e 14,24).
"Muitos", aqui, não significa "não todos", mas "não poucos". Porém, Jesus diz "muitos" e não "todos". Os "muitos" não podem ser "poucos", mas também poderiam ser "todos". Mas há uma ressalva: não somos nós que podemos substituir “muitos” por “todos”. Nós devemos dizer, com Jesus, "muitos". Quanto ao segundo fator - a vontade humana - é aquele de quem não permite que a palavra de Deus tome lugar no seu coração e na sua vida e assim se mantém afastado do Deus que está próximo a ele. Há quem não abre Àquele que bate (Apocalipse 3,20), há quem "abandona o primeiro amor" (Apocalipse 2,4).
Há, na narrativa evangélica, um personagem que ilustra de forma emblemática o drama do escolhido (Judas havia sido escolhido por Jesus no grupo dos Doze) que troca sua escolha entregando Jesus a seus inimigos, assim como Esaú vendeu sua primogenitura por um prato de lentilhas. Mas "os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento" (Romanos 11,29). Portanto em sua traição com a qual também traiu a si mesmo, Judas continua sendo o escolhido, sua escolha divina “supera, eclipsa, controla e governa o seu repúdio, não apenas parcialmente, mas completamente, não apenas de maneira relativa, mas absoluta” [2].
Também para Judas vale a palavra antiga, pronunciada diante das ruínas de Jerusalém e de seu Templo: “Suas [Deus] misericórdias não têm fim. Novas são cada manhã" (Lamentações 3,22). Mas então: Judas será salvo? Segundo a justiça humana, não: a sua traição é imperdoável.
Segundo a justiça divina, que justifica o ímpio ("Cristo morreu pelos ímpios" Romanos 5,6, ou seja, "no seu lugar"), sim. Mas é Deus quem administra a sua justiça, não somos nós.
Em conclusão, a eleição é obra exclusiva e inquestionável de Deus. Se deve abranger toda a humanidade "é uma tese que não temos o direito de formular, por respeito à liberdade de Deus. A liberdade de Deus não é um código do qual se possam derivar direitos e obrigações. Como o Deus de graça não tem obrigação de eleger e chamar para si um só indivíduo, também não tem obrigação de eleger e chamar a si toda a humanidade [...]. Inversamente, o conhecimento da graça própria da liberdade divina deve impedir-nos de formular a tese contrária, isto é, de afirmar que é impossível esperar o alargamento total e supremo da eleição e da vocação, de modo a incluir toda a humanidade” [3].
Se, como foi dito, não há outro nome senão aquele de Jesus, que tenha sido dado aos homens para que possamos ser salvos (Atos 4,12), e se Jesus é "o Salvador do mundo" (João 4,42), não podemos pensar que possa haver salvação além de Jesus. No entanto, isso não significa que o caminho cristão para Jesus seja o único que leva a ele. A unicidade e a universalidade da salvação em Jesus não significam que, mais cedo ou mais tarde, todos devem se tornar cristãos para serem salvos, ou seja, que não se possa ser salvo se não se tornar cristão. Jesus Cristo e o cristianismo não podem ser separados, mas menos ainda identificados.
O cristianismo desenvolveu-se e difundiu-se em estreita relação com a Igreja, mas entre Jesus e a Igreja nas suas várias formas há sem dúvida uma certa continuidade, mas também há “saltos”, ou seja, descontinuidades, não fáceis de preencher. Perguntar-se hoje qual igreja Jesus frequentaria, e até se frequentaria alguma, reconhecendo-a como sua comunidade, não é uma pergunta frívola ou inconveniente. Dizer “Jesus” e Igreja “significa evocar duas realidades, nas quais as diversidades talvez sejam maiores que as afinidades, as distâncias maiores que as proximidades. Isso não significa diminuir a importância da Igreja por meio da qual o conhecimento de Jesus e a fé nele chegaram até nós, mas significa principalmente não fazer depender a relação com Jesus da relação com a Igreja, mas fazer depender a relação com a Igreja da relação com Jesus e, em segundo lugar, significa afirmar que Jesus é uma realidade maior que a Igreja e, portanto, há formas de acesso a Jesus, ou seja, à salvação, diversas daquelas, ainda que múltiplas, da Igreja.
Existem quatro formas de acesso a Jesus que podemos indicar hoje.
[a] a primeira é obviamente o caminho da fé em Jesus, que normalmente se percorre e se vive na Igreja. "Crê no Senhor Jesus, e serás salvo, tu e a tua casa" (Atos 16,31). E ainda: “Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo" (Romanos 10,9). Essa é a via mestra para a salvação. A fé nasce da escuta da palavra evangélica da graça e do perdão; ao acolhê-lo entra-se em comunhão com o próprio Jesus, e essa é a salvação. Não é a fé que salva, mas Jesus, porém é por meio da fé que entro em relação com Jesus e que me aproprio da salvação.
[b] Jesus pregou incansavelmente a fé dizendo: “Quem crê no Filho tem a vida eterna" (João 3,36), e procurou-a nos seus discípulos, encontrando sempre "pouca", e no final nenhuma, enquanto, surpreendentemente, ele a "encontrou" ou descobriu em dois pagãos, em um homem, um centurião romano (Mateus 8,10), e numa mulher sirofenícia (Marcos 7,24-30); no homem até encontrou "uma grande fé". A qualidade da fé desses pagãos parece até superior àquela dos discípulos. No entanto, a advertência de Jesus vale para todos: "Nem todos que me chamam: Senhor, Senhor! entrarão no reino dos céus [outra forma de dizer: "serão salvos"], mas aqueles que fazem a vontade do meu Pai que está nos céus". Para fazer esta vontade não basta nem mesmo profetizar e fazer milagres em nome de Jesus (Mateus 7,21-23).
Temos duas indicações muito claras sobre qual é a vontade de Deus: o resumo dos Dez Mandamentos por Jesus no duplo mandamento do amor (Marcos 12,28-34), e as obras descritas em Mateus 25,35-40. Isso significa que também o amor, que é "maior" do que a fé e a esperança, pois, ao contrário destes, "o amor nunca falhará" (1 Coríntios 13,8), une a Jesus e a Deus, como diz e repete a Primeira Carta de João: "Deus é amor, e quem permanece no amor, permanece em Deus, e Deus nele" (4,16). O que é esse "permanecer" recíproco de Deus em nós e de nós em Deus senão a salvação perfeita? Esse amor, na Primeira Carta de João, é inseparável de fé em Deus como amor, mas a grande descrição do julgamento final em Mateus 25 nos fala, entre muitas coisas, algo muito importante, ou seja, que é possível realizar gestos inequívocos de autêntico amor ao próximo sem conhecer sua secreta origem e qualidade divina: são gestos humanos ditados pela compaixão, que, no entanto, sem o conhecimento de quem os executa, têm a ver com Deus; naquela que, vista de fora, é uma simples relação humana muito bonita, se entretece uma profunda relação divina. Devemos então concluir que também o caminho do amor conduz, por meio de Jesus, a Deus e então para a salvação? A resposta é sim.
[c] Na mesma linha que acabamos de traçar, se coloca uma palavra do apóstolo Pedro que, com base em uma visão que lhe foi enviada por Deus (At 10,10-16), compreendeu, entre outras coisas, que “em qualquer nação, lhe é agradável aquele que o teme e faz o que é justo” (Atos 10,35). Aqui também há uma menção à fé, mas bastante suave, mas o que torna qualquer pessoa mais agradável a Deus são as "obras justas", isto é, aquelas que, por serem justas, correspondem à vontade de Deus. É outra versão da palavra de Jesus sobre o fazer a vontade de Deus caso se queira entrar em seu reino. Deus se preocupa mais em ser obedecido (seja conscientemente ou não, como em Mateus 25) do que ser celebrado. Ele prefere a justiça e o direito em vez das liturgias solenes. Qualquer um que, em qualquer nação, cultura ou religião ou, independentemente de qualquer religião, faz as obras que agradam a Deus, agrada a Deus que, com certeza, o recebe de bom grado em seu reino.
[d] Uma quarta forma de acesso à salvação foi elaborada já no II século da história cristã por alguns teólogos, entre os quais o principal foi Justino Mártir (100 ca.-165 ca.), filósofo de origem pagã, que se tornou cristão e morreu mártir em Roma por volta de 165 d.C. A ele devemos a doutrina da Palavra divina (Logos) difundida onde quer que se cultivem valores e virtudes (Logos spermatikòs). “Tudo o que foi dito de verdadeiro por alguém, é nosso” afirma Justino [4], não no sentido que pertence a nós, mas no sentido de que a ação da Palavra divina, o Logos, atuou muito além dos confins da comunidade cristã.
Portanto, segundo Justino, Sócrates e Heráclito, como também Abraão, eram cristãos pelo menos potenciais, ainda que incompletos ou parciais, porque a Palavra divina havia espalhado as "sementes de Cristo" mesmo entre eles, cristianizando, pelo menos em parte, aquele mundo antes mesmo que viesse a ser evangelizado. Desse ponto de vista, o olhar sobre o mundo então considerado pagão, e em todo caso não cristão, muda completamente. O mundo que não conhece a Deus não é sem Deus, porque Deus não é sem o mundo, aliás, ele age nele por meio do Logos. Precisamente porque Jesus é o Salvador de mundo e Deus, nele, reconciliou o mundo a si, podemos ver que quer saber. Em uma perspectiva desse tipo, os conteúdos do diálogo com as outras religiões mudam completamente e podem ser orientados de uma maneira nova em relação ao passado. Isso não significa relativizar a fé cristã, mas, ao contrário, descobrir seus vestígios mesmo onde não esperaríamos encontrá-la. Similar à quando Jesus encontra "uma grande fé" em dois pagãos.
Já falamos da liberdade de Deus no ponto [a]. É uma liberdade que se manifesta perfeitamente no sopro do Espírito, que não se sabe de onde vem, nem para onde vai (João 3,8): é imprevisível e incontrolável; justamente, é livre. Assim como é livre para chamar quem ele quiser, assim Deus é livre para salvar quem ele quiser. A liberdade de Deus é certamente a liberdade de amar (Ele é “Aquele que ama na liberdade” [5]), portanto também liberdade de salvar, a maior e mais gloriosa liberdade que existe. Dessa forma, a palavra final sobre o destino sobrenatural de cada pessoa, começando por nós mesmos, pertence a Deus.
Isso nos liberta de toda ansiedade e nos torna mais livres, porque libertos de qualquer julgamento sobre os outros e sobre nós mesmos. Criados à imagem de Deus, também a nossa liberdade é chamada a refletir algumas centelhas da sua liberdade. Seria bom, por exemplo, se a vivêssemos sobretudo como liberdade de amar.
Poderíamos então apreciar ainda mais o esplêndido poema de Paul Eluard sobre a liberdade, que se encerra com estes versos [6]:
E ao poder de uma palavra
Recomeço minha vida
Nasci para te conhecer
Para te chamar: Liberdade.
[1] A afirmação de Pedro aqui citada também foi questionada em âmbito cristão, por aqueles que a interpretaram como uma afirmação arrogante ditada por uma presunção de superioridade do cristianismo sobre as outras religiões, da qual como cristãos deveríamos, ao contrário, nos libertar. Mas afirmar que Jesus é o único Salvador do mundo de forma alguma implica cultivar ou alimentar sentimentos de superioridade, nem é em si um ato de arrogância. É simplesmente uma das crenças centrais da fé cristã. Pode-se não concordar com ela, mas é difícil imaginar um cristianismo prescindindo dela.
[2] Karl Barth, Dogmatique, vol, 8, Labor et Fides, Genebra 1958, p. 498.
[3] Karl Barth, op. cit. [Nota 1], p. 414.
[4] Justino, Segunda Apologia, 13.
[5] Karl Barth, Dogmatique, vol. 7, Labor et Fides, Genebra 1957, p. 1-69.
[6] No original: “Et par le pouvoir d’un mot/Je recommence ma vie/Je suis né pour te connaître/Pour te nommer/Liberté”.