06 Abril 2023
A Igreja, empenhada nos últimos anos em um caminho sinodal que envolve todos os componentes do povo de Deus, inseridos amigavelmente no vasto mundo das relações humanas e em diálogo fraterno também com todas as pessoas que não participam explicitamente do caminho de fé eclesial, deve ter como pilares as características que marcaram a pessoa e a vida de Jesus de Nazaré.
A opinião é de Roberto Mela, padre dehoniano, teólogo e professor da Faculdade Teológica da Sicília, na Itália. O artigo foi publicado por Settimana News, 28-03-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Voltemos sempre ao estilo de Deus: o estilo de Deus é proximidade, compaixão e ternura. Deus sempre agiu assim. Se não chegarmos a essa Igreja da proximidade com atitudes de compaixão e ternura, não seremos a Igreja do Senhor.”
As palavras do Papa Francisco no discurso de abertura do caminho sinodal inspiraram ao liturgista e biblista camaldulense Matteo Ferrari o fio condutor para articular uma série de reflexões bíblicas centradas na dupla obra lucana, Evangelho-Atos.
FERRARI, Matteo. “Per avere la vita”. Lo stile di Gesù per una Chiesa sinodale. Un percorso nell’opera lucana. Prefácio de Dom Erio Castellucci (Orizzonti biblici Nuova Serie). Assis: Cittadella Editrice, 2022, 190 páginas (Foto: Divulgação)
O estilo de Deus é aquele mostrado concretamente por Jesus em sua vida, morte e ressurreição. Esse é o estilo que ele deixou como herança a seus discípulos, para que o vivessem e o testemunhassem também em âmbitos cada vez mais vastos e diversificados cultural e religiosamente.
A Igreja, empenhada nos últimos anos em um caminho sinodal que envolve todos os componentes do povo de Deus, inseridos amigavelmente no vasto mundo das relações humanas e em diálogo fraterno também com todas as pessoas que não participam explicitamente do caminho de fé eclesial, deve ter como pilares as características que marcaram a pessoa e a vida de Jesus de Nazaré.
O monge camaldulense refere-se aos textos evangélicos, mas também aos eclesiais dedicados mais especificamente ao caminho sinodal ao qual a Igreja foi chamada.
Para viver e testemunhar Jesus, é preciso tê-lo encontrado pessoalmente. Na introdução ao livro, o autor reflete sobre as etapas que caracterizaram o encontro dos 10 leprosos com Jesus (Lc 17,11-19). Ir ao encontro, parar respeitosamente à distância, elevar a voz, dirigir-se aos sacerdotes, voltar para agradecer são etapas normativas também para a vida da Igreja. É preciso ir a Jesus encontrando um lugar e uma oração para nos colocar na presença de Deus e invocar sua ação sobre nós.
Tomar as Escrituras em mãos é o segundo passo, no qual nos perguntamos o que a palavra do Senhor está operando em mim. Voltar para agradecer é reconhecer que o meu bem vem de um Outro e descobrir os frutos inesperados do encontro com Deus e com a sua palavra.
São seis os rostos da Igreja sobre os quais o autor concentra sua atenção. Para cada um deles, ele reflete sobre dois trechos bíblicos da obra lucana.
Convocada. A Igreja se apresenta sobretudo como comunidade convocada. O texto bíblico da Anunciação a Maria (Lc 1,26-38), com o momento da situação de partida caracterizada pela pequenez e pela “perifericidade” do lugar, o diálogo articulado de Maria com o anjo e a conclusão podem muito bem ilustrar a natureza da Igreja como comunidade convocada, reunida pela iniciativa divina, para um caminho e uma vocação que não devem conhecer o temor, porque são vigiados pela promessa da assistência divina. Será um êxodo rumo à fecundidade.
O chamado dos primeiros discípulos (Lc 5,1-11) no contexto de uma pesca milagrosa apresenta uma situação inicial de uma enorme multidão para escutar a palavra de Deus. Jesus vê duas barcas e prega. Então, convida Pedro a lançar-se ao mar e a pescar mesmo em tempo inoportuno e, depois de constatar a abundância da pesca em um trabalho comunitário e sinodal, ocorre o chamado a se tornar pescadores de homens, em uma pastoral missionária.
O trecho termina com o seguimento dos discípulos. Ferrari conclui: “A vida da Igreja tem o seu critério último de avaliação no seguimento de Jesus, na imitação de Cristo. Mas esse é também o critério de avaliação e o fundamento da fecundidade da missão: somente homens e mulheres que seguem Jesus, que caminham atrás dele poderão ser anunciadores do Evangelho” (p. 61).
Em conversão. A Igreja é uma comunidade em estado de conversão constante. Esta consiste em retornar à própria identidade mais profunda. Se o Documento Preparatório utiliza a imagem bíblica do episódio da conversão de Cornélio (que o autor examinará mais adiante), Ferrari reflete sobre o estupendo episódio da mulher pecadora na casa de Simão, o fariseu.
Lc 7,36-8,3 mostra um Jesus acolhedor, livre e libertador, com um estilo de relação com a pecadora e com as mulheres que o seguem que supera os esquemas padronizados. Jesus é livre e hospitaleiro. É livre mesmo em um contexto não ordinário, liberta as pessoas em busca de amor verdadeiro, abraçando-as em um perdão que envolve, precede e segue os sinais de amor e de arrependimento da mulher, salva pela sua fé, assim como pelo seu amor.
Jesus tem confiança em nós, também nos liberta dos preconceitos e do pecado. Ele nos exorta a seguir esse rosto para nele sermos testemunhas de verdade e de libertação. Uma Igreja sempre em conversão deve se renovar constantemente para ser livre e libertadora, animada pela confiança em uma humanidade que Deus ama e na qual ele não cessa de apostar.
O tempo da conversão é ilustrado por Ferrari com o trecho de Lc 13,1-9, que relata as referências a dois acontecimentos trágicos e a parábola ou semelhança da figueira estéril. A tragicidade inevitável dos incidentes imprevistos e a violência sanguinária desejada pelo procurador Pilatos convidam a uma conversão pessoal para não incorrer na morte espiritual, bem mais grave do que a física.
A parábola da figueira estéril não deve ser lida procurando uma identificação pontual dos personagens, mas atesta a paciência do dono da vinha solicitada pela preocupação do agricultor. O comportamento do camponês pode ser o de Jesus ou o de Deus, segundo Ferrari. Olhando para o cântico da vinha de Isaías, o sentido geral do trecho parece ir nessa direção. Deus, assim como o vinhateiro, convida à conversão, mostra-se longânime, deixa tempo para a conversão, mas também se ocupa, cuidando do terreno e da planta.
A conversão primeira e fundamental é aquela que diz respeito à imagem de Deus, que não segue os parâmetros humanos para conosco, evitando também estabelecer uma relação imediata entre fato e pecado. A Igreja é chamada a evangelizar um rosto de Deus que seja boa notícia para o ser humano de hoje. “Somente um Deus disposto a perder tempo por nós é aquele a quem podemos seguir” (p. 84).
Orante. A terceira característica da Igreja sinodal é a de ser uma comunidade orante. Só uma Igreja que reza, abrindo-se à busca contínua do rosto de Deus e de seu projeto para a humanidade de hoje, pode ser evangélica e fecunda em seu agir.
O autor reflete em um primeiro parágrafo sobre Jesus como modelo de oração. Ele frequentemente se retirava para lugares desertos para rezar.
Ferrari repassa as passagens que testemunham a oração de Jesus (batismo, ministério na Galileia com o chamado dos Doze e a Transfiguração, a paixão no Getsêmani). A oração é para Jesus sobretudo o momento em que ele compreende o sentido de sua missão. A oração não é apenas pedido e súplica, mas também discernimento e compreensão da própria identidade. A dimensão “vertical” da sinodalidade emerge na oração. Sem oração, não somos verdadeiramente discípulos de Jesus.
Um segundo parágrafo ilustra Jesus como mestre de oração. São visitados vários trechos: as parábolas de Lc 11,5-13 sobre a insistência e o objeto da oração; a parábola de Lc 18,1-8 e a de 18,9-14 com os personagens do fariseu e do publicano postos em comparação.
A humildade se contrapõe ao desprezo e à autossuficiência baseada nos próprios méritos. Acima de tudo, a oração revela à Igreja o seu próprio rosto e permite compreender que a lex orandi se torna modelo, exercício de fé e de vida comunitária. A Igreja que salvaguarda a autenticidade da oração protege, ao mesmo tempo, a sua dimensão sinodal.
Hospitaleira. O quarto sinal característico da Igreja é o de ser uma comunidade hospitaleira. Somente uma comunidade hospitaleira, de “hospitalidade incondicional” (Ch. Theobald) pode anunciar o Evangelho aos homens e às mulheres do nosso tempo.
Lc 6,17-19 ilustra o estilo hospitaleiro de Jesus e de seus discípulos. Uma força que curava a todos saía de Jesus. Ele desce do monte da constituição dos Doze, encontra uma grande multidão que o procura, busca um contato físico com ele, um encontro pessoal.
Também nós hoje podemos fazer a experiência de buscar Jesus, de tocá-lo, de ser curados. A comunidade cristã o toca na carne das Escrituras, na comunidade dos irmãos e das irmãs, no pão partido e no cálice partilhado, profecia e anúncio da Páscoa de Jesus. Um traço essencial da vida cristã manifesta-se na hospitalidade doada e recebida.
Lc 10,38-42, no qual se narra a hospitalidade oferecida a Jesus por Marta e Maria em sua casa, oferece a oportunidade para refletir sobre a “parte boa” a escolher e a guardar com cuidado.
Ao ser questionado pelo jovem rico sobre o que fazer para ter a vida eterna, Jesus responde com a parábola do bom samaritano. É preciso se fazer próximo. O episódio de Marta e Maria é paralelo. Há correspondência entre Marta e o levita/sacerdote e entre Maria e o samaritano. Há dois modos de se fazer próximo: o cuidado do samaritano e a escuta de Maria.
Maria escuta a palavra de Jesus. Escolheu a parte boa. O samaritano é figura central e determina a ação: não é a vida do homem atacado pelos ladrões que depende da ação dos outros dois, mas sim o contrário.
A parte boa de Maria “é a descoberta de que não é a vida do outro que depende da minha, mas é a minha existência que depende radicalmente da do outro e do modo como eu me relaciono com ele” (p. 133). A verdadeira hospitalidade consiste em conhecer o essencial: a minha vida depende do outro. A “parte boa” escolhida por Maria em sua relação com Jesus é saber que ele faz algo por ela, e não o contrário.
Imersa em suas preocupações, Marta esqueceu que o Senhor se curva sobre ela. “Não existe verdadeira hospitalidade sem a consciência de que sou eu quem precisa do outro, antes mesmo de que o outro precise de mim” (p. 133-134).
Pascal. A Igreja de rosto sinodal só pode ter seu ponto de referência último na Páscoa de Jesus e, portanto, ser uma comunidade pascal. A vida cristã encontra na morte e ressurreição do Senhor o seu sentido e a sua fonte, o seu modelo e o seu cumprimento.
As palavras e os gestos da eucaristia são deixados por Jesus aos seus discípulos para guardar sua memória no mundo. Os discípulos no mundo deverão ser memória viva do Senhor graças à conformação à sua Páscoa, no dom da vida e na comunhão/aliança com o Pai.
Na eucaristia, a Páscoa de Jesus se revela como fundamento da comunhão com Deus e com os irmãos. Ela é o modelo da solidariedade com a humanidade, especialmente a ferida e pecadora. “O sentido de uma Igreja que vai ao encontro dos últimos e escuta sua voz se enraíza no dom da vida de Jesus na cruz e no dom do Espírito que ele doa para fazer novas todas as coisas” (p. 136).
O trecho de Lc 23,33-46 ilustra a Páscoa como solidariedade. Ele contém a interpretação autêntica feita pelo próprio Jesus de sua doação pascal: “Foi contado entre os ímpios”.
Suas reflexões sobre os trechos bíblicos nos fazem redescobrir os fundamentos indispensáveis para que a Igreja seja sinodal e, por isso, significativa também para o mundo de hoje.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O estilo de Jesus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU